Virada Cultural leva diversidade artística a 30 municípios do interior paulista

Organizadores calculam que 1,6 milhão de pessoas participaram dos eventos culturais que pela quarta vez chegaram ao interior

Depois da capital, foi a vez do interior, neste último fim de semana, ter a sua Virada Cultural. O evento promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, em sua quarta edição, atraiu público estimado de cerca de 1,6 milhão de pessoas e teve a participação de 30 municípios, incluindo a Baixada Santista.

A festa levou para os palcos dessas cidades mais de 1.070 atrações gratuitas, algumas internacionais como Manu Chao, Cat Power e Mudhoney. Entre os artistas nacionais, destaques para Lenine, Mônica Salmaso, Paralamas do Sucesso, Toquinho e Zeca Baleiro.

Em São João da Boa Vista, por exemplo, a ópera Carmen de Bizet (em versão compacta) abriu a programação oficial. Cleber Papa, diretor do espetáculo, explicou que o objetivo era iniciar o público em ópera. Apesar do formato mais enxuto, disse que se tratava de uma apresentação com artistas de qualidade. “É a primeira vez que se tem um espetáculo desse tipo na Virada. A ópera é uma conquista futura”, salientou.

Consuelo Barbosa Aliende, de 68 anos, nunca tinha assistido a uma ópera ou algo similar. “Ao vivo nunca vi. Minha avó italiana gostava muito e passou isso para a gente. A Virada está me dando essa possibilidade”, disse. A empregada doméstica Marilídia Inácio, de 50 anos, apesar de ter pisado o palco do Teatro Municipal, onde faz teatro afro, também nunca tinha visto. “A primeira oportunidade que estou tendo é essa”, garantiu. Americano de passagem pela cidade, Chris Teague viu e achou a montagem bem planejada: “Gostei”.

Várias atrações

Além da obra Carmen, a Virada levou para São João atrações musicais como os grupos Canastra, Os Opalas e Westboys, entre outros. O público teve acesso também a espetáculos teatrais (como Marias de Deus), de dança (como a performance Kamaleoas, do Núcleo Brasílica) e circo (com a dupla do Circo Delírio). Integraram ainda a programação aula aberta de teatro e feira de artes e artesanato.

As apresentações se concentraram, principalmente, no Teatro Municipal, palco externo da Estação Ferroviária e Fonteatro. Fora da área central, a Concha Acústica do bairro Jardim Nova República foi a única a receber o evento.

Em sua terceira edição na localidade, a Virada Cultural Paulista alcançou público estimado de 85 mil pessoas. A estudante Mariana Ponce, de Poços de Caldas, considerou o evento um incentivo cultural para a região inteira. A babá Rose Helena da Silva, de 36 anos, achou a iniciativa o máximo. “Aqui quase não tem nada e, quando tem, é caro. Então, se é gratuito, é muito bacana”, disse, lembrando que costuma ir algumas vezes ao teatro e raramente ao cinema.

Um dos destaques do primeiro dia, além da ópera, foi a Banda de Pífanos de Caruaru. Outro ponto alto foi o grupo Blitz que, com Evandro Mesquita à frente, apresentou sucessos como Você não Soube me Amar. A faxineira Josinete Freitas, de 46 anos, que estava na plateia, comentou que São João precisava de uma iniciativa como a Virada. Sugeriu apenas a realização do show num lugar mais amplo.

Paulo Henrique Andrade
Da Agência Imprensa Oficial


Evento vai à periferia

Pela primeira vez, um bairro de São João da Boa Vista foi incluído na programação. O público do Jardim Nova República e imediações pôde conferir shows musicais e apresentações circenses, de dança e teatro.

Moradora da região, a manicure Márcia Cristina Rodrigues da Silva comemorou a iniciativa porque as pessoas da localidade não dispõem de opções de lazer. Além disso, “muita gente tem vergonha de ir a um cinema, teatro no centro, porque acha que esses lugares são para os ricos”.

Nem por isso a dona de casa Crislaine Gomes Félix Silva, que assistia às apresentações no bairro, deixou de fazer sua crítica: “Deveria ter mais música. Achei que está muito parado. Esse negócio de circo não vira”, comentou.


Músico atrai fãs até do Acre

A manhã do segundo dia teve, por exemplo, performances circenses e a Orquestra Brasileira de Música Jamaicana na Fonteatro. Luís Antônio Carneiro de Carvalho e a esposa compareceram ao primeiro espetáculo, por causa do filho mais velho, que adora circo. As atenções do dia se dividiram, porém, entre os shows de Yann Tiersen e Elba Ramalho.

O músico e compositor arrastou uma legião de fãs de outros Estados, como Vanderlei Cidral Júnior, do Acre. A funcionária pública Clarinda Doria Roqueto, de São João da Boa Vista, decidiu-se pelo show por conhecer as trilhas sonoras dos filmes Adeus, Lênin! e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, compostas pelo músico francês.

O show de Elba, como o da Blitz, atraiu grande público. “Não imaginava que fosse tão bom”, comentou a estudante Márcia Massoni, de 24 anos. Para a cantora paraibana a iniciativa é interessante “porque mobiliza a cidade e incentiva a cultura”.

Para o torneiro mecânico Marcilio Tadeu Martins, de 54 anos, eventos como a Virada são positivos porque atraem um público com menor poder aquisitivo.


Araraquara atraiu 86 mil pessoas aos espetáculos

Araraquara foi uma das 30 sedes da quarta Virada Cultural Paulista 2010. E registrou público da ordem de 86 mil espectadores, de acordo com estimativa da Secretaria da Cultura.

A maratona de 24 horas de atrações, realizada nos dias 23 e 24, ofereceu mais de 70 opções nas áreas de música, teatro, circo, cinema, capoeira, artes plásticas, artes visuais, dança e folclore.

Quem abriu a festa foi a Cia. Contemporânea de Dança, com o espetáculo Baseado em Fatos Reais, no Teatro Municipal, às 18 horas do sábado. O encerramento e ápice da festa foi com o show do cantor franco-espanhol Mano Chao, no domingo, com público de 13 mil espectadores na Praça Pedro de Toledo, no centro da cidade, palco dos principais shows musicais.

Revelações da MPB

Os araraquarenses e visitantes curtiram nomes consagrados da MPB, como o cantor pernambucano Lenine. E também revelações como a poetisa e compositora paraibana Socorro Lira e o grupo Seu Chico, cujo repertório é baseado em versões cover de canções de Chico Buarque.

Os apreciadores da música clássica se deliciaram com os acordes do Coro da Osesp na Igreja Santa Cruz. Na Casa da Cultura, o público pôde conferir trabalhos de mais de 100 artistas de diversos Estados brasileiros na exposição VIII Território das Artes.

Barbatuques

No Teatro Municipal, a apresentação mais concorrida foi a dos Barbatuques. Em poucos minutos, os 460 ingressos já estavam na mãos dos felizardos que chegaram com mais de duas horas de antecedência. Quem entrou, não se arrependeu. Foram quase duas horas de ritmos e melodias a partir de sons feitos com o corpo humano.

O repertório incluiu palmas, estalos, assobios e sapateados. No final foram aplaudidos de pé e, na hora do bis, grande parte da plateia foi convidada a participar de uma performance com os artistas. O tema foi um batuque para conscientizar o público da importância da coleta seletiva e da reciclagem de materiais.

Lendas amazônicas

A Biblioteca Mário de Andrade recebeu diversas atrações para as crianças. O principal destaque para o público infantil foram os contadores de estórias da Cia. do Mapinguary, que encantam os pequeninos com lendas amazônicas e contos do folclores nacional.

O público do Teatro Wallace Leal pôde aprender na prática como são feitas muitas mágicas executadas por ilusionistas no picadeiro circense. Quem revelou estes segredos foi o Grupo Oculto do Aparente.

O palco do Sesc abrigou performistas de diversos estilos de danças urbanas, ao som de DJs nas picapes, com apresentações do Chemical Funk, Nossa Crew e Discípulos do Ritmo.


Festa no interior

As cidades que receberam eventos da Virada Cultural Paulista: Araçatuba, Araraquara, Assis, Bauru, Caraguatatuba, Franca, Indaiatuba, Jundiaí, Marília, Mogi das Cruzes, Mogi Guaçu, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santa Bárbara D’Oeste, São Bernardo do Campo, São Carlos, São João da Boa Vista, São José do Rio Preto, São José dos Campos, Sorocaba e a Região Metropolitana da Baixada Santista, Santos, Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande e São Vicente.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 25/05/2010. (PDF)

Brasil ganha rede nacional de institutos de ciência e tecnologia de ponta

A nova rede vai reunir as universidades estaduais paulistas, centros de pesquisa, instituições nacionais e internacionais, em busca de conhecimento e aprimoramento tecnológico

Com o objetivo de produzir conhecimento e inovação em áreas estratégicas, o Brasil dá os primeiros passos na formação de institutos nacionais de ciência e tecnologia. A nova rede congrega as universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e de outros Estados, instituições federais, agências de fomento e centros de pesquisa de todo o Brasil.

Essas redes vão contribuir para a formação de profissionais qualificados para atuar no meio acadêmico e no mercado. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), está investindo R$ 600 milhões no projeto.

A iniciativa substitui os antigos institutos do milênio e até agora foram criadas 112 novas unidades no País: 37 no Estado de São Paulo. Áreas estratégicas para o território nacional, como informática, comunicação, saúde, biotecnologia, meteorologia, nanotecnologia, petróleo, gás, biocombustível, espacial, nuclear, biodiversidade, recursos naturais e desenvolvimento social e agropecuário são o foco imediato da iniciativa.

Nos institutos paulistas, a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) financiou metade do investimento e é parceira do CNPq na rede nacional, que reúne docentes da USP, Unesp e Unicamp. A USP foi o centro acadêmico que mais recebeu institutos até agora. No total são 17, quatro deles instalados no campus de São Carlos.

Grupos internacionais

Um dos destaques é o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia na área de Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC). Sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos, o grupo de pesquisa foi idealizado em novembro de 2008 e reúne desde sua fundação, no mês de março, cem cientistas de universidades estaduais como USP, Unesp, PUC-RS e Maringá- PR e federais (do Amazonas, de Goiás e de São Carlos).

A coordenação dos trabalhos do INCT-SEC é do professor José Carlos Maldonado, vice-diretor do ICMC. Recém-criado, já tem parcerias firmadas com a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e acordos de cooperação científica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Até 2011, o instituto receberá R$ 4,5 milhões. Os primeiros resultados do trabalho do INCT-SEC estão previstos para o final de 2010. A proposta principal é aprofundar estudos nos chamados sistemas embarcados críticos no Brasil, firmar parcerias com grupos internacionais e dar continuidade a pesquisas em andamento no ICMC, como as experiências com veículos autônomos (aéreos e terrestres).

A primeira atividade do INCT-SEC foi um workshop realizado em abril, em São Carlos. O grupo de pesquisa está instalado nas dependências do ICMC, mas em 2012 mudará para a sede definitiva, a ser construída no Parque Ecotecnológico de São Carlos.

Cooperação alemã

O professor Dieter Rombach, diretor da área de tecnologia da informação do Instituto Fraunhofer (Alemanha), visitou São Carlos na primeira quinzena de março. Na oportunidade, conheceu as pesquisas do ICMC com sistemas embarcados críticos em veículos autônomos e anunciou, para breve, parceria com o INCT-SEC.

“Em Salvador (BA), o governo estadual aportou recursos para criar um Centro Fraunhofer na Universidade Federal da Bahia (UFBA)”, informa o professor José Carlos Maldonado. “E há forte possibilidade de se instalar uma unidade também em São Carlos”, completou o docente do ICMC, que é também presidente da Sociedade Brasileira de Computação.

O Instituto Fraunhofer foi criado em 1949. Voltado à inovação, aproxima a universidade da indústria e procura transformar o conhecimento produzido no meio acadêmico em novos serviços e produtos. A meta é conferir impacto social ao investimento feito em ciência e gerar renda e empregos para a sociedade.

No modelo de parceria proposto, o grupo europeu aporta o mesmo valor que o governo e as empresas locais nos projetos de pesquisa. Cada posto montado fora da matriz alemã tem prazo de três anos para atingir as metas. Após esse período, se a iniciativa for bem-sucedida será finalmente constituída a filial do Fraunhofer e termina o aporte estrangeiro de dinheiro na unidade, que passa a operar com recursos próprios.

No momento, o INCT-SEC procura parceiros para financiar o escritório do Fraunhofer em São Carlos. A verba a ser investida poderá vir de agências de fomento, empresas e governos municipal, estadual ou federal. “A expectativa é repetir no Brasil a experiência norte-americana: uma rede de Centros Fraunhofer bem-sucedida”, destaca o professor.

Inteligência artificial

A proposta principal dos sistemas críticos embarcados é comandar veículos (avião, carro, submarino, satélite e balão) e dispositivos eletroeletrônicos embarcados, como telefone celular, videogame, equipamentos médicos e de monitoramento remoto. Podem inclusive integrar eletrodomésticos e componentes de alta tecnologia.

Os sistemas críticos embarcados são soluções completas de informática. Incluem o projeto e o design dos componentes de hardware (placas, circuitos, dispositivos autônomos) e o desenvolvimento dos softwares (programas de computador) próprios. São capazes de tomar decisões e executar tarefas a partir de conceitos de inteligência artificial.

Os testes com os sistemas são feitos com protótipos (modelo construído em escala menor para reduzir custos e riscos). Os dois mais avançados do INCT-SEC surgiram de pesquisas do ICMC: um veículo aéreo não tripulado (Vant), projeto cuja tecnologia foi repassada à indústria e transformado em aplicação comercial e um veículo terrestre autônomo, ainda em fase de desenvolvimento.

O estudo com o Vant começou em 1999, por iniciativa do professor Onofre Trindade Junior. O avião integrou o antigo Projeto Arara (Aeronaves de Reconhecimento Assistidas por Rádio e Autônomas), parceria da USP com a Embrapa finalizada em 2005.

Ajuda do céu

Hoje, o avião tem patentes depositadas e é comercializado. Funciona sem piloto e tripulação e se orienta por satélite (GPS). Tem custo de R$ 90 mil, fotografa e filma áreas rurais em tempo real e oferece imagens em alta resolução. Voa de modo autônomo a partir de rotas predefinidas e também pode ser controlado como aeromodelo (via rádio).

O Vant é movido a gasolina de aviação convencional e pode voar até duas horas sem reabastecer. No modo autônomo é possível programar altitude, percurso e área a ser sobrevoada e fotografada.

Caso o avião atravesse uma zona de turbulência e se desvie da rota original prevista, o sistema embarcado que comanda a aeronave se orienta pelo GPS e corrige automaticamente a trajetória. É o mesmo princípio usado por mísseis teleguiados para atingir alvos intercontinentais. No voo com rota programada, o avião é calibrado para desempenhar tarefas específicas, como, por exemplo, sobrevoar e mapear plantações.

Suas imagens possibilitam ao produtor identificar quaisquer objetos entre a aeronave e o solo. E, ainda, verificar a presença de pragas, espécies invasoras, e se alguma planta cresce abaixo do padrão esperado.

A informação vinda dos céus auxilia o produtor a traçar diagnóstico preciso de seus campos e permite economizar recursos com fertilizantes e defensivos. O avião já foi usado com sucesso em lavouras de milho e soja e pode ser adaptado para atuar com outras culturas e diferentes missões.

Preservação ambiental

A decolagem do Vant é feita a partir de um carro em movimento. A aeronave fica posicionada numa base afixada na capota e, quando o veículo terrestre atinge a velocidade de 60 quilômetros por hora, um sensor especial no nariz do avião inicia a decolagem.

A autonomia de voo é de até três horas. Se for necessário o avião pode carregar até 12 quilos de peso e aterrissar com paraquedas no meio da plantação. Seu sistema de navegação inclui base que acompanha o voo e recebe em tempo real as imagens e demais dados transmitidos.

A tecnologia dos sistemas embarcados críticos do Vant foi patenteada e repassada para a AGX Tecnologia, empresa parceira sediada em São Carlos. De acordo com Luciano Néris, ex-estudante do ICMC e gerente de projetos da AGX, a aeronave recebeu o nome comercial de AGplane e está disponível para venda ou aluguel (interessados devem acessar o site da empresa – ver serviço).

“As possibilidades de monitoramento aéreo rural e urbano são muitas. A Marinha brasileira já o utiliza em exercícios de treinamento de tiro, mas é possível também fiscalizar e vigiar áreas de preservação ambiental, fronteiras e mapear recursos hídricos, geológicos e ecológicos”, informa Néris.

O Vant desenvolvido na USP tem custo de fabricação menor que os aviões convencionais que geram imagens aéreas. Outras vantagens: voar em baixas altitudes e em espaços reduzidos; e dispensar pista especial para pousar e decolar – o procedimento pode ser feito em qualquer estrada de terra. “E por não ser tripulado tem potencial de poupar a vida de pilotos em regiões de selva fechada e sujeitas à artilharia”, destaca.


Carro autônomo tem várias aplicações

Os professores Denis Wolf, Eduardo Simões e Fernando Osório são os responsáveis pelo protótipo dos veículos terrestres autônomos em desenvolvimento no ICMC. Elétrico e equipado com sensores capazes de identificar obstáculos e mapear todo o terreno ao redor com imagens tridimensionais, o veículo se desloca por todas as direções sem choques ou capotamentos.

A pesquisa foi iniciada no começo de 2009 e tem parceria de professores de Mecatrônica da Escola de Engenharia (EESC) da USP São Carlos e da Politécnica. O protótipo custou R$ 40 mil e os resultados obtidos ainda são preliminares, porém suficientes para atrair o interesse de uma montadora de carros instalada no Brasil.

A multinacional está firmando parceria com a USP de São Carlos, por meio da EESC, e doou um carro top de linha. O veículo será usado nas pesquisas desenvolvidas em parceria com os professores da EESC, do ICMC e demais pesquisadores do INCT-SEC.

Outras perspectivas de uso são adaptar os sistemas de controle inteligentes dos veículos terrestres para desenvolver uma cadeira de rodas inteligente à prova de quedas e de colisões e capaz de receber comandos de voz. Também se cogita utilizar essa tecnologia como robô, para orientar o trânsito de pedestres e carros em cruzamentos de ruas e avenidas.

Por fim, há a possibilidade de uso militar. A ideia é reaproveitar o sistema embarcado usado no carro para equipar um robô antiminas, capaz de transitar em campos com explosivos, detectar e desarmar armamentos. O objetivo é usá-lo em países assolados por conflitos. Em Angola, por exemplo, mesmo com a guerra civil terminada, a população ainda é ameaçada pelas minas enterradas na época da guerra.

Serviço

ICMC-USP
AGX Tecnologia

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 20/05/2009. (PDF)

Um brinde à Lei Seca: rigor na fiscalização reduz o número de mortes no trânsito

Polícia paulista estende e reforça vigilância no Estado, alheia às polêmicas e ao tempo que o tema vai permanecer na mídia

Passados 11 anos da entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a sociedade pouco tem a comemorar. O trânsito ainda é uma das principais causas de morte no País. Um levantamento feito pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) em 2007 calcula em R$ 28 bilhões os prejuízos anuais causados pelos acidentes no País.

Esse panorama começou a mudar no dia 19 de junho passado, com a promulgação da lei que baixou o limite de álcool que os motoristas podem ingerir. Até então, era permitida a ingestão de até 6 decigramas de álcool por litro de sangue, total equivalente a dois copos de cerveja. Com a nova regra, quem beber qualquer quantidade antes de dirigir fica sujeito a sanções administrativas como multa de R$ 958, apreensão do veículo, suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por um ano e prisão.

Detalhe: se for verificado no sangue do condutor quantidade igual ou maior que 6 decigramas de álcool, o motorista pode ser indiciado e virar réu em processo criminal. Em caso de detenção após o flagrante, para ser solto o acusado precisa pagar fiança estipulada pelo delegado com valores entre R$ 500 e 3 mil reais. E se for condenado, a pena varia de seis meses a três anos de cadeia.

De acordo com os laudos emitidos pelo Instituto Médico Legal (IML), órgão da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), na capital, após a entrada em vigor da Lei Seca, as mortes ligadas aos acidentes de trânsito caíram 63%. Nesta comparação foram consideradas as três semanas anteriores e posteriores à promulgação da lei.

Vigiar e punir

A Lei Seca tem na capital e nas maiores cidades paulistas uma grande aliada: a Operação Direção Segura. Instituída em abril de 2007 pelo policiamento de trânsito da Polícia Militar (PM), consiste em realizar bloqueios para apurar indícios de embriaguez nos motoristas e verificar o cumprimento das demais normas do Código Brasileiro de Trânsito.

Nas blitze, a PM confere a documentação do condutor, do veículo e o licenciamento. Em caso de suspeita, pode revistar passageiros, o interior do carro e convidar o motorista a soprar o bafômetro. Caso se recuse a fazer isso, a pessoa é encaminhada para um distrito policial. Na abordagem os policiais também verificam o estado geral de conservação do veículo e itens de segurança, como pneus, faróis, suspensão e lataria. Se o licenciamento estiver vencido, o veículo será apreendido.

Direção segura

Na capital, a Operação Direção Segura mobiliza em média 120 PMs e a fiscalização é dividida em quatro equipes. Cada uma faz quatro bloqueios em quatro pontos diferentes da cidade e por dia fiscaliza 16 locais. Nas noites de quinta-feira a domingo, das 22 às 4 horas, o trabalho é reforçado: dobra o efetivo de policiais envolvidos e de ruas e cruzamentos com blitze.

O policiamento dispõe atualmente de 51 kits de maleta com bafômetro para as operações. Até o final de agosto virão mais 400 conjuntos, comprados pela PM ao preço de R$ 7,5 mil cada. Desse total, 102 ficam na capital e os demais seguirão para o interior.

A compra dos novos kits suprirá a ausência dos equipamentos retirados do uso para manutenção, calibragem e aferição anual feita pelo Instituto de Pesos e Medidas (Ipem).

Dado inédito

O major Ricardo, comandante do 34º Batalhão e responsável pela fiscalização do trânsito na capital, conta que no início do ano passado os assassinatos dolosos (com a intenção de matar), causados por facas e armas de fogo vinham diminuindo no Estado de São Paulo.

Surgiu então um dado curioso sobre as mortes violentas em São Paulo: o total de vítimas de homicídios culposos (sem a intenção de matar) tinha igualado ao dos dolosos. E a grande maioria era proveniente de boletins de ocorrência que relatavam acidentes de trânsito envolvendo pessoas embriagadas (condutores de veículos, motociclistas e pedestres). Como resultado, a Secretaria Estadual da Segurança Pública propôs a Operação Direção Segura, para evitar esses acidentes e preservar vidas.

Com a vinda da Lei Seca, os resultados iniciais ficaram ainda mais favoráveis: de 19 a 30 de junho, 600 condutores sopraram o bafômetro nas blitze e 30 foram autuados por estarem com nível de álcool no sangue acima de 6 decigramas. Nas duas primeiras semanas de julho, 1,2 mil motoristas foram abordados e novamente 30 foram presos. É significativa a redução de casos de excesso de bebida no espaço de apenas um mês de vigilância severa.

Balanço das estradas

O efetivo da Polícia Rodoviária (PR) conta com quatro mil homens para fiscalizar os motoristas que trafegam pelos 24 mil quilômetros de estradas estaduais paulistas. O tenente Ceoloni, coordenador do trabalho no Estado, acha que a nova lei ampliou o poder da fiscalização por prever sanções efetivas para os infratores.

Verificar se os motoristas beberam é um procedimento padrão da Polícia Rodoviária, adotado em operações preventivas, como a Acorda Motorista. E entre outros objetivos, vistoria documentos e as condições físicas do condutor, especialmente de seus reflexos. Muitas vezes, oferece exames clínicos, medição de pressão arterial e café e pão com manteiga para os abordados.

De 20 de junho a 15 de julho, o total de vítimas fatais nas estradas caiu de 308 para 274, número 11,4% menor que o verificado no mesmo período do ano passado. Foram parados 108 mil motoristas e 325 foram multados por embriaguez – a maioria deles era formada por condutores de carros de passeio. Na contabilidade final, 197 assopraram o bafômetro e foram autuados em flagrante e 292 se recusaram a fazer o procedimento, tendo sido conduzidos à delegacia.

Golpe conhecido

Segundo o tenente Ceoloni, hoje o grupamento rodoviário possui 82 bafômetros, número suficiente de equipamentos, mas enfrenta dificuldades como a venda ilegal de bebida alcoólica em locais próximos das rodovias.

No território paulista vigora a lei estadual instituída em 1996, uma determinação até mais rigorosa que a federal promulgada recentemente. Em São Paulo, a tarefa de fiscalizar este tipo de comércio nas margens das estradas paulistas é incumbência do Departamento de Estradas de Rodagem (DER).

Nas estradas federais que atravessam o território paulista a competência de fiscalizar a venda ilegal é da União. Porém alguns donos de bares e restaurantes situados nas rodovias conseguem desrespeitar às duas determinações. A tática é conhecida: abrir um novo portão ou fazer uma nova saída para carros no estabelecimento, de preferência em uma rua ou estrada vicinal caracterizada como área urbana.

O último passo é alterar na prefeitura o endereço do estabelecimento, assim a missão de fiscalizar passa a ser municipal. Por questões financeiras essa mudança interessa a muitas cidades e com o crescimento urbano e a instalação de indústrias nos acessos das rodovias o problema tende a crescer.

Falhas humanas

A maioria das estradas paulistas apresenta boas condições de tráfego e de sinalização e 85% dos acidentes são causados por falhas humanas. As três maiores causas são, pela ordem: excesso de velocidade, ultrapassagem em local proibido e o uso do álcool. Porém, beber antes de dirigir aumenta a incidência das outras duas transgressões e 60% dos acidentes com vítimas fatais envolvem gente com álcool nas veias.

“A segurança do trânsito reside principalmente no respeito à legislação. Mas é impossível impedir alguém de beber antes de dirigir, uma decisão ética e de cunho individual”, analisa o tenente Ceoloni.

Na esteira da Lei Seca, o policial rodoviário propõe debater outras duas polêmicas existentes: o fato da bebida ser barata, abundante e comprada com facilidade; e a segunda, a questão da publicidade estimular as pessoas a consumirem este tipo de produto em qualquer data, horário ou ocasião.

Embora tenham diminuído, os índices de acidentes permanecem elevados. No curto prazo, o tenente Ceoloni acha que a Lei Seca tem se mostrado eficiente, mas para o futuro, sugere mais envolvimento público e conscientização da sociedade.

Para ele, um caminho desejável é estimular a sociedade a debater a questão do consumo do álcool com o governo, mídia, fabricantes de bebidas, anunciantes e donos de bares, hotéis, restaurantes. Outra ideia é aproximar os órgãos de vigilância das prefeituras e organizadores de eventos com consumo presumível de bebidas, como micaretas, raves e feiras agropecuárias, como a Festa do Peão, para tomar medidas de precaução conjuntas.

As virtudes da lei

O dia 17 de julho foi especial para o professor Arthur Guerra de Andrade, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo. Naquela quinta-feira, aniversário de sua esposa, ele a convidou para jantarem à noite em um restaurante. Precavido, o casal foi e voltou de táxi e pôde brindar com vinho a data.

Arthur vê a Lei Seca como uma resposta governamental firme ao anseio coletivo de diminuição dos acidentes de trânsito no Brasil. A medida caiu no gosto popular – estima-se em 70% a aprovação dela junto à opinião pública – e enxerga nela virtudes como ser clara, objetiva, favorável à coletividade e não restringir o direito individual de beber.

Estudioso de temas como alcoolismo e dependência química, ele confirma com casos clínicos o perigo existente na combinação entre beber e dirigir. E enfatiza que o alcoolismo e o consumo excessivo são motivo de preocupação constante para órgãos de saúde pública no mundo inteiro.

“Beber é um ato social, cultural e um grande prazer da vida. Cerca de 90% dos consumidores têm uma relação saudável com o álcool, que, se consumido com moderação, pode ser até benéfico para o organismo. É diferente do tabaco, uma droga também lícita, mas que ninguém recomenda seu uso ocasional, moderado ou social”, analisa.

Arthur criou em seu site um fórum de discussões sobre os desdobramentos da Lei Seca. Quem quiser participar precisa fazer cadastro gratuito e acessar um banco de dados com mais de 1,6 mil títulos, formado por publicações científicas, dados oficiais e um clipping de jornais e revistas.

Para a realidade brasileira, Arthur aposta no tempo e na mistura de bom senso com criatividade para que os motoristas se adaptem às novas regras. Mas alerta: a certeza de ter um esquema alternativo de transporte à disposição e dentro da lei pode favorecer a ingestão de doses maiores, em menos tempo e de uma só vez.

“Com a Lei Seca, beber em casa, ir de carona ou ainda, ter alguém para dirigir o carro pode significar o último bloqueio para quem já tinha poucos limites. Em doses pequenas, o álcool desinibe, mas em excesso pode aumentar a agressividade, abrir caminho para o uso de drogas ilícitas e favorecer a prática de sexo inseguro”, analisa.

O álcool na mídia

“Como médico, acho importante discutirmos a questão da publicidade das bebidas alcoólicas, nos mesmos moldes do que foi feito com o cigarro, outra droga lícita e muito difundida na sociedade brasileira. Hoje a propaganda tabagista foi proibida, os maços trazem imagens repulsivas com doentes com sequelas terríveis e os fabricantes foram impedidos de patrocinar shows e eventos culturais”, observa o professor.

“Na Copa de 2002, uma campanha publicitária de cerveja da época tinha um aspecto ruim. A série era estrelada por uma simpática tartaruga e adotava uma estratégia de comunicação parecida com a do cigarro Camel, que usava um camelo para atrair o interesse infantil e transformar a criança em futuro fumante.

Nos anúncios, a personagem bebia uma latinha de cerveja enquanto fazia embaixadas e firulas com uma bola. Assim a mensagem dirigida ao público adulto extrapolava seu limite e atingia telespectadores de outras idades”, pontua Arthur.


Se beber, não dirija

Quinta-feira, 23h30. O frio não diminui o entusiasmo dos frequentadores de bares famosos, como o Brahma, e de discotecas, como o Love Story, ambos localizados no centro da capital. Porém, a duas quadras dos badalados endereços, na esquina da Rua dos Timbiras com a Praça da República, a PM faz mais uma blitze da Operação Direção Segura.

À frente do grupo de 25 policiais, um policial experiente é destacado para fazer a triagem dos motoristas a serem parados. O tenente Diogo, responsável pela operação, explica que a escolha de quem vai ser parado não é aleatória, mas independe do sexo, raça ou idade do motorista ou de ocupantes do veículo.

Porém, para a felicidade geral, na noite de 17 de julho, dos 61 condutores abordados, nenhum tinha álcool no sangue. O primeiro carro fiscalizado foi o Fiesta guiado por Rafael Barbieri, de 23 anos. Na abordagem, explicou que estava voltando para casa de um happy hour no restaurante Bovino’s.

Rafael transportava seus amigos de infância, Rafael Fortunato, Fernando Roger, Luciano Santos e Mauro Gimenez. Desde a implantação da Lei Seca, o inseparável grupo de Itaquera decide no palitinho quem vai dirigir na semana seguinte. O escolhido vai com seu carro e não bebe, porém fica isento de participar do sorteio para o próximo happy hour.

“A nova lei tirou bêbados das ruas e trouxe mais segurança para todos. Agora, nossas esposas, filhos e famílias também ficam mais tranquilos até o nosso retorno”, observa Rafael.

Pouco depois, a PM pára o Peugeot 206 pilotado por Junior Mendes, líder do grupo de strip-tease Boys Company Show. Durante a abordagem, os ocupantes do veículo são revistados e Júnior conta aos policiais que ele e seus amigos do Ipiranga são “geração saúde”: praticam musculação todos os dias e não usam álcool ou drogas.

Naquela noite, o destino dos strippers não era nenhuma festa ou despedida de solteiro, mas sim a boate Love Story. Todos aprovaram a Lei Seca, medida que para eles foi um verdadeiro “breque” na violência e trouxe mais um motivo para moradores e turistas aproveitarem a “irresistível” balada paulistana.


Chicote ou diálogo?

Richard Chequini, juiz assessor da seção criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acredita que os juízes têm analisado criteriosamente cada caso e aplicado a Lei Seca com muita cautela. “O objetivo é nobre e a nova regra vem aumentando os resultados favoráveis, mas traz riscos, como jogar numa cela um cidadão de bem, que ficará reunido com criminosos de toda espécie”, observa.

Ele acha que a Lei Seca deve ser mantida, porém aprimorada, um caminho natural e necessário. “Com a boa repercussão da Lei Seca, é hora da sociedade debater a responsabilidade criminal de quem fabrica e vende bebida alcoólica, entre outras questões. Somente prender motoristas não resolve”, afirma.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 07/08/2008. (PDF)