Grupo de 40 alunos da cidade litorânea tem contato com a cultura e o lazer de moradores de pequenos municípios do interior paulista
Encanto, novidades e um complemento de conhecimentos adquiridos na sala de aula. Este foi o resultado da viagem de férias que 40 crianças da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Parque Guaraú, de Peruíbe, fizeram, este mês, ao município de Boa Esperança do Sul, região central do Estado, distante 300 quilômetros da capital.
O passeio faz parte de uma iniciativa do Programa Caravanas do Conhecimento e integra as atividades da Fundação Prefeito Faria Lima (Cepam), órgão da Secretaria Estadual de Economia e Planejamento. O programa levou 6 mil crianças da rede pública de ensino, de 9 a 11 anos, para conhecer 131 cidades do interior do Estado.
Caravanas do Conhecimento é sempre realizado nas férias escolares. A programação de julho recebe o nome Redescobrindo o Interior. Nas férias de verão, a garotada do interior visita o litoral, por isso o nome de Interior na Praia. No início do ano, 8 mil crianças de 164 municípios conheceram o mar. Muitas delas, pela primeira vez.
O Cepam fez os contatos entre as prefeituras e organizou a viagem. Providenciou exame médico e seguro de vida para cada um dos alunos. Houve treinamento para monitores e para o soldado da Polícia Militar (PM) Anderson Luís Santos Morato, que veio com as crianças, de Peruíbe, e as acompanhou durante todo o período em que estiveram fora de seu domicílio. “Elas se comportaram bem no alojamento e nos passeios. Aprenderam valores como o respeito mútuo, a boa convivência e a solidariedade”, contou o soldado Morato.
Troca de experiências
Os jovens se hospedaram na Emef Ana da Cunha Vianna, a maior escola do município, com 1,2 mil alunos matriculados. Três salas de aulas foram adaptadas e receberam colchonetes para abrigar o grupo de 20 meninas, 20 meninos e três monitores. Durante os passeios, foram servidas cinco refeições diárias, com cardápio elaborado por nutricionistas.
A professora da quarta série do ensino fundamental, Rosana de Freitas Tabata, uma das quatro monitoras do grupo, conduziu os estudantes. Diz que o Programa Caravanas do Conhecimento contemplou jovens da capital, região metropolitana e litoral. “A maioria é de famílias carentes, e esta foi a primeira viagem que fizeram na vida. Para eles, foi um grande desafio passar quatro noites longe dos pais e manter os alojamentos arrumados”, observa Rosana.
As instalações eram confortáveis e espaçosas. Os anfitriões ofereceram jogos de dama, xadrez, dominó, pingue-pongue em mesa oficial e filmes em DVD, em tevês de 29 polegadas instaladas em todos os alojamentos.
Berenice Terezinha Mastri, do Cepam e responsável local, ficou incumbida de verificar as condições das acomodações, a qualidade da comida, da distribuição de camisetas aos monitores e de apoiar as iniciativas. “As atividades oferecidas foram interessantes, permitiram aos jovens conhecer mais sobre a vida no interior e trocar experiências com pessoas de outras regiões do Estado”, afirma.
Conhecendo o primeiro seringal do Estado
No dia seguinte à chegada, o primeiro destino dos estudantes foi visitar a praça da capela municipal de Boa Esperança do Sul, no centro da cidade. Conheceram e tentaram abraçar, sem sucesso, a copa de um timburi (árvore da família das leguminosas, cujo fruto pode ser utilizado como sabão). Foi plantada há 60 anos e virou símbolo da cidade, com mais de dez metros de altura. Depois, a viagem prosseguiu por mais 20 quilômetros. O motorista cruzou canaviais até a entrada da Fazenda Seringal Paulista, localizada na divisa da área rural de Boa Esperança do Sul com Gavião Peixoto.
Ao chegar, foram recepcionados pelo proprietário da fazenda, Carlos Procópio de Araújo Ferraz. O anfitrião contou a história de seu avô, cujas reminiscências misturam-se à história da exploração da borracha no Estado. Em 1917, o marechal Rondon enviou para o avô de Ferraz 24 sementes de seringueira (Hevea brasiliensis), árvore da flora nacional originária da Amazônia, que foram plantadas na fazenda.
Metade da borracha nacional
A ideia de introduzir a heveicultura (cultura da seringueira) no Estado foi uma alternativa proposta frente à falência dos seringais da Amazônia – no início do século passado –, que foram devastados pelo fungo Microcyclus ulei, causador do mal-das-folhas-da-seringueira. Na natureza, as sementes caem das árvores, se dispersam e flutuam no leito dos rios, durante o período das cheias. Doze dias após o rebaixamento do nível das águas, elas fixam-se no solo e germinam. Deste modo, as árvores surgem sempre distantes umas das outras.
As plantações da Amazônia acabariam sofrendo a concorrência de produtores da Malásia e da Costa do Marfim, países que receberam as sementes contrabandeadas do Brasil pelos ingleses e franceses. Além da biopirataria, as grandes plantações de seringueiras apresentavam condições ideais para o fungo, que tem ciclo de reprodução rápida (dez dias) e necessitavam de 98% de umidade do ar.
Os líderes brasileiros acreditavam que a seringueira poderia ladear a produção dos cafezais paulistas, já que o clima no Estado é mais seco e impede a proliferação do micro-organismo. Atualmente, São Paulo produz 52% da borracha nacional, e o Brasil detém 1% da produção mundial da matéria-prima cada vez mais consumida pela indústria.
Recordações: semente e látex
Ferraz deu uma aula para as crianças sobre o Ciclo da Borracha e exibiu vídeo produzido na década de 50. Narrou como a matéria-prima brasileira auxiliou os países aliados a vencerem a 2ª Guerra Mundial. Mostrou, também, livros e recortes do século passado, amostras da borracha produzida do modo manual, que consistia em agrupar o látex e produzir a “péla”, bola de borracha que adquire coloração marrom depois de vulcanizada (queimada) para ser enviada à indústria.
As crianças da Emef Parque Guaraú ficaram encantadas. Alan Almeida Mendes, 11 anos, quinta série, foi o primeiro a segurar a péla. Depois repassou para seus colegas. Espantado com o peso, imaginou como os índios se divertiam com um brinquedo tão pesado. Seu colega Higor Cavalheiro Gonzáles, também da quinta série, ouviu que havia muitas sementes de seringueira na fazenda. E não sossegou enquanto não encontrou uma na mata para levar de recordação.
Jéssica Mascarello, 11 anos, preferiu outro tipo de lembrança: uma bolinha de látex, feita com a mão, logo depois que Ferraz fez uma incisão no tronco de uma seringueira. “É um brinquedo legal, embora o cheiro não seja bom. Só fiquei com dó das árvores, que são cortadas durantes oito meses do ano”, afirmou. O grupo de crianças seguiu à risca o conselho dos monitores antes de passear na mata: ficou alerta sobre o perigo de cobras e insetos.
O garoto Lucas Ramalho, 10 anos, espantou-se ao saber que a seringueira cresce 2 metros a cada 2 anos. Seu xará, Lucas Florido, também de 10 anos, decidiu que pedirá autorização à diretora para plantar uma seringueira na escola: “A viagem foi inesquecível e, logo, a sombra da árvore nos fará lembrar destes momentos”.
A Fazenda Seringal Paulista, certificada como estação experimental pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), é uma das principais produtoras de sementes naturais de seringueiras do País.
Ferraz explica que a heveicultura é uma opção rentável para o agricultor e tem a vantagem de retirar da atmosfera gás carbônico que ajuda a reduzir os gases do efeito estufa. Segundo ele, uma boa variedade de seringueira demora, em média, cinco anos para começar a produzir. Nesse período, o produtor deve plantar outras culturas junto ao seringal, como banana e palmito.
Moradores de Boa Esperança dependem da agricultura
Boa Esperança do Sul foi fundada em 1898 e a principal fonte de renda do município de 12 mil habitantes é a agricultura, com destaques para as culturas de cana-de-açúcar e laranja. A estada da criançada foi toda acompanhada por Maria Cândida Beraldo, supervisora de ensino municipal que também atendeu às emergências e necessidades imediatas dos alunos. Os anfitriões de Boa Esperança do Sul organizaram programação especial com churrasco, visitas a fazendas, clubes, pesqueiro, apiário e shows.
As atividades culturais e de lazer permitiram às crianças conhecer um pouco da identidade cultural do interior e o modo de vida das pessoas que vivem nos pequenos municípios paulistas. Os passeios noturnos também foram animados. A garotada assistiu a apresentações de grupos de dança (country e hip-hop) e demonstrações de artes marciais. No terceiro dia, foram ao show do cantor Juliano César no estádio municipal, em celebração ao aniversário da cidade. Na véspera do retorno para Peruíbe, participaram de festa de despedida no Clube Municipal e assistiram ao show de DJs.
Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 28/07/2005. (PDF)