Processo da FMVZ-USP acelera melhoramento genético de bois e búfalos

O nascimento de duas bezerras de búfalo, no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), em Pirassununga, permitiu o avanço de mais uma etapa do projeto de melhoramento genético do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ). Coordenada pelo médico veterinário e professor titular da USP, Pietro Baruselli, e realizada com a participação de seis alunos de pós-graduação, a pesquisa de manipulação de embriões e inseminação artificial prioriza duas finalidades.

A primeira busca reduzir o tempo de reprodução de bovinos e bubalinos. Em média, esse ciclo demora de três a quatro anos, sem contar a gestação, a qual dura dez meses. A vantagem é diminuir o prazo para um ano. “Diferentemente da avicultura e da suinocultura, em que o intervalo entre as gerações requer alguns meses, na bovinocultura esse período é de alguns anos”, esclarece o professor.

O outro propósito da pesquisa, de longo prazo, é identificar quais descendentes gerados nos cruzamentos têm maior potencial produtivo para a criação leiteira e de corte. “A proposta é incluir no programa de melhoramento genético somente os animais identificados como superiores, a fim de originar linhagens com produtividade maior do que a da geração anterior”, explica.

Além da Prefeitura do Câmpus USP, em Pirassununga, o projeto tem o apoio das empresas In Vitro Brasil e Embryo Sys, do produtor Carlos Viacava, e dos proprietários da Fazenda Paineiras da Ingaí, de Sarapuí, especializada em búfalos leiteiros. “Interessado em conhecer o método pode procurar as empresas parceiras da FMVZ-USP no projeto. Outra opção é recorrer a empresas especializadas na produção in vitro (em laboratório) de embriões”, informa o professor Baruselli.

Linhagens

Nascidos no mês passado, os dois filhotes de búfalo são uma continuidade do aprimoramento genético com gado bovino iniciado pela FMVZ-USP em 2012. Dois anos depois, conta o professor, começaram a nascer os primeiros bezerros. Hoje, são dez da raça nelore e um da raça holandesa – todos vivos e saudáveis. “Nenhuma das fêmeas doadoras de óvulos morreu e já emprenharam, isto é, conservaram sua capacidade reprodutiva quando atingiram dois anos de idade, quando estão aptas a conceber”, observa.

Com a tecnologia desenvolvida na FMVZ-USP, quando nasce uma bezerra uma avaliação genômica verifica se ela é geneticamente superior. Em caso afirmativo, uma laparoscopia no ovário colhe os óvulos de maior potencial para serem maturados e fertilizados em laboratório. Depois, é feita inseminação artificial com o sêmen de um macho, também de alto potencial genético. O embrião gerado será introduzido no útero de uma fêmea receptora, a chamada mãe de aluguel.

Produtividade

Com relação aos búfalos, o professor prevê obter resultados similares aos apresentados com o gado holandês e nelore. “Entretanto, o nelore ainda é o reprodutor mais eficiente, por possuir mais óvulos e descender do gado zebu, importado da Índia. Aliás, 80% do rebanho brasileiro contém sangue de zebu e de seus descendentes.”

Atualmente, uma fêmea de alto valor genético tem um filho por ano. Com a técnica de produção de embriões de animais jovens, pode-se gerar de 20 a 30 crias por ano. Do ponto de vista da produtividade, é possível aumentar em mil litros a produção de leite de cada animal por geração. O projeto da FMVZ-USP é tema de artigo publicado na revista científica internacional Domestic Animal Endocrinology.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 20/06/2017. (PDF)

A fada do dente

Pesquisa da USP amplia conhecimento sobre o autismo e auxilia teste com novas drogas

Pesquisa do Laboratório de Células-Tronco da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ/USP) abre novas luzes na compreensão dos fenômenos biológicos que envolvem o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Iniciado em 2008, o projeto A Fada do Dente coleta, estuda e armazena dentes de leite de pacientes autistas. É realizado em conjunto com a Universidade da Califórnia (UCSD), de San Diego (Estados Unidos).

O objetivo é aprofundar conhecimentos biológicos e genéticos sobre os transtornos do espectro autista reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De modo geral, a doença é caracterizada pelas dificuldades de comunicação, de interação social e de alterações comportamentais, como, por exemplo, a estereotipia (repetição de gestos e movimentos). Nos Estados Unidos, a incidência é de um caso a cada 88 nascimentos, e acomete cinco vezes mais meninos do que meninas. No Brasil, não há estatísticas oficiais, mas estima-se que os números sejam próximos dos norte-americanos.

Um dos grandes desafios do autismo é a dificuldade no diagnóstico, que é apenas clínico. Não há um marcador biológico (genético) exclusivo para a doença. Atualmente, é impossível prevenir sua incidência. Além disso, a confirmação de um caso depende de avaliação conjunta de equipe multiprofissional especializada no tratamento, incluindo fonoaudiólogo, médico, psiquiatra, neuropsicólogo, etc.

Máquina do tempo

O trabalho na FMVZ-USP é inédito no País. Abre possibilidades para testar novas drogas para combater a doença, descrita pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra Leo Kanner. Para haver avanços no tratamento e prevenção, a ciência precisa descobrir exatamente quais genes estão diretamente envolvidos com a doença – o espectro da incidência genética é muito variado – e em quais situações são ativados.

A dupla de biólogos Patrícia Beltrão Braga e Alysson Muotri partiu da similaridade entre os quadros clínicos de pacientes e lançou mão da técnica de reprogramação celular. O método consiste em extrair e analisar a polpa do dente de autistas, material orgânico que contém células-tronco. Depois, no laboratório, promover uma “volta ao passado” do tecido celular por um processo de diferenciação da célula até uma célula embrionária.

A partir daí, essas células são novamente diferenciadas e produzem células encontradas nos tecidos cerebrais, os neurônios. É nessas células que a ciência centraliza esforços para saber mais sobre o autismo.

Líder do projeto no Brasil, a pesquisadora Patrícia Beltrão Braga recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) para realizar o primeiro projeto de reprogramação celular. Nele, usou apenas dentes de crianças sem autismo para aprimorar a técnica. Pretende, agora, solicitar novo financiamento, para bancar pesquisa somente com dentes de leite de autistas.

Novas possibilidades

Não invasiva, a técnica da FMVZ-USP amplia o universo tradicional da pesquisa. Complementa, por exemplo, mutirões de coleta de sangue de pacientes e de seus pais feitos nos Estados Unidos para descobrir mais sobre a doença. Favorece também a comparação, em laboratório, de tecidos cerebrais de cadáveres com os neurônios de autistas, considerando que estes seguem vivos e têm histórico de vida conhecido. Melhoram, assim, a abordagem do trabalho.

De natureza multidisciplinar e internacional, a pesquisa teve também a colaboração do psiquiatra Marcos Mercadante, falecido em 2011. Envolve mais os biólogos Graciela Pignatari e Fabiele Russo, a farmacêutica Isabella Fernandes e também médicos psiquiatras, psicólogos, dentistas, neuropsicólogos, entre outros especialistas.

Etapa intermediária

Nas crianças, a substituição da dentição de leite para a definitiva ocorre em média entre os seis e os dez anos de idade. O projeto da USP consiste em comparar a polpa de dentes de autistas com a de não portadoras da doença. Para explicar o processo, a cientista Graciela Pignatari traça um paralelo com o desenvolvimento de uma árvore.

“Imagine a célula embrionária como se fosse uma semente. A muda seria a etapa intermediária no seu desenvolvimento, e a árvore, o organismo adulto. Assim, dentro do dente de leite do autista há células-tronco, que ainda não sofreram transformação definitiva. Por estar no meio do “caminho”, é possível estudar diversos aspectos”, explica Graciela.

Inspiração oriental

A ideia foi concebida a partir de pesquisa de 2006 do cientista Shinya Yamanaka. Ele propôs experiência semelhante com a pele humana, tecido terminalmente diferenciado, que já concluiu o último estágio da transformação. “Na USP, pegamos um atalho. Fazemos a reprogramação celular no meio do processo. E avançamos mais rápido nos resultados”, observa Patrícia.

Outra novidade: a pesquisa original exige ida do paciente ao laboratório para que seja colhida amostra de sua pele por meio de procedimento doloroso. Já na técnica da USP, a coleta é indolor, dispensa viagens e reaproveita dentes que cairão espontaneamente.

Instruções para remessa

Pais de autistas interessados em colaborar podem encaminhar o dente pelo correio, em caixa de isopor especial cedida pela USP. Pode ser de qualquer tipo: molar, canino, pré-molar, etc. O acervo atual conta com 50 amostras. O passo inicial é enviar e-mail para projetoafadadodente@yahoo.com.br. Na mensagem, precisa solicitar o kit de acondicionamento desenvolvido na USP. Receberá, então, gratuitamente, em sua residência, o material de coleta, contendo o termo de doação, o telefone de contato do pesquisador responsável e as instruções para remessa.

O envio, com o documento assinado, deve ser feito em no máximo 48 horas após a queda. A única despesa para a família do doador será pagar a postagem do Sedex no correio. O ideal é pedir o kit quando o dente começar a amolecer, para haver tempo hábil de remessa e devolução do material coletado.

Depois de receber o kit, basta colocar o frasco com o líquido rosa na geladeira e o gelo reciclável no congelador. Quando o dente cair, a recomendação é colocá-lo rapidamente no frasco, guardá-lo na geladeira e ligar para o pesquisador para orientar a coleta. Estes cuidados aumentam as chances de manter as células-tronco vivas – e permitirão, assim, a extração das mesmas no laboratório.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 15/08/2012. (PDF)

Aprovada pela USP, ração de feno é novidade para alimentar cavalos

Feno extrusado promete estar disponível em todas as épocas do ano, dispensando estocagem nos meses de pouca pastagem

Em 2010, chegará ao mercado brasileiro novo produto para alimentar equinos: o feno extrusado especial. Trata-se de uma ração desenvolvida por irmãos empresários de Nepomuceno (MG), cujo valor nutricional foi comprovado em testes realizados pela equipe do pesquisador Alexandre Gobesso, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), da USP/Pirassununga.

A ração pretende ser um alimento completo do ponto de vista nutricional para cavalos e éguas, com o mesmo custo da dieta tradicional. Promete preencher lacuna nos mercados brasileiro e internacional, a de estar disponível para o criador em todas as épocas do ano, dispensando a necessidade de estocar alimento nos meses de pouca oferta.

A expectativa é atender aos locais com grande quantidade de equinos mantidos em baias, como, por exemplo, os batalhões de cavalaria. A fórmula da ração é uma mistura de proporção variável. No entanto, contém máximo de 40% de fibra longa (capim), principal fonte de energia para o animal, com mínimo de 60% do chamado concentrado, que pode ser formado por farelo de soja, milho, óleo e minerais, por exemplo.

Técnico e científico

Para obter o registro do produto e lançá-lo no mercado, seus criadores precisavam de laudo técnico e científico atestando as propriedades nutricionais. No final de 2008, procuraram diversas universidades e nenhuma acreditou na possibilidade de produzir a ração em escala industrial. Duvidavam do valor nutricional do produto e sabiam de antemão que não existe máquina extrusora capaz de processar o feno sem entupir os dutos e danificar o equipamento.

A princípio, o pesquisador Alexandre Gobesso, do Departamento de Nutrição e Produção Animal da USP, também relutou, porém aceitou fazer a experiência, devido à insistência dos inventores. Os testes com a ração custaram R$ 20 mil, pagos pelos empresários.

A experiência, em delineamento – chamada de quadrado latino – durou 60 dias e foi realizada no campus, com quatro cavalos de criação da universidade. No teste, cada animal foi avaliado em quatro fases de 15 dias cada, sendo 13 de oferta de comida e outros dois de descanso. De modo simultâneo e intercalado em etapas diferentes, cada um recebeu um dos quatros tipos de dieta.

No primeiro tratamento, o cavalo foi alimentado com feno e ração, sem o produto a ser testado; no segundo, a dieta incorporou 33% de feno enriquecido extrusado em substituição à dieta-controle; no terceiro, 66% de feno enriquecido; e, no último, somente o produto a ser testado.

“Foram avaliadas a digestibilidade do alimento e a oferta de energia (curva glicêmica) obtida a partir dele. No final, a ração passou no teste e foi bem aceita nas quatro situações. Todos os animais ganharam peso e não tiveram alterações intestinais e clínicas”, observa Gobesso.

Segredo industrial

O projeto do equipamento para fabricar a ração de feno extrusado foi patenteado pelos irmãos inventores. Curiosamente, a pesquisa começou de modo empírico, com a análise das fezes de animais herbívoros (alimentação baseada no capim), como boi, cabra, ovelha e cavalo.

O objetivo dos criadores era descobrir o tamanho mínimo de corte da fibra vegetal para ser incluída no maquinário, sem prejudicar a função digestiva do alimento no organismo de animais. O passo final foi projetar uma máquina extrusora que não entupisse durante o processo. Seguiram o conceito de um moedor de carne manual, porém, com uma faca flexível, cuja lâmina não trincasse.

Custos

Na FMVZ, a avaliação da viabilidade econômica da ração foi feita pelo pesquisador Augusto Gameiro. Ele estimou em R$ 1 o preço por quilo da ração, valor de custo equivalente ao da dieta tradicional, porém com a vantagem de não desperdiçar o volumoso. Em média, cada cavalo precisa comer por dia 2% do seu peso em matéria seca.

A ideia dos produtores é oferecer a ração em três formulações de ingredientes e de preço. A primeira e mais cara – voltada para cavalos de competição – irá oferecer energia adicional. A segunda, de valor intermediário e mais rica em proteínas, alimentará animais jovens e reprodutores, e a última, mais barata, será para a manutenção do restante das tropas.

O próximo passo dos irmãos inventores é construir e iniciar a operação de uma fábrica em Embu, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), para produzir a ração no segundo semestre de 2010. Eles convidaram os pesquisadores da FMVZ para participar da orientação técnica no processo. O empreendimento será enviado para o programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). Para o futuro, a meta é lançar rações semelhantes para criação bovina e caprina.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 19/09/2009. (PDF)