Bagaço da cana-de-açúcar pode ser o futuro energético do País, diz estudo

Pesquisa que está sendo desenvolvida na Esalq pretende dobrar em cinco anos a produção de açúcar e álcool sem aumentar áreas de plantio

Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) avançou mais um passo na corrida pela hidrólise enzimática (ver glossário) com o bagaço de cana. Esse processo biológico é objeto de interesse de diversos centros de pesquisa no Brasil e visa a permitir nova fermentação da matéria-prima vegetal, após a moagem da cana na usina para produzir açúcar e álcool.

A pesquisa foi iniciada há três anos em Piracicaba. Consiste em introduzir fungos da classe dos basidiomicetos para fazer a hidrólise enzimática e reaproveitar a celulose contida no bagaço. Segundo a professora Sandra Cruz, coordenadora do estudo, os resultados obtidos no laboratório têm sido promissores. A experiência está em fase inicial, mas pretende dobrar a produtividade da cana sem aumentar as áreas de plantio, quando for concluída.

Abundante e barato

Da moagem de uma tonelada de cana, a usina produz, em média, 153 quilos de melaço (açúcar e etanol), 165 quilos de palha e 276 quilos de bagaço. Essa matéria-prima é abundante, de baixo custo e está disponível em grandes quantidades no País. Em comparação com outras biomassas existentes no Brasil, como a soja e o dendê, o bagaço de cana é o mais rico em celulose e essa propriedade desperta grande interesse científico e empresarial.

Desde a década de 70, as usinas brasileiras queimam o bagaço para gerar eletricidade. A energia obtida impulsiona as turbinas e o complexo industrial da propriedade. Torna, assim, a usina autossuficiente em energia na época da safra (abril a novembro), período que coincide com o de baixos níveis de água nos reservatórios das hidrelétricas.

Técnica multiúso

A pesquisadora  Sandra é química e iniciou em 2004 o estudo com os fungos. Hoje, coordena o grupo formado por dois professores do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq, uma pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP), alunos de mestrado e estagiários de iniciação científica.

A ideia surgiu de um projeto paralelo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), que tinha o objetivo de clarear, com os fungos, o melaço – matéria-prima rica em açúcar.

“A hidrólise enzimática pode ampliar o uso do bagaço sem prejudicar a geração de eletricidade”, avalia Sandra. “Essa matéria-prima é usada para produzir ração animal. No futuro, irá atender aos diversos segmentos industriais, como polímeros (plásticos especiais) e à alimentação humana”, prevê.

Sandra explica que um desdobramento do estudo será estender a técnica aplicada ao bagaço para outras biomassas. Outro efeito possível será retardar o avanço do canavial e outras culturas ligadas aos biocombustíveis sobre áreas de preservação – Pantanal, cerrado e região amazônica.


Processo de hidrólise

A pesquisadora Sandra observa que a barreira tecnológica da hidrólise já foi vencida em alguns laboratórios de empresas brasileiras e estrangeiras. A técnica emprega enzimas produzidas nos Estados Unidos e na Dinamarca, principal produtora. Todavia, o custo de importação encarece e dificulta sua disseminação no Brasil.

“Seguimos um caminho paralelo ao já obtido. Nos dois processos, o fungo sintetiza as enzimas. No entanto, em vez de usar o material importado, introduzimos no bagaço colônias inteiras dos micro-organismos, produzidos na Esalq. A partir daí, um processo biológico dos fungos degrada a lignina e libera as moléculas de glicose existentes”, explica Sandra.

“Os basidiomicetos são fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal. Para evitar que consumam todo o açúcar disponível, são mortos com elevação da temperatura (calor). Possibilita-se, então, uma nova fermentação do bagaço, que também já está esterilizado, sem riscos ambientais. Outra opção é queimá-lo novamente na caldeira para gerar eletricidade”, observa.

Parceiros

“A perspectiva é repassar às usinas, em até cinco anos, a tecnologia. O primeiro desafio é reduzir o período de 20 dias da hidrólise (contato dos fungos com o bagaço). Depois, será preciso patentear a metodologia e finalizar os testes em escala laboratorial, piloto e industrial”, explica.

“A meta agora é encontrar um parceiro privado para investir cerca de R$ 300 mil em equipamentos e bolsas de estudo para os alunos. Esse valor é baixo ante as possibilidades da descoberta. Interessados em colaborar devem procurar a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) ou a Fapesp”, anuncia.


Glossário
(Fonte: Wikipedia)

Hidrólise enzimática do bagaço – Reação microbiana que permite a liberação dos açúcares utilizados na fermentação

Biomassa – Toda matéria-prima animal ou vegetal renovável que pode ser aproveitada como matriz energética (combustível). Exemplo: cana, lenha, gordura bovina, soja, milho, mamona, dendê, girassol, canola, pinhão-manso, madeiras e resíduos orgânicos e de indústrias agrícola e alimentícia.

Lignina – Polímero tridimensional sem forma encontrado nas plantas terrestres, associado à parede celular. Sua função é conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais.

Glicose – As células usam este carboidrato como fonte de energia. É um dos principais produtos da fotossíntese.

Basidiomicetos – Fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 10/11/2007. (PDF)

EMTU inicia em dezembro teste com ônibus a álcool

O Centro de Referência em Biomassa (Cenbio) do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) lançou, na Cidade Universitária, na capital, o primeiro ônibus movido a álcool (etanol) do País. O veículo é a principal aposta do consórcio internacional Best, sigla em português do Projeto Bioetanol para o Transporte Sustentável.

O projeto investiu R$ 1,6 milhão no ônibus a etanol. A intenção é estimular o uso do álcool brasileiro, por ser menos poluente, como substituto para o diesel no transporte público urbano. No Brasil, a iniciativa é coordenada pelo Cenbio e realizada em parceria com a Empresa Metropolitana de Transporte Urbano (EMTU), Scania, Copersucar, Marcopolo, SPTrans, Baff/Sekab, União da Indústria Canavieira (Única) e Petrobras.

Tecnologia sueca

A produção do veículo demorou dois anos até o lançamento. O ônibus tem 270 cavalos de potência e é vendido pela Scania por R$ 500 mil. Tem ruído equivalente ao movido a diesel, carroçaria nacional e chassi e motor suecos. Transporta 63 passageiros (31 sentados) e dispõe de ar-condicionado e piso rebaixado para o acesso de pessoas portadoras de necessidades especiais.

No mês de dezembro, será testado no Corredor São Mateus-Jabaquara da EMTU. Estão previstas paradas em nove terminais das zonas leste e sul da região metropolitana de São Paulo. O resultado da avaliação na capital será encaminhado à União Europeia, que fará recomendações para a formulação e adoção de políticas públicas voltados ao uso do combustível renovável na frota pública.

Eficiência equivalente

O professor José Roberto Moreira, do IEE, coordena os estudos do Best no Brasil. Segundo ele, o ônibus a álcool é mais caro e gasta 20% mais combustível em comparação com o diesel. Porém, reduz em 93% a emissão de dióxido de carbono, um dos principais poluentes do ar das metrópoles.

“O motor tem eficiência equivalente à do diesel, mas reduz a emissão de partículas em 90% e a de dióxido de nitrogênio em 62%. Outra vantagem é não emitir enxofre, principal elemento químico causador da chuva ácida”, destaca.


Energia brasileira circula na Suécia há 18 anos

Novidade no País, o ônibus movido a álcool brasileiro impulsiona, desde 1989, 400 dos mil veículos da frota da capital sueca (Estocolmo). A nação escandinava possui legislação ambiental mais restritiva que a nacional em relação à emissão de poluentes. Além disso, já rodam em outras cidades daquele país mais 200 unidades baseadas na energia proveniente da cana.

A frota da região metropolitana da capital é de 15 mil ônibus. Além de São Paulo, a iniciativa do Best realiza testes em Dublin (Irlanda), La Spezia (Itália), Estocolmo (Suécia), Somerset (Reino Unido), Roterdã (Holanda), Nanyang (China), Madri e País Basco (Espanha).

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 01/11/2007. (PDF)

Poluição atmosférica e Amazônia marcam último dia da Conferência de Bioenergia

Especialista apontou opções sustentáveis para a exploração da Região Norte sem necessidade de desmatamento e queimadas

No último dia da Conferência Nacional de Bioenergia, o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Wanderley Messias da Costa, coordenou o painel Bioenergia e Meio Ambiente. O evento foi organizado pela USP e realizado no Hotel Maksoud Plaza, na capital, entre os dias 26 e 28 de setembro.

Especialista em Amazônia, Wanderley demonstrou opções sustentáveis para a exploração da Região Norte brasileira sem, contudo, promover mais desmatamento e queimadas, uma das causas do aquecimento global. “O caminho é reforçar a fiscalização para preservar áreas as intocadas e ocupar as já desmatadas e disciplinar o avanço da pecuária e da soja”, explica.

“Por fim, é preciso promover o desenvolvimento econômico da Região Norte. O Pará é o maior produtor de abacaxi do País e está se transformando em potência agrícola. É preciso atualizar as leis ambientais e apresentarmos novos planos sobre essa área do território nacional, com 20 milhões de habitantes, mas apresentada perante a mídia como intocada e indefesa”, analisou.

Verdades inconvenientes

Na sequência, o professor Paulo Saldiva, coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, observou o fato de o Hotel Maksoud Plaza, sede do evento, não possuir estacionamento para bicicletas. Foi a deixa para o comentário seguinte, ou seja, o lamento pela precariedade do transporte coletivo nas grandes cidades, a falta de ciclovias e a escolha preferencial do carro para locomoção.

Segundo Saldiva, a piora na qualidade de vida dos moradores das cidades é resultado previsível da decisão de se buscar o desenvolvimento econômico a qualquer preço. “No momento, o maior desafio é reduzir a concentração de emissões na atmosfera, uma das causas do efeito estufa. Essa é uma dificuldade que se avoluma com a expansão das frotas a diesel, automotiva e, em especial, das motos, grandes poluidoras”, constata.

Como contraponto, destacou avanços recentes: aumento do uso de combustíveis renováveis no País e a instituição, em 1997, do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). “Esta medida conseguiu evitar seis mil mortes na região metropolitana da capital. Embora nestes dez anos a população tenha crescido 12% e a frota de carros 70%”, comparou.

Problemas e soluções

Sobre o álcool, Saldiva afirmou ser uma alternativa, embora traga novos impactos. “Sua combustão também lança metais pesados na atmosfera e falta regulamentação específica. Porém, o principal problema são as queimadas, que contribuem para a deterioração da qualidade de vida nas cidades paulistas de Araraquara, Ribeirão Preto e Piracicaba, grandes pólos canavieiros”, afirmou.

Ao término da exposição, comentou o fato de os moradores das periferias estarem mais expostos à poluição. “No município de São Paulo circulam 8,5 mil ônibus, e os veículos mais antigos poluem mais. Quando um deles com mais de dez anos de uso deixa de rodar em uma área nobre – como o corredor da Avenida 9 de Julho – seu destino é a periferia. Assim, as emissões estão concentradas nos bairros distantes do centro, conforme indicam dados colhidos nas estações de medição da qualidade do ar da Cetesb”, explica.


Biodiesel na Amazônia

O professor Ademar Romeiro, do Instituto de Economia da Unicamp, vê no biodiesel uma alternativa para o Brasil reduzir a pressão sobre a floresta amazônica. Na sua análise, as opções incluem o cultivo em larga escala da palma (dendê), cultura perene e compatível com outras variedades, que exige preservação mínima de floresta nativa.

“A solução é o País adotar política capaz de estabelecer equilíbrio entre a agroenergia e a floresta, um caminho possível para a preservação da biodiversidade. Embora exija muitos recursos hídricos, a cana também tem potencial de cultivo compatível na região. Deve-se, contudo, evitar a monocultura e fazer o plantio em sistema de rodízio quinquenal”, indica.

“Em comparação com a última década, temos aperfeiçoado os sistemas de cultivo (plantio direto) e a seleção de variedades de cana. A progressiva mecanização da lavoura vem eliminando as queimadas. Nas usinas, há inovações que diminuem a captação e o consumo da água e aumentam a reciclagem e o reúso nas operações industriais”, informa.

“A mais antiga cultura do País, desde 1530, tem potencial para ser sustentável, inclusive no Estado de São Paulo. A meta a ser alcançada é uma certificação ambiental, um selo de qualidade capaz de abrir novos mercados para o etanol e resolver os problemas ambientais que se apresentam. Exemplo a ser considerado é o da Usina São Francisco, em Sertãozinho, baseada na agricultura orgânica”, explica.


Oportunidades para o Brasil

Finalizando o painel da tarde, Bioenergia e Indústria Automobilística no Brasil e no Mundo, o secretário-adjunto do Desenvolvimento no Estado, Carlos Pacheco, apresentou projeção indicando que em 2013 o Brasil irá produzir 4,5% do volume mundial de veículos. “Somos o oitavo produtor mundial. A tendência é subirmos dois postos”, espera.

“São Paulo é o maior mercado automotivo brasileiro e concentra a maior parte da indústria automobilística nacional. Tem a mão-de-obra mais qualificada e universidades líderes em pesquisas na área, como a Politécnica da USP, a Unicamp, a Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e a Escola de Engenharia Mauá”, observou.

Pacheco é engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Afirmou que a bioenergia é fundamental para São Paulo. “Porém, a meta é sermos um Estado cujas soluções energéticas sejam sustentáveis, capazes de oferecer soluções globais para o mundo. E não exportar somente álcool, mas máquinas, serviços, royalties e tecnologia”, finalizou.


2006 – Os dez maiores produtores de óleos vegetais para biodiesel
1 Malásia 14,5
2 Indonésia 7,6
3 Argentina 5,3
4 USA 3,2
5 Brasil 2,5
6 Holanda 2,5
7 Alemanha 2
8 Filipinas 1,3
9 Bélgica 1,2
10 Espanha 1

Fonte: Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel


2006 – Matriz energética mundial e nacional (em %)
Renovável Não-renovável
Brasil 45 55
Mundo 14 86

Fonte: Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 09/10/2007. (PDF)