Projeto Parcelas Permanentes constrói base de dados sobre a biodiversidade

Pesquisa financiada pela Fapesp estuda as quatro principais formações florestais do Estado e aponta caminhos para a preservação ambiental

O projeto Parcelas Permanentes é um dos estudos que compõem o Biota-Fapesp, iniciativa multidisciplinar de mapeamento e identificação de toda fauna e flora paulista realizada por diversas universidades e centros de pesquisa do Estado. Iniciado em 2001, o trabalho é pioneiro no País e consiste em conhecer e estudar os mecanismos de funcionamento das quatro principais formações florestais de São Paulo e apontar as diferenças básicas existentes entre esses ecossistemas.

São eles: a Restinga, presente na Ilha do Cardoso, no município de Cananeia, no litoral sul; a Floresta de Encosta, no Parque Estadual de Carlos Botelho, no município de Sete Barras, no sul do Estado; o Cerradão, existente na Estação Ecológica de Assis, no oeste e a Floresta Estacional Semidescidual, na Estação Ecológica dos Caetetus, na cidade de Gália, localizada na região central de São Paulo, proximidades de Bauru.

O estudo relaciona os fatores abióticos (solo, luz e clima) e bióticos (fauna, flora e micro-organismos) que influenciam a manutenção dessas formações. As informações coletadas no campo se transformaram em artigos científicos publicados, livros, teses e atualmente alimentam o sistema de dados existente na internet, que informa sobre a incidência e a distribuição de espécies vegetais nas formações florestais típicas do Estado.

A coleta de dados também oferece bases científicas para futuras pesquisas e contribui para a preservação da biodiversidade nativa e de áreas de reprodução, como matas ciliares e manguezais. Além disso, o conhecimento dessas dinâmicas permite a utilização das informações em projetos de reflorestamento e de exploração sustentável.

A pesquisa científica realizada pelo Projeto Parcelas Permanentes é de caráter básico e foi dividida em duas fases. A primeira tem término previsto para fevereiro de 2006 e recebeu investimento da Fapesp de R$ 1,2 milhão. A segunda etapa, será realizada com a renovação do projeto temático e começará no ano que vem.

Trabalho de campo

Em cada uma das quatro áreas de estudo, cerca de 90 pesquisadores de diversas instituições como USP, Instituto Florestal (IF), Unesp, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Unicamp, Embrapa e Instituto Agronômico de Campinas (IAC) demarcaram uma área quadrangular, de 10,2 hectares.

Na área selecionada, cada árvore com mais de 15 centímetros de diâmetro de tronco recebeu uma plaqueta de identificação, contendo o nome e número do indivíduo, e sua posição na parcela foi georreferenciada – mapeada por satélite, para indicar para os pesquisadores a sua coordenada correta (latitude e longitude) dentro da parcela. A medida tinha por objetivo estudar a incidência e a distribuição espacial de cada uma das espécies, acompanhar o seu desenvolvimento e estudar suas relações com as outras espécies e sua interação com o conjunto do ecossistema.

A abrangência do estudo também considerou aspectos como os tipos de solo, a topografia, a variação climática durante quatro anos, a presença de luz e de lençóis freáticos e da luz, e a fauna microbiana do solo. A proposta inicial da pesquisa é comparar os dados colhidos entre os quatro ecossistemas e o passo seguinte foi cruzar as informações com estudos semelhantes.

Ilha do Cardoso

Há dois anos e meio, a bióloga Cibele de Castro faz pós-doutorado na Esalq, e atua nas Parcelas Permanentes da Ilha do Cardoso e de Assis. Ela estuda a reprodução de espécies arbóreas – sua pesquisa consistiu em descobrir a proporção de diferentes sistemas sexuais presentes nas reservas florestais.

“Estudei as flores de todas as árvores e descobri como é, nas parcelas, a distribuição das plantas pelo sexo. Analisei também a dispersão de sementes no solo e na água, a polinização feita por beija-flores e encontrei variedades vegetais que são hermafroditas (possuem os dois sexos) e têm predominância masculina – situação bastante interessante na natureza”, explica Cibele.

Miguel Cooper, professor do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da Esalq, comenta que parte dos relatórios científicos já está disponível na internet, no site do Programa Biota-Fapesp. Empresas, municípios ou órgãos públicos interessados podem utilizar os dados, basta pedir autorização. E podem utilizá-los para recuperar áreas degradadas, criar loteamentos imobiliários, construir portos, aeroportos e rodovias, ou mesmo instalar redes de água e esgoto com o mínimo de impacto ambiental.

Especialista em solos, o agrônomo Miguel explica que o monitoramento realizado nas parcelas trouxe conhecimento bastante útil para os pesquisadores, que será transformado em livro.


Extração ilegal, ameaça permanente

No texto, serão apresentadas as saídas encontradas para contornar dificuldades administrativas e específicas de campo, como a demarcação do território das parcelas, o sistema de trilhas abertas no meio das matas e uma nova disciplina que foi incluída nos currículos superiores, que orienta o pesquisador sobre a adoção de condutas conscientes nos locais de preservação.

Extração do palmito

A colocação de placas nas árvores da parcelas segue padrões internacionais de identificação. E já foi realizada na Amazônia, na Costa Rica e Panamá, em florestas tropicais e equatoriais. A equipe de pesquisadores aponta, também, que a educação ambiental dos moradores das regiões que vivem nas áreas de preservação não é o foco primordial do trabalho, porém é uma possibilidade para o futuro.

Os estudos realizados podem facilitar, no futuro, caminhos para o manejo sustentado, nas regiões próximas das parcelas, de diversas variedades de matérias-primas da floresta com apelo comercial e que poderiam ser produzidas com esta finalidade. Exemplos são o palmito-juçara, o bambu, espécies de bromélias, samambaias, orquídeas, plantas ornamentais e outras espécies nativas da Mata Atlântica.

A extração ilegal do palmito é uma das ameaças à preservação dos ecossistemas remanescentes da Mata Atlântica. Para obter um cilindro de 40 cm do alimento, situado na extremidade mais alta da árvore, é preciso sacrificar uma palmeira com oito metros de altura, em média. O prejuízo é ampliado com o sacrifício de outras árvores que são derrubadas na queda do palmiteiro.

O corte de uma palmeira impede também o desenvolvimento de outras espécies vegetais que se fixam ao longo de seu tronco, como as orquídeas. Também prejudica insetos, aves, roedores e cobras que vivem e se reproduzem dentro da mata. Uma possibilidade de preservação é a criação de fazendas exclusivas para a finalidade de cultivo do palmito e também de bromélias, que têm a capacidade de se regenerar na natureza quando seus “copos” que armazenam água são cortados e plantados em vasos.

O trabalho do biólogo Tiago Breier, aluno de doutorado da Unicamp, foi florístico. Ele fez um levantamento de todas as espécies de plantas das quatro Parcelas Permanentes que se desenvolvem sem contato com o caule no solo. Do estudo de cipós, árvores e ervas, encontrou uma nova espécie de orquídea e, em breve, dará início à sua descrição e catalogação científica.

Breier também observou o processo de polinização de diversos vegetais e as interações existentes entre insetos, particularmente moscas e plantas. “O estudo mostrou que quanto mais grosso o tronco da árvore, maior o número de espécies e vegetais que se desenvolvem aderidas a ela”, explicou.

A bióloga Daniela Sampaio, doutoranda da Unicamp, publicou um livro contendo a identificação das espécies de árvores existentes na Ilha do Cardoso, em Cananeia, uma das quatro Parcelas Permanentes. E comentou que a maioria das espécies identificadas são árvores de grande porte, em média 20 metros de altura. Muitas são bastante conhecidas da população por seus nomes populares, como o jacarandá, o palmito-juçara, a canela e a clúsia, espécie ornamental muito utilizada em projetos paisagísticos.


Nascido e criado na Ilha do Cardoso

O mateiro Roberto Barreto nasceu na divisa do Estado de São Paulo com o Paraná. Há 30 anos é funcionário do Instituto Florestal e trabalha no Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Ele ajudou a construir as cinco casas da ilha e conhece, de modo autodidata, todas as ilhas vizinhas e também todas espécies de animais e vegetais que vivem no ecossistema.

Roberto virou guia turístico e também referência para os pesquisadores, porque subia em árvores, indicava o caminho correto em todas as trilhas e ajudava na extração e coleta dos vegetais. Além disso, indicava os nomes populares das plantas, auxílio fundamental para a identificação das espécies. “Meu maior prazer ainda é poder estar presente todos os dias na Ilha do Cardoso”, afirma.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas I e IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 21/10/2005. (PDF)

Pesquisadores da Unesp de Araraquara têm novas perspectivas para Mal de Alzheimer

Extrato de árvore da Mata Atlântica fornece matéria-prima para substância com a propriedade de impedir queda na produção de acetilcolina

Um composto produzido por estudiosos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) poderá atenuar os efeitos do Mal de Alzheimer, doença que acomete 1,5 milhão de brasileiros. O estudo foi realizado pelos pesquisadores do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBe), do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, sob a coordenação da professora Vanderlan da Silva Bolzani.

A novidade é resultado do trabalho de bioprospecção, iniciado em 2001, que analisou 1,3 mil extratos (raízes, sementes, folhas, frutos) de espécies vegetais nativas da Mata Atlântica e isolou 200 substâncias ativas. Foram selecionadas 30 variedades consideradas promissoras, por conterem propriedades analgésica, anti-inflamatória, antitumoral, bactericida, antifúngica e antioxidante.

A partir de substância extraída de folhas, flores e frutos da Cássia-do-nordeste (Senna spectabilis) – árvore presente nos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul –, os especialistas descobriram um derivado da espectalina – substância que tem similaridade estrutural com a acetilcolina, neurotransmissor humano, cuja função é propagar o impulso nervoso. A acetilcolina, produzida pelo organismo, atua nos mecanismos cerebrais de memória recente e tem sua produção diminuída progressivamente entre os doentes de Alzheimer.

Registro internacional

O químico Cláudio Viegas Júnior, integrante do grupo de sete pesquisadores comprometidos com o trabalho, explica que o passo seguinte foi modificar a estrutura da espectalina em laboratório. O objetivo era potencializar as propriedades terapêuticas do extrato vegetal, abrindo novas perspectivas para o controle de doenças degenerativas da memória e do aprendizado.

Os resultados obtidos foram animadores e os derivados da espectalina mostraram ser menos tóxicos que as outras quatro substâncias existentes no mercado, todas importadas, utilizadas para combater a doença.

Assim, o processo de transformação da substância foi patenteado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em 2003. No ano passado, o registro foi estendido internacionalmente, para todos os países signatários do Patent Cooperation Treaty (PCT). Depois da descoberta, a empresa Apsen Farmacêutica tornou-se parceira da pesquisa.

“A patente foi requerida para evitar o risco da biopirataria e para assegurar a cessão de uso pela indústria farmacêutica, que não investiria recursos para fabricar uma fórmula de domínio público. Além disso, a planta e seus produtos isolados sozinhos não são ativos. O segredo, que foi protegido, é o processo de fabricação desse derivado, e a promessa é ter no mercado brasileiro e internacional, em poucos anos, um medicamento de origem nacional com grande apelo comercial”, explica Viegas.

Etapas de desenvolvimento

O estudo teve investimento de R$ 1,1 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do governo federal, e contou com o auxílio de quatro pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): Carlos Alberto Manssour Fraga e Eliézer Barreiro, do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas; e Newton Castro e Mônica Rocha, do Departamento de Farmacologia.

O médico e farmacologista Newton Castro informa que, para um novo medicamento chegar às prateleiras das farmácias, precisa antes passar por vários testes pré-clínicos. O primeiro inclui o isolamento da nova droga e testes com roedores; em seguida, com outros animais, como macaco e cachorro; depois de assegurada a eficácia e a segurança nestes exames, finalmente são realizados ensaios com seres humanos. Na fase final, são analisadas a toxicidade e o estudo de efeitos colaterais e adversos.

Também são observadas as formas mais eficazes de utilização (creme, injeção, comprimido) e considerados mecanismos para garantir que o medicamento atue no local desejado no organismo. Com relação ao derivado da espectalina, o ideal é que aja no sistema nervoso central.

Biota-Fapesp

A pesquisa com extratos vegetais é parte do Programa Biota-Fapesp, atividade de caráter interdisciplinar que congrega diversas instituições de pesquisa com o objetivo de mapear e catalogar as espécies nativas da fauna e flora dos biomas paulistas, como o cerrado e a Mata Atlântica. Para produzir a espectalina, explica Viegas, a extração não prejudica a árvore. Os oito exemplares utilizados forneceram 50 quilos da matéria-prima necessária para os ensaios, que resultaram em 250 gramas de espectalina, quantidade suficiente para a pesquisa.


Doença tem causa desconhecida

Descrita pela primeira vez em 1906 pelo médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915), a doença homônima se caracteriza pelo acúmulo de placas e fibras no tecido do cérebro. Embora não se conheça sua causa, sabe-se que a idade é um fator importante – o número de pessoas afetadas dobra a cada cinco anos depois dos 65.

Estima-se que 1,5 milhão de brasileiros sofram do mal, que ainda não tem cura, embora haja tratamento. “Com o aumento da longevidade e a diminuição da taxa de mortalidade, o Alzheimer está se tornando mais frequente, a ponto de ser considerado a doença do século 21”, diz a farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, coordenadora do estudo e professora do Instituto de Química da Unesp.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 17/09/2005. (PDF)

Vida rural de Boa Esperança do Sul encanta crianças de escola pública de Peruíbe

Grupo de 40 alunos da cidade litorânea tem contato com a cultura e o lazer de moradores de pequenos municípios do interior paulista

Encanto, novidades e um complemento de conhecimentos adquiridos na sala de aula. Este foi o resultado da viagem de férias que 40 crianças da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Parque Guaraú, de Peruíbe, fizeram, este mês, ao município de Boa Esperança do Sul, região central do Estado, distante 300 quilômetros da capital.

O passeio faz parte de uma iniciativa do Programa Caravanas do Conhecimento e integra as atividades da Fundação Prefeito Faria Lima (Cepam), órgão da Secretaria Estadual de Economia e Planejamento. O programa levou 6 mil crianças da rede pública de ensino, de 9 a 11 anos, para conhecer 131 cidades do interior do Estado.

Caravanas do Conhecimento é sempre realizado nas férias escolares. A programação de julho recebe o nome Redescobrindo o Interior. Nas férias de verão, a garotada do interior visita o litoral, por isso o nome de Interior na Praia. No início do ano, 8 mil crianças de 164 municípios conheceram o mar. Muitas delas, pela primeira vez.

O Cepam fez os contatos entre as prefeituras e organizou a viagem. Providenciou exame médico e seguro de vida para cada um dos alunos. Houve treinamento para monitores e para o soldado da Polícia Militar (PM) Anderson Luís Santos Morato, que veio com as crianças, de Peruíbe, e as acompanhou durante todo o período em que estiveram fora de seu domicílio. “Elas se comportaram bem no alojamento e nos passeios. Aprenderam valores como o respeito mútuo, a boa convivência e a solidariedade”, contou o soldado Morato.

Troca de experiências

Os jovens se hospedaram na Emef Ana da Cunha Vianna, a maior escola do município, com 1,2 mil alunos matriculados. Três salas de aulas foram adaptadas e receberam colchonetes para abrigar o grupo de 20 meninas, 20 meninos e três monitores. Durante os passeios, foram servidas cinco refeições diárias, com cardápio elaborado por nutricionistas.

A professora da quarta série do ensino fundamental, Rosana de Freitas Tabata, uma das quatro monitoras do grupo, conduziu os estudantes. Diz que o Programa Caravanas do Conhecimento contemplou jovens da capital, região metropolitana e litoral. “A maioria é de famílias carentes, e esta foi a primeira viagem que fizeram na vida. Para eles, foi um grande desafio passar quatro noites longe dos pais e manter os alojamentos arrumados”, observa Rosana.

As instalações eram confortáveis e espaçosas. Os anfitriões ofereceram jogos de dama, xadrez, dominó, pingue-pongue em mesa oficial e filmes em DVD, em tevês de 29 polegadas instaladas em todos os alojamentos.

Berenice Terezinha Mastri, do Cepam e responsável local, ficou incumbida de verificar as condições das acomodações, a qualidade da comida, da distribuição de camisetas aos monitores e de apoiar as iniciativas. “As atividades oferecidas foram interessantes, permitiram aos jovens conhecer mais sobre a vida no interior e trocar experiências com pessoas de outras regiões do Estado”, afirma.


Conhecendo o primeiro seringal do Estado

No dia seguinte à chegada, o primeiro destino dos estudantes foi visitar a praça da capela municipal de Boa Esperança do Sul, no centro da cidade. Conheceram e tentaram abraçar, sem sucesso, a copa de um timburi (árvore da família das leguminosas, cujo fruto pode ser utilizado como sabão). Foi plantada há 60 anos e virou símbolo da cidade, com mais de dez metros de altura. Depois, a viagem prosseguiu por mais 20 quilômetros. O motorista cruzou canaviais até a entrada da Fazenda Seringal Paulista, localizada na divisa da área rural de Boa Esperança do Sul com Gavião Peixoto.

Ao chegar, foram recepcionados pelo proprietário da fazenda, Carlos Procópio de Araújo Ferraz. O anfitrião contou a história de seu avô, cujas reminiscências misturam-se à história da exploração da borracha no Estado. Em 1917, o marechal Rondon enviou para o avô de Ferraz 24 sementes de seringueira (Hevea brasiliensis), árvore da flora nacional originária da Amazônia, que foram plantadas na fazenda.

Metade da borracha nacional

A ideia de introduzir a heveicultura (cultura da seringueira) no Estado foi uma alternativa proposta frente à falência dos seringais da Amazônia – no início do século passado –, que foram devastados pelo fungo Microcyclus ulei, causador do mal-das-folhas-da-seringueira. Na natureza, as sementes caem das árvores, se dispersam e flutuam no leito dos rios, durante o período das cheias. Doze dias após o rebaixamento do nível das águas, elas fixam-se no solo e germinam. Deste modo, as árvores surgem sempre distantes umas das outras.

As plantações da Amazônia acabariam sofrendo a concorrência de produtores da Malásia e da Costa do Marfim, países que receberam as sementes contrabandeadas do Brasil pelos ingleses e franceses. Além da biopirataria, as grandes plantações de seringueiras apresentavam condições ideais para o fungo, que tem ciclo de reprodução rápida (dez dias) e necessitavam de 98% de umidade do ar.

Os líderes brasileiros acreditavam que a seringueira poderia ladear a produção dos cafezais paulistas, já que o clima no Estado é mais seco e impede a proliferação do micro-organismo. Atualmente, São Paulo produz 52% da borracha nacional, e o Brasil detém 1% da produção mundial da matéria-prima cada vez mais consumida pela indústria.

Recordações: semente e látex

Ferraz deu uma aula para as crianças sobre o Ciclo da Borracha e exibiu vídeo produzido na década de 50. Narrou como a matéria-prima brasileira auxiliou os países aliados a vencerem a 2ª Guerra Mundial. Mostrou, também, livros e recortes do século passado, amostras da borracha produzida do modo manual, que consistia em agrupar o látex e produzir a “péla”, bola de borracha que adquire coloração marrom depois de vulcanizada (queimada) para ser enviada à indústria.

As crianças da Emef Parque Guaraú ficaram encantadas. Alan Almeida Mendes, 11 anos, quinta série, foi o primeiro a segurar a péla. Depois repassou para seus colegas. Espantado com o peso, imaginou como os índios se divertiam com um brinquedo tão pesado. Seu colega Higor Cavalheiro Gonzáles, também da quinta série, ouviu que havia muitas sementes de seringueira na fazenda. E não sossegou enquanto não encontrou uma na mata para levar de recordação.

Jéssica Mascarello, 11 anos, preferiu outro tipo de lembrança: uma bolinha de látex, feita com a mão, logo depois que Ferraz fez uma incisão no tronco de uma seringueira. “É um brinquedo legal, embora o cheiro não seja bom. Só fiquei com dó das árvores, que são cortadas durantes oito meses do ano”, afirmou. O grupo de crianças seguiu à risca o conselho dos monitores antes de passear na mata: ficou alerta sobre o perigo de cobras e insetos.

O garoto Lucas Ramalho, 10 anos, espantou-se ao saber que a seringueira cresce 2 metros a cada 2 anos. Seu xará, Lucas Florido, também de 10 anos, decidiu que pedirá autorização à diretora para plantar uma seringueira na escola: “A viagem foi inesquecível e, logo, a sombra da árvore nos fará lembrar destes momentos”.

A Fazenda Seringal Paulista, certificada como estação experimental pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), é uma das principais produtoras de sementes naturais de seringueiras do País.

Ferraz explica que a heveicultura é uma opção rentável para o agricultor e tem a vantagem de retirar da atmosfera gás carbônico que ajuda a reduzir os gases do efeito estufa. Segundo ele, uma boa variedade de seringueira demora, em média, cinco anos para começar a produzir. Nesse período, o produtor deve plantar outras culturas junto ao seringal, como banana e palmito.


Moradores de Boa Esperança dependem da agricultura

Boa Esperança do Sul foi fundada em 1898 e a principal fonte de renda do município de 12 mil habitantes é a agricultura, com destaques para as culturas de cana-de-açúcar e laranja. A estada da criançada foi toda acompanhada por Maria Cândida Beraldo, supervisora de ensino municipal que também atendeu às emergências e necessidades imediatas dos alunos. Os anfitriões de Boa Esperança do Sul organizaram programação especial com churrasco, visitas a fazendas, clubes, pesqueiro, apiário e shows.

As atividades culturais e de lazer permitiram às crianças conhecer um pouco da identidade cultural do interior e o modo de vida das pessoas que vivem nos pequenos municípios paulistas. Os passeios noturnos também foram animados. A garotada assistiu a apresentações de grupos de dança (country e hip-hop) e demonstrações de artes marciais. No terceiro dia, foram ao show do cantor Juliano César no estádio municipal, em celebração ao aniversário da cidade. Na véspera do retorno para Peruíbe, participaram de festa de despedida no Clube Municipal e assistiram ao show de DJs.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 28/07/2005. (PDF)