Pesquisa da USP São Carlos inova na segurança de telecomunicações

De baixo custo, tecnologia usa laser para desordenar o sinal de luz transmitido através de fibra óptica, impedindo acesso indevido aos dados dos usuários de computador

Uma tecnologia de baixo custo desenvolvida na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) abre novas possibilidades para aumentar a segurança em transmissões de telecomunicações. A descoberta integra a tese de doutorado do pesquisador Thiago Raddo, defendida em agosto de 2017 com orientação do professor Ben-Hur Viana Borges, do Departamento de Engenharia Elétrica. A abordagem inédita propõe usar raio laser funcionando sob uma força mecânica externa para desordenar o sinal de luz usado na transmissão de dados em rede de fibra óptica.

De acordo com Thiago, a técnica empregada dificulta acessos não autorizados ou indevidos, como os realizados por invasores e hackers, sem interferir na transmissão legítima do conteúdo. “Na prática, no modelo proposto, somente o destinatário consegue decodificar corretamente os dados transmitidos. O trabalho acadêmico conseguiu comprovar a eficiência do laser”, explica o pesquisador.

O projeto tem autoria dividida com os cientistas Martim Virte e Krassimir Panajotov, da Universidade Livre de Bruxelas (VUB), da Bélgica. Thiago desenvolveu um protótipo que não custou mais do que R$ 100, cujos principais componentes podem ser adquiridos em lojas online de eletrônica, destacando o fato de a replicação dessa solução ser simples. O laser usado no experimento é do tipo VCSEL, um dos mais baratos existentes no mercado atual (custa por volta de R$ 50). O resto do dinheiro foi empregado para adquirir um suporte de alumínio, composto por uma haste de metal e dois parafusos.

De acordo com Thiago, a fixação adequada dos parafusos, gera a força ideal para o laser provocar um sinal desordenado – e este dispensa qualquer tipo de realimentação. Já a fibra óptica é uma espécie de filamento de vidro ou plástico extrudido da espessura de um fio de cabelo, muito empregada no interior de cabos para transmitir sinais de televisão, telefone, internet, rádio etc.

Repercussão

O ineditismo da tese defendida na EESC-USP, intitulada Redes de acesso de próxima geração: sistemas OCDMA flexíveis e fontes VCSEL caóticas de baixo custo para comunicações seguras foi citada em livro editado em 2017 na Bélgica. A solução desenvolvida gerou também artigo científico a respeito na Scientific Reports, revista acadêmica pertencente ao grupo Nature (ver Serviço).

Segundo Thiago, os próximos passos do trabalho serão desenvolver uma aplicação mais robusta, capaz de gerar um sinal desordenado por meio de uma força externa já integrada ao laser. “A proposta é aprimorar ainda mais o protótipo e talvez, projetar uma viabilidade comercial para a solução desenvolvida, tendo empresas de telecomunicações de grande porte como público-alvo”, destaca.

De acordo com o relatório Norton Cyber Security Insights, de 2016, o Brasil é o quarto país do mundo com mais crimes de informática relatados. Nesse levantamento, há registros de que, em 2016, cerca de 42 milhões de brasileiros foram afetados, com prejuízos da ordem de R$ 32 bilhões.

O ataque mais comum é conhecido como ransomware. Trata-se de uma espécie de sequestro dos dados de um computador. Nessa modalidade de delito, o hacker invade a máquina, captura arquivos e bloqueia seu acesso, exigindo dinheiro para a liberação. “Nesse sentido, a simplicidade do sistema proposto abre caminho para diversas aplicações destinadas à segurança de sistemas de comunicações”, conclui Thiago.

Serviço

EESC-USP
Tese original
Artigo publicado na revista Scientific Reports
E-mail thimervcselchaos@gmail.com

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 15/02/2018. (PDF)

Financiamento da Fapesp dobra capacidade de startup

Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) concede até R$ 1,2 milhão para empresa sediada no Estado; recurso deve ser utilizado no desenvolvimento de produto, processo industrial ou serviço

Criado em 1997, o Pipe-Fapesp financia, a fundo perdido, negócios novos ou já estabelecidos com até 250 empregados dos 645 municípios paulistas. Esse programa estadual de estímulo à tecnologia e inovação realiza quatro chamadas anuais – e já apoiou cerca de 1,3 mil projetos concluídos. Atualmente, há 240 financiados em andamento.

O engenheiro elétrico doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da BrPhotonics, Júlio César de Oliveira, submeteu projeto ao Pipe-Fapesp na primeira chamada do programa de 2015.

O pedido de financiamento de R$ 1 milhão para a empresa especializada em desenvolver dispositivos usados em redes de fibras ópticas em todo o mundo foi aprovado e, hoje, com o recurso, a empresa consegue desenvolver dois tipos de laser simultaneamente, em vez de apenas um.

“O Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) nos possibilita realizar pesquisas na vanguarda da tecnologia e, assim, concorrer com empresas estrangeiras”, conta o dirigente da startup com sede em Campinas.

Inovação

O professor Lúcio Angnes, docente da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do Pipe-Fapesp, explica que a empresa solicitante não precisa apresentar contrapartida no pedido. Segundo ele, esse tipo de financiamento tem apelo social, visa ao surgimento de novas tecnologias e à geração de emprego e renda no País.

O principal pré-requisito é o solicitante desenvolver algum produto, serviço ou processo industrial com base em tecnologia e inovação em qualquer área do conhecimento. Além da viabilidade, o projeto deve ter potencial de retorno comercial e fortalecer a cultura de inovação permanente. Todo o conjunto de regras, prazos e cronogramas do Pipe-Fapesp fica disponível para consulta no site do programa (ver serviço).

Etapas

O Pipe-Fapesp pode financiar uma ou duas das fases de um projeto, sem exceder o teto de R$ 1,2 milhão, com a pesquisa aplicada obrigatória devendo ser realizada diretamente nas instalações da empresa. Na primeira fase, é exigido estudo de viabilidade e o valor solicitado pode chegar a R$ 200 mil, para ser usado em até 9 meses.

Na fase 2, o limite é R$ 1 milhão, sendo exigido plano de negócio, com o período de execução se estendendo para 24 meses. Nessa etapa do auxílio, o proponente pode pleitear diretamente a segunda fase, justificando o motivo da dispensa do período inicial. A submissão do projeto da BrPhotonics foi feita com base nessa regra.

Oliveira tinha experiência prévia em inscrever projetos para submissão em órgãos de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério das Comunicações. Dessa forma, não precisou da consultoria científica e mercadológica prestada pela coordenação do Pipe quando um projeto não é aprovado. “Esse auxílio indica ao empreendedor quais pontos deve aprimorar em seu negócio”, observa o professor.

Destinação

O dinheiro do Pipe-Fapesp pode ser utilizado na compra de materiais permanentes, como equipamentos para pesquisa e itens de consumo (insumos e reagentes). As regras preveem concessão de bolsas de pesquisa para os participantes e a contratação de serviços de terceiros – consultoria, testes, desenvolvimento de temas paralelos ao projeto, entre outros.

O programa atende também negócio em fase de formalização. No entanto, exige vínculo formal de um cientista empregado na empresa proponente ou, ainda, algum pesquisador associado. Esse profissional não precisa ter graduação completa, mas deverá comprovar conhecimento e competência técnica sobre o tema do projeto – e precisará dedicar no mínimo 24 horas semanais ao trabalho.

Fibras ópticas

Em 2014, Oliveira fundou a BrPhotonics. Na época, a empresa associou-se à GigOptix, multinacional norte-americana fornecedora de componentes semicondutores de alta velocidade para fibras ópticas. Na sequência, empregou Luís Carvalho, outro pioneiro da empresa com currículo parecido com o seu: paraibano, engenheiro elétrico formado pela Universidade Federal de Campina Grande (PB) e pós-graduado pela Unicamp. No início do ano passado, com a empresa em funcionamento, a dupla recorreu ao Pipe-Fapesp.

A oportunidade de empreender, conta Oliveira, surgiu no final de 2013, a partir da proposta de desenvolver e comercializar dispositivos fotônicos e microeletrônicos para possibilitar a transmissão de dados em alta capacidade e velocidade em fibras ópticas. Antes, ele trabalhava como pesquisador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações de Campinas (CPqD) e atuava em projetos de criação e repasse de tecnologia óptica para empresas.

Exportação

Com 19 patentes internacionais depositadas na United States Patent and Trademark Office (USPTO) e quatro nacionais, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), a BrPhotonics hoje exporta para os Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e mercado europeu. Iniciado com cinco funcionários, o negócio tem atualmente 23 colaboradores, dois deles trabalhando no escritório da empresa em Seattle, Estados Unidos.

A BrPhotonics monta moduladores de raios laser com fotônica integrada. O presidente da empresa diz que se trata de um produto tecnológico com alto valor agregado – alternativa mais barata aos transmissores ópticos de 100 gigabits, mais utilizados. “Outras vantagens são gastar menos energia e oferecer potência de transmissão superior. Em breve, pretendemos vender nossos moduladores de laser e soluções para empresas brasileiras”, conta.

Serviço

Programa Pipe Fapesp
Telefone (11) 3838-4216
CPqD
BrPhotonics

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/08/2016. (PDF)

Unesp cria película para uso em telas planas

Produzido com bactérias e óleo de mamona, biomaterial de baixo custo desenvolvido pelo Instituto de Química de Araraquara é flexível, resistente e sustentável e pode ser alternativa ao vidro

Uma pesquisa do Laboratório de Materiais Fotônicos do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp), câmpus de Araraquara, pode representar no futuro uma alternativa às atuais telas planas de vidro usadas em celulares, tablets e televisores. O biomaterial desenvolvido é uma película produzida a partir de óleo de mamona, fonte de biomassa abundante no Brasil, e da celulose proveniente de culturas da bactéria Gluconacetobacter xylinus.

Segundo o químico Hernane Barud, um dos participantes da pesquisa, a tecnologia traz diversas vantagens na comparação com o vidro, cuja origem é a sílica, composto inorgânico encontrado na areia, que impacta o meio ambiente em seus processos de produção e de descarte. Patenteada em âmbito nacional, a película criada em Araraquara é obtida por meio de um processo “verde” e sustentável – usa celulose produzida em laboratório proveniente de fontes naturais.

A nova tecnologia dispensa o corte de árvores e a necessidade de separar a celulose de outras substâncias como a lignina e a hemicelulose, impurezas que precisam ser removidas. Barud explica que o único tratamento exigido para originar uma matéria-prima flexível, resistente e parecida com um plástico é a eliminação das bactérias depois da produção da película.

Descarte correto

Uma das vantagens é o fato de a celulose se decompor na natureza em menos de um ano e ainda colaborar para a adubação do solo, ao passo que o vidro exige descarte ambiental específico e centenas de anos para se decompor.

A película também pode ser produzida por outras fontes de carbono capazes de fornecer a glicose necessária para alimentar os micro-organismos. Já foram testados com sucesso o melaço de cana e a goma de caju, dois resíduos agroindustriais baratos, abundantes e ricos em açúcares.

O pesquisador conta que o estudo começou em 2004. Na época, uma empresa nacional solicitou ao IQ-Unesp a caracterização de um biofilme produzido a partir de mantas de celulose bacteriana. O cliente, atuante na área médica e de biotecnologia, desejava produzir curativos com a espessura de um folha de papel de seda e com propriedades terapêuticas especiais.

Concluído o pedido, o passo seguinte foi produzir, no próprio Laboratório de Materiais Fotônicos, as mantas de celulose. Na visão do grupo de pesquisadores, havia outros usos para esse biomaterial, nas áreas odontológica, de preparação de biossensores e de desenvolvimento de novos curativos, entre outras possibilidades.

Transparência

Em 2009, os cientistas de Araraquara começaram a pesquisar o uso da manta como substrato flexível para displays. A qualidade do material foi considerada satisfatória; no entanto, o composto era opaco e não representava alternativa viável ao vidro.

Entre 2010 e 2015, o desafio foi tornar transparente a celulose obtida. Com isso, o IQ-Unesp passou a fazer parte da corrida tecnológica mundial em busca de telas “orgânicas” para celulares e televisores, eletroeletrônicos com vida útil cada vez menor e a preocupação com os impactos ambientais incluídos em seus processos de produção e de descarte.

Depois de vários experimentos, a solução encontrada pelos cientistas da Unesp foi usar óleo de mamona transformado em poliuretano – processo que conferiu a transparência necessária ao material para substituir o vidro.

Além de colaborador do IQ-Unesp, Barud é docente do programa de Biotecnologia do Centro Universitário de Araraquara (Uniara). Ele conta que o trabalho teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) na modalidade Auxílio à Pesquisa, no valor de R$ 45,7 mil. Atualmente, ele busca parceiros para produzir o biomaterial em escala industrial e estruturar um novo negócio.

No IQ-Unesp, a linha de estudos com a película tem a coordenação dos professores Sidney Ribeiro e Younes Messaddeq e apoio do doutorando Robson Silva e dos doutores Maurício Palmieri e Elaine Rusgus. Participam também do trabalho o cientista Wagner Polito, da Universidade de São Paulo de São Carlos e os doutores Marco Cremona e Vanessa Calil, ambos cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) do Rio de Janeiro.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 07/01/2016. (PDF)