Unesp de Araraquara orienta alunos para criarem empresas de base tecnológica

Laboratório da universidade é especializado em pesquisas de nanotecnologia e cerâmicas especiais

A criação de novas empresas de base tecnológica no Estado está entre as iniciativas do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec) – parceria entre o Instituto de Química (IQ) da Unesp, campus de Araraquara, e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O modelo de negócio é supervisionado pelos professores da universidade e tem como empreendedores alunos de mestrado e doutorado.

O Instituto trabalha com o chamado sistema spin off, tipo de parceria comum nos países europeus, por meio da qual o aluno não perde seu vínculo com a universidade e, ao mesmo tempo, presta serviços nos laboratórios da faculdade. De acordo com seus idealizadores, o sistema traz benefícios para toda a sociedade, como o desenvolvimento regional e a geração de empregos e renda.

O Liec trabalha atualmente com três clientes nesse sistema: Science, Kosmo Science e uma empresa em formação, que apoiará as indústrias do município de Pedreira, com o suporte da prefeitura local.

Um dos focos de estudo do laboratório são as cerâmicas e os compostos produzidos com nanotecnologia, ramo da ciência aplicado ao estudo e manuseio de partículas muito pequenas, da ordem de milionésimos de milímetro.

A proposta é miniaturizar peças, necessidade tecnológica das indústrias de componentes elétricos, eletrônicos e de informática. Quanto menor e mais pura for a partícula da matéria-prima pesquisada, maior será a sua chance de aplicação na ciência e nos negócios.

Cerâmica especial

O Liec surgiu em 1988 e recebeu investimento inicial de R$ 80 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Conta com 12 pesquisadores, 25 funcionários e 50 alunos, e mantém convênios com instituições de pesquisa de todas as regiões do Brasil.

Atualmente, o laboratório tem 70 contratos assinados de prestação de serviço, 12 dos quais estão em operação. A carteira de clientes inclui a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), White Martins, Indústria Brasileira de Artigos Refratários (Ibar), Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e o Sindicato de Cerâmica Artística de Porto Ferreira. No total, conseguiu US$ 97 milhões em rendimento e obteve o registro de 13 novas patentes com a CSN.

Uma cerâmica especial projetada no Liec/Science tem propriedades solicitadas pela indústria – é bactericida, possui grande abrasão, dureza, durabilidade e não enferruja. O segredo está na preparação do aço, que recebe tratamento especial e é oxidado artificialmente com titânio, o que antecipa em laboratório a oxidação que ocorreria naturalmente com o uso. Assim, torna-se ideal para revestir pinças e bisturis, recobrir eletrodomésticos de linha branca (fogões e geladeiras que não amarelam com o tempo) e ser a base de louças baratas e consistentes utilizadas pela cerâmica artística.

Outra destinação estratégica para as cerâmicas é a utilização como combustível alternativo para produzir energia elétrica, a partir do uso do hidrogênio. Este será utilizado em células cerâmicas de alto desempenho. A tecnologia permite a geração de energia para alimentar condomínios, hospitais, veículos, celulares, notebooks e máquinas fotográficas.

Limpeza de altos-fornos

A Science Solution é uma empresa sediada em São Carlos que pertence ao ex-aluno do IQ-Unesp Luiz Gustavo Simões e seus dois sócios. Funciona no sistema spin off e concebeu filme especial à base de aço, para revestir as paredes de tubos utilizados na indústria petroquímica, que facilita a limpeza interna das tubulações. A aplicação pode prolongar de 40 para 100 dias o tempo entre as interrupções do serviço para manutenção, sendo que cada dia de paralisação do sistema custa aproximadamente US$ 1 milhão. O sistema desenvolvido pela Science já proporcionou economia de US$ 2 milhões anuais.

Sob medida

Simões conta que, em um ano de existência, conseguiu o retorno do investimento feito na abertura da empresa. Além disso, está providenciando orçamentos para clientes interessados em suas resinas cerâmicas, para recobrir brocas odontológicas. Outro pedido é de um fabricante suíço de relógios de pulso, que deseja um vidro à prova de riscos e também componentes internos que não oxidem.

Pedreira, cidade localizada na região central do Estado, é um dos principais polos de produção de cerâmica artística do País. Um contrato spin off entre a Unesp e a prefeitura local possibilitou a instalação de um núcleo local do Liec para prestar consultoria e trazer inovação em processos e produtos dos 24 fabricantes locais. A medida procura responder aos concorrentes chineses, presentes no mercado nacional com preços competitivos e itens de qualidade.

O professor Élson Longo, do Liec, explica que há rica troca de experiências entre os alunos empreendedores e seus professores. “Esse modelo abre grandes perspectivas para a universidade pública, que passa a ser parceira do desenvolvimento nacional e consegue também formar e atrair profissionais qualificados para trabalhar nos laboratórios acadêmicos e em suas empresas de tecnologia”, destaca.

Outro aspecto positivo é o aporte de recursos proveniente da prestação de serviços à indústria. A receita é reinvestida no Liec para comprar novos equipamentos, manter os atuais e pagar o salário dos técnicos especializados. Para as grandes empresas, surge a possibilidade de encomendar com os professores o desenvolvimento de materiais sob medida, do ponto de vista físico, químico e mecânico.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 24/08/2005. (PDF)

Pesquisadores da USP São Carlos montam pela 1ª vez no Brasil câmera termográfica

Sistema identifica diferenças de temperatura entre regiões do corpo e imagem digital auxilia diagnóstico de tumores, hanseníase e inflamações

A equipe de pesquisadores do Instituto de Física da USP São Carlos (IFSC), coordenada pelo professor Luiz Antonio de Oliveira Nunes, montou neste ano, pela primeira vez no País, uma câmera termográfica. O equipamento foi desenvolvido no Laboratório de Lasers e Aplicações. Identifica diferentes variações de temperatura entre regiões do corpo do paciente, que são representadas em escala de cores na tela do computador. Antes, havia no Brasil, na área da saúde, somente quatro unidades – todas importadas.

A imagem digital produzida pela câmera termográfica é uma ferramenta auxiliar de diagnóstico para especialidades médicas, como dermatologia, oncologia, reumatologia, fisiatria, ortopedia, neurologia, neurocirurgia e mastologia. Depois de processada a imagem, as áreas de maior temperatura podem indicar tumores, inflamações, hanseníase ou lesões por esforço repetitivo. Os pontos mais frios podem representar problemas circulatórios.

Diferentemente dos aparelhos de raios X, o exame com a câmera não emite radiação. É um procedimento não invasivo, indolor e dura apenas três segundos, com a vantagem de dispensar anestesia e o uso de substâncias como o contraste. Além disso, permite ao médico avaliar de imediato a situação funcional e metabólica de regiões específicas do corpo.

Doação de câmeras

Para obter diagnósticos mais precisos, o profissional de saúde pode utilizar a imagem produzida com a câmera termográfica em conjunto com outras avaliações clínicas: ressonância magnética, tomografia e radiologia. Essa técnica foi bastante desenvolvida em alguns centros de saúde de países estrangeiros como o Japão, que produzem imagens tridimensionais por meio da sobreposição de exames.

O professor Nunes explica que a tendência, agora, é expandir o uso da nova tecnologia e treinar profissionais de centros de saúde para aprender a técnica. Na semana passada, a equipe da USP São Carlos entregou uma câmera para o Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL), de Bauru, referência nacional no tratamento e prevenção da hanseníase. Em breve, será também instalada uma unidade no Centro de Referência da Saúde da Mulher – Hospital Pérola Byington, na capital, para detecção, treinamento, pesquisa e assistência contra o câncer de mama.

Para funcionar, o equipamento utiliza um sensor infravermelho importado dos Estados Unidos, que mede as variações de temperatura entre 18º e 40ºC, existentes na superfície do corpo humano. Os demais componentes do conjunto foram desenvolvidos no Brasil, ao custo de R$ 30 mil, sendo que as câmeras importadas têm preço médio de US$ 70 mil. O projeto teve início em 2002 e recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp).

Para difundir ainda mais o uso dessas câmeras, Nunes afirma que precisa do apoio governamental, para instalar maior número de aparelhos e qualificar médicos a utilizá-las. Ele avalia que seis meses de treinamento teórico-prático são suficientes para instruir os profissionais, que também aprenderão a utilizar o programa de computador que comanda a câmera, inovação produzida e patenteada pela equipe de pesquisadores do IFSC.

Parceiro fundamental

Desde o início da pesquisa, o médico Antonio Carlos de Camargo Andrade tem sido um parceiro fundamental na elaboração do projeto. Especialista em medicina de reabilitação (fisiatria) desde o início do ano, fez exames em mais de 200 pacientes no campus da USP com a câmera.

Segundo Andrade, o diagnóstico por imagem é uma ferramenta importante também na prevenção de doenças, especialmente nos estágios iniciais. Permite identificar dores de origem desconhecida, hanseníase, infecções de pele e tumores como o melanoma e outros tipos de cânceres que podem surgir em tecidos moles do corpo.

Novas expectativas

“A diabetes pode causar lesões irreversíveis, que exigem a amputação de dedos, pés, pernas e braços. A câmera termográfica consegue indicar com precisão o local ideal para a incisão, evitando que o cirurgião corte tecidos sadios ou cause lesões em áreas que ainda possam se regenerar”, explica Andrade.

O médico conta que a câmera trouxe novas perspectivas de estudo da hanseníase. Serão necessários de dez a 15 anos de pesquisa para avaliar todas as novas possibilidades de diagnósticos e de tratamentos. Um avanço já obtido foi a possibilidade de dosar melhor a quantidade de medicamentos ministrados para o paciente, o que possibilita acompanhar, de imediato, a reação do organismo à medicação, especialmente em tumores e doenças da pele.

A cirurgia plástica restauradora também pode ser favorecida com o equipamento. A imagem digital indica as áreas da pele com melhor irrigação sanguínea, ideais para a realização de enxertos. Será importante na reabilitação de pessoas que sofreram queimaduras e lesões na pele. Em cirurgias estéticas, auxilia a combater a celulite.

A pesquisa sobre a medição e detecção das ondas de calor teve grande evolução na década de 60, para fins militares. Atualmente, a câmera termográfica é utilizada em satélites na órbita terrestre para monitorar as áreas mais atingidas por queimadas. A única limitação de uso é o alto custo da instalação. A tecnologia vem sendo utilizada na medicina veterinária e em instalações industriais e elétricas para monitorar processos. Além disso, pode ser aplicada em portos e aeroportos para conter a propagação de epidemias como a gripe asiática e o vírus Ebola.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 11/08/2005. (PDF)

Pesquisa da Unesp leva a vidro capaz de receber gravações tridimensionais

Inovação abre novas perspectivas para a produção de memórias de alta capacidade para CDs, DVDs e computadores

Descoberta da equipe de pesquisadores do Laboratório de Materiais Fotônicos do Instituto de Química (IQ) da Unesp, campus de Araraquara, abre novas perspectivas para a indústria de componentes optoeletrônicos: a possibilidade de gravação tridimensional de informações no interior do vidro.

O grupo de estudos é coordenado pelo pesquisador dr. Younes Messaddeq e o vidro especial é parte do trabalho de pós-doutorado de Gaël Poirier, aluno francês especialista em química dos materiais. Há dois anos, ele estuda um vidro especial, composto a partir de uma mistura de óxido de tungstênio, polifosfato de sódio e fluoreto de bário.

Em um dos testes no laboratório, Gaël percebeu que quando irradiava o vidro com raio laser azul ficavam gravadas manchas escuras na altura, largura e no comprimento do pedaço de vidro. Além disso, o pesquisador confirmou que o efeito fotossensível podia ser “apagado”, ou seja, por meio de tratamentos térmicos apropriados, as manchas desapareciam, evidenciando que o efeito é reversível, o que possibilita fazer novas gravações sobre o mesmo material.

“Atualmente, muitas pesquisas em andamento em todo o mundo visam à gravação tridimensional, contudo, a novidade foi conseguir atingir este objetivo utilizando um vidro à base de tungstênio como matéria-prima. O segredo do composto aqui desenvolvido está nos elementos químicos adicionados em pequenas quantidades”, explica Gaël.

O vidro especial tem coloração amarela e, quando irradiado com o laser, muda de cor. O composto é fotossensível, altera suas propriedades quando exposto a luzes especiais. Gaël ressalta, entretanto, que a mancha produzida na experiência não é uma informação digital e somente ilustra, na prática, a possibilidade da gravação tridimensional.

Albert Einstein

Parceria entre o Laboratório de Materiais Fotônicos do IQ e o Instituto de Estudos Avançados do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos permitiu nova demonstração da experiência. A pedido da equipe do IQ-Unesp, os profissionais do CTA gravaram de modo tridimensional a face do físico Albert Einstein numa amostra de vidro de um centímetro de largura por três de altura.

A variedade especial de vidro abre, também, perspectivas para a pesquisa de novos componentes miniaturizados, capazes de substituir CDs regraváveis, DVDs e cartões de memória utilizados, por exemplo, em câmeras fotográficas digitais e celulares.

“Um dos próximos passos será preparar uma película fina de alguns mícrons (a milionésima parte do metro) desse material e verificar se o efeito é o mesmo observado no vidro. Esta película fina seria capaz de substituir a que atualmente é utilizada em CDs e DVDs”, aponta Gaël.

Outro modo de armazenar informações em três dimensões emprega o uso de técnica especial: a holografia, que permite ampliar ainda mais a capacidade de armazenamento de dados por centímetro cúbico de material.

O aluno de pós-doutorado dr. Marcelo Nalin, que desenvolve sua pesquisa no Instituto de Física da Unicamp em Campinas, sob a orientação da cientista Lucila Cescato, trabalha em parceria com os doutores Gaël e Younes. São os únicos pesquisadores, no Brasil, a estudar o fenômeno de fotossensibilidade em vidros de tungstênio, usando a técnica holográfica.

Produção e investimento

Gaël não recebeu investimento específico para a pesquisa, somente sua bolsa de pós-doutorado, que é mantida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). Nas experiências, utilizou a infra-estrutura de equipamentos do IQ e contou com o auxílio financeiro da Fapesp para a compra de reagentes de partida e cadinhos de óxido de alumínio e platina, usados para a fusão das substâncias.

A temperatura de fusão no cadinho depende da composição inicial do material e varia entre mil e 1.600°C. Depois da síntese do vidro, a amostra é submetida a um recozimento que demora quatro horas. Em seguida, resfriada gradualmente até chegar à temperatura ambiente.

A fase final do processo de fabricação é o polimento nas superfícies, passo importante para assegurar a qualidade óptica do material. Para confirmar o estado vítreo da amostra, o material é submetido a técnicas de caracterização: difração de raios X, análise térmica e observação visual.

Patente solicitada

O vidro fotossensível de Gaël já tem pedido de patente encaminhado ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e será estendido, no ano que vem, para os Estados Unidos, Japão, Inglaterra, França, Alemanha, Suécia, Itália, Austrália e China. Depois da obtenção da patente definitiva, o novo material sintetizado será apresentado em congressos científicos. Até o momento, a única apresentação no exterior ocorreu durante workshop sobre materiais avançados, realizado em junho do ano passado, na Universidade de Münster, na Alemanha.

Agora, o desafio da equipe do IQ é aperfeiçoar ainda mais o material e encontrar parceiro comercial. Ele precisará investir na tecnologia, adaptar o vidro para ser capaz de receber e processar informações digitais e, também, dispor de um gravador capaz de escrever e apagar os dados nas três dimensões.

O volume de informações que pode ser gravada por centímetro cúbico do vidro ainda não foi estimado. Porém, a equipe do Laboratório de Materiais Fotônicos prevê que a capacidade de armazenamento seja superior à dos CDs e DVDs atuais. “O limite teórico é de 1,6 terabytes, que corresponde a 1,6 mil gigabytes de dados. Um DVD suporta 4,7 gigabytes”, explica Gaël.

Outra vantagem do vidro fotossensível é ser uma matéria-prima limpa, barata e reciclável. A variedade obtida por Gaël é mais cara que os vidros tradicionais, produzidos à base de silicato (areia). Entretanto, seu custo é inferior ao utilizado atualmente nos CDs regraváveis, produzidos com calcogenetos, elementos tóxicos e com preços mais altos de produção.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/07/2005. (PDF)