Secretaria de Energia e Mineração apoia pesquisas com o biogás

Estudo conjunto avalia impactos da conversão do motor a diesel de caminhão para também funcionar com gás; meta é reduzir emissões de dióxido de carbono e ampliar o uso do GNV e do biometano

Com a proposta de estimular no território paulista o desenvolvimento de tecnologias limpas e sustentáveis, como o biogás proveniente da vinhaça, a Secretaria Estadual de Energia e Mineração tomou parte em um protocolo de intenções firmado na 25ª Feira Internacional de Tecnologia Sucroenergética (Fenasucro & Agrocana), realizada em Sertãozinho, de 21 a 24 agosto. Experimental, o projeto reúne agentes públicos e privados e consiste em converter um motor a diesel de caminhão para o sistema bicombustível (flex) e também para funcionar a gás.

Participam desse protocolo a secretaria e a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado (Arsesp) e as empresas GasBrasiliano Distribuidora S.A., Grupo São Martinho, Mercedes-Benz do Brasil, Convergas Fuel Systems e Mahle-Metal Leve. Os testes com o abastecimento do motor estão sendo realizados com Gás Natural Veicular (GNV) e biometano (biogás), produzido a partir do reaproveitamento e transformação da vinhaça, resíduo orgânico da produção de açúcar e etanol, por meio de reatores anaeróbios (biodigestores).

Ação conjunta

“A proposta é avaliar e promover o uso da tecnologia Dual–Fuel (Diesel-Gás) em caminhões pesados utilizados pelas usinas paulistas durante a época da safra da cana, período anual que vai de março a novembro”, explica Francisco Emilio Baccaro Nigro, assessor técnico da Secretaria Estadual de Energia e Mineração e professor de engenharia mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

Especialista em motores de combustão interna a combustíveis alternativos, Nigro vê o protocolo como um esforço conjunto dos setores público e privado em prol da diminuição do impacto ambiental e o classifica como medida capaz de gerar economia e renda. “Além de ser uma ação alinhada ao Programa Paulista de Biogás (Decreto estadual nº 58.659/2012)”, ressalta (ver serviço).

Segundo ele, essa legislação propõe ampliar o papel das fontes renováveis na matriz energética paulista, destaca a biomassa como opção renovável, sustentável e de baixa emissão de carbono e sublinha a oportunidade de desenvolvimento regional a partir da geração de biogás proveniente do setor sucroenergético.

Atualmente, a secretaria estima em 2.250 megawatts o potencial paulista de produção de biometano a partir da utilização da vinhaça, volume suficiente para ser transformado em biogás – se for queimado e transformado em eletricidade, é volume suficiente para manter em operação uma cidade com 450 mil habitantes.

Laboratório

Os testes com a tecnologia Diesel-Gás prosseguirão até o final do primeiro trimestre do ano que vem, quando os primeiros resultados serão apresentados à Arsesp e à secretaria. Além da análise do motor marca Mercedes-Benz de 440 cavalos de potência, estão sendo realizadas medições comparativas de emissões atmosféricas e de consumo específico de combustível no laboratório da Mahle-Metal Leve, em Jundiaí.

A avaliação prevista no protocolo de ações vai aferir a eficiência e a eficácia do motor e o sistema de pós-tratamento de emissão de gases poluentes, de acordo com os requisitos da NBR 15.634, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para homologação de motores Euro 5 e Euro 6.

Campo

O projeto piloto com o caminhão pesado está sendo realizado pelo Grupo São Martinho na Usina Santa Cruz, planta industrial da companhia sucroalcooleira instalada no município Américo Brasiliense, região de Araraquara. Com quatro unidades produtoras e capacidade de moagem anual de 24 milhões de toneladas de cana, a empresa é uma das maiores produtoras de açúcar e etanol do País.

Segundo estimativas de mercado, o processamento de uma tonelada de cana necessita de quatro litros de diesel – e a previsão de colheita no Brasil para a safra 2017/2018 é de 647 milhões de toneladas de cana. Se já fosse adotado um modelo como o do projeto piloto em todas as usinas sucroalcooleiras do País usando metade do combustível a gás natural ou biometano e o restante a diesel, as empresas poderiam economizar cerca de 1,3 bilhão de litros de diesel por safra, reduzindo significativamente as emissões de carbono.

Biometano

Por possuir elevado teor de metano em sua composição, o biometano também pode ser misturado ao gás natural e comercializado por meio de conexão à rede de distribuição de gás canalizado ou, então, aproveitado na forma de gás comprimido.

Para também aproveitar esse biocombustível dessa maneira, a Secretaria de Energia e Mineração instalou, em março, o Comitê Gestor do Programa Paulista de Biogás, que, atualmente, estuda qual porcentual de biometano pode ser acrescentado ao gás natural canalizado, assim como quais seriam os impactos dessa mudança para os consumidores e o mercado. Os resultados desse estudo técnico serão apresentados na reunião do Conselho Estadual de Política Energética (Cepe), prevista para ser realizada até o final do ano.

Em julho, a Arsesp publicou a Deliberação nº 744/2017. Inédita no País, essa legislação regulamenta as condições de distribuição de biometano na rede de gás canalizado do Estado e estabelece como esse biocombustível fornecido pelos produtores rurais pode ser inserido e distribuído pela rede de gás canalizado (ver serviço).

Serviço

Secretaria Estadual de Energia e Mineração
Arsesp
Programa Paulista de Biogás, Decreto nº 58.659/2012
Deliberação Arsesp nº 744/2017

Convergas Fuel Systems
Grupo São Martinho
GasBrasiliano
Mahle-Metal Leve
Mercedes-Benz

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 03/10/2017. (PDF)

USP Ribeirão Preto destaca o potencial da vinhaça na cogeração

Resíduo das usinas sucroalcooleiras pode ser usado para gerar eletricidade em projetos sustentáveis; crédito para investimento pode ser obtido na linha exclusiva do BNDES

Apresentar um modelo econômico, rentável e sustentável para as usinas sucroalcooleiras, de modo a incentivá-las a produzir eletricidade a partir de vinhaça, um resíduo poluente da produção do açúcar e do etanol, em vez de descarte do subproduto no meio ambiente. Esse é o tema da tese de mestrado do administrador de empresas Geraldo José Ferraresi, defendida no dia 11 de julho, no Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP), câmpus de Ribeirão Preto.

Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o estudo acadêmico de Ferraresi foi orientado pela professora Sonia Valle Walter Borges de Oliveira. Iniciado no começo de 2015, o projeto teve como premissa averiguar por que a vinhaça não é reaproveitada, considerando o fato de a transformação do insumo vegetal em eletricidade ser um processo industrial conhecido pelas usinas. Essa técnica consiste em lançar o resíduo in natura para ter sua carga orgânica processada em reatores anaeróbios (biodigestores) para gerar biogás; esse biocombustível, por sua vez, é queimado e fornece energia elétrica.

Nos processos industriais das usinas, a produção de cada litro de álcool gera em média de 10 litros a 15 litros de vinhaça, também conhecida como vinhoto ou garapão. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a produção brasileira de etanol na safra 2015/2016 foi de 30,2 milhões de metros cúbicos. “Se todo o subproduto vinhaça fosse utilizado para gerar eletricidade, seria possível, por exemplo, atender à necessidade energética de uma cidade com 6,3 milhões de habitantes, como, por exemplo, o Rio de Janeiro”, destaca Ferraresi.

Revisão tributária

“No Brasil, há grande potencial para a cogeração com vinhaça, a principal barreira identificada em meu estudo são os juros altos e os impostos”, informa. Segundo ele, a tributação elevada sobre a cadeia produtiva da energia renovável é o principal entrave à falta de investimentos. “As alíquotas cobradas sobre as fontes não renováveis, como o diesel e o gás natural, são as mesmas incidentes sobre a biomassa e as energias solar e eólica”, diagnosticou Ferraresi.

No estudo desenvolvido na FEA-RP/USP para as usinas, a geração de energia se daria por meio de um biodigestor de circulação interna e de um motogerador de combustão interna de 38% de rendimento, “modelo baseado na literatura científica disponível que mostrou viável.” Segundo Ferraresi, a taxa de atratividade do projeto de investimento, que é a nota de corte utilizada para verificar o risco, é de 15%, com um prazo de 20 anos para a execução do projeto.

Negócios associados

“Sem isenção fiscal, é preciso incluir no projeto de cogeração a venda de créditos de carbono e de fertilizantes para este ser rentável. Caso contrário, também é necessário considerar políticas governamentais e isenções fiscais para assegurar a viabilidade, explica Ferraresi.” Eventuais interessados em saber mais a respeito do modelo desenvolvido em Ribeirão Preto devem entrar em contato com a FEA-RP/USP (ver serviço).

Como exemplo de aplicação do modelo, Ferraresi cita uma usina com capacidade produtiva diária de 1,5 mil metros cúbicos de etanol, cujo subproduto são 15 mil metros cúbicos diários de vinhaça. Para montar um sistema com biodigestores e um motogerador com rendimento de 28 megawatt-hora/ano, ele calcula que seria preciso um investimento de R$ 38 milhões.

“Essa planta industrial de cogeração seria capaz de suprir a necessidade energética de 62 mil pessoas”, explica Ferraresi. Ele informa que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) dispõe de uma modalidade exclusiva de crédito para esse tipo de financiamento, chamada Linha BNDES Finem Geração de Energia (ver serviço). “É um dinheiro subsidiado, com condições mais atrativas em comparação às oferecidas pelo bancos”, explica.

Serviço

FEA-RP/USP
Telefone (16) 3961-1259
E-mail geraldoferraresi@usp.br

Linha BNDES Finem Geração de Energia

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 14/09/2017. (PDF)

Resíduos de curtumes propiciam pesquisas e negócios na Etec Franca

Matérias-primas de alto potencial poluente recebem tratamento e rendem fertilizantes, biodiesel e pele humana artificial para enxertos ósseos e implantes dentários

Com o propósito de inovar com soluções de negócios e sustentáveis para os resíduos da produção coureiro-calçadista de Franca, a Escola Técnica Estadual (Etec) Professor Carmelino Corrêa Júnior mantém, desde 2010, linhas de pesquisa nessa área com seus alunos e docentes.

Segundo a professora Joana Félix, coordenadora de diversos desses trabalhos, a proposta é prover destinação ambiental adequada para as sete principais matérias-primas descartadas pelas fábricas e curtumes da região, e, ainda, originar novos negócios, a partir de tecnologias desenvolvidas e patenteadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

Um dos pontos de partida da integração entre a Etec agrícola com o Arranjo Produtivo Local (APL) de Franca, composto por cerca de 450 empresas, foi o pós-doutoramento de Joana. Formada em Química, com graduação, mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela iniciou em 2002 pós-doutoramento na Universidade de Harvard (Boston, Estados Unidos).

“O desafio proposto por meu orientador foi achar respostas viáveis e de baixo custo para fazer gestão ambiental. Desde então, as pesquisas com a composição e possibilidades de uso dos resíduos não pararam mais”, conta.

Em Franca, os principais descartes são os lodos de cromo, de recurtimento e de cal. Há também a serragem e as aparas do couro wet blue (que sofreu o primeiro processo de transformação no curtume), o pó de lixadeira e os retalhos. Em média, são geradas 218 toneladas diárias desses resíduos na cidade – no Brasil, são 3,5 mil toneladas por dia.

Linha de pesquisa

O trabalho pioneiro foi realizado com fertilizantes em 2012. Teve orientação do professor e agrônomo Cláudio Sandoval, diretor da Etec. Segundo ele, o passo inicial é eliminar, por meio de tratamentos laboratoriais, os contaminantes, por exemplo, cromo e corantes. Depois, cada tipo de resíduo origina um fertilizante diferente. Esse projeto recebeu prêmio em 2015 do Conselho Regional de Química do Estado de São Paulo.

Segundo Sandoval e Joana, além da sustentabilidade, esses fertilizantes têm outros diferenciais, como preço menor e menor tempo de ação no solo. “O quilo deles sai em média por R$ 0,30, enquanto o da ureia, fertilizante convencional bastante utilizado, custa R$ 1,70”, observam.

“Alface cultivada com o insumo tradicional demora cerca de dois meses do plantio até a colheita. Com o fertilizante da Etec, o prazo cai para 45 dias”, informam, destacando o fato de essa tecnologia estar sendo agora transferida a uma empresa da área de fertilizantes.

Integração

Dos 512 alunos matriculados na Etec de Franca, 15 participam ativamente dos projetos com os resíduos e são orientados por Joana, Sandoval e mais cinco professores de diversos cursos. A cada semestre, o grupo ganha novos componentes depois do Vestibulinho das Etecs. De acordo com os docentes, o critério de seleção para ingressar na equipe é ter interesse em dar continuidade à linha de pesquisa.

“Procuramos integrar o corpo acadêmico de todos os cursos nos projetos. Por exemplo, o fertilizante foi testado, a princípio, com mudas de café da estufa do curso de cafeicultura. Como essa planta é perene e ficará muito tempo no viveiro, é interessante a liberação lenta do nitrogênio presente no fertilizante, para evitar o desenvolvimento do vegetal antes do tempo recomendado”, explicam os docentes.

Biocombustível

Os retalhos coloridos de couro são a base da pesquisa com o biodiesel. Nesse processo, a primeira fase é a extração dos corantes de diversas cores, resíduos também com potencial poluente. No mercado, custam cerca de R$ 250 o quilo, e, com tecnologia adequada, podem ser reaproveitados por setores industriais, como o têxtil e o papeleiro. “Extrair o corante custa aproximadamente R$ 2 o quilo. É uma área promissora para novos negócios”, estimam.

No passo seguinte, ocorre a retirada do cromo, outro descarte com potencial poluente apto a ser reaproveitado e, finalmente, ocorre a extração dos óleos de engraxe, a base do biodiesel usado em tratores, ônibus e caminhões. Cada litro do biocombustível, feito com resíduos, sai por R$ 0,20. “Em Franca, são geradas diariamente 110 toneladas de retalhos, volume suficiente para produzir 22 mil litros de biodiesel”, informam.

Peles

Em 2009, um acidente de trabalho com ácido sulfúrico cegou e queimou 95% da pele do corpo de um funcionário de curtume. Sensibilizado com a tragédia, um colega dele questionou Joana sobre a possibilidade de reaproveitar a pele de animais em transplantes humanos. O Brasil possui apenas quatro bancos de pele para atender hospitais do País inteiro – e, em todos, a escassez de matéria-prima é recorrente.

Intrigada com a questão, Joana descobriu na pele suína 78% de biocompatibilidade com a humana, isto é, com métodos adequados seria possível eliminar os 22% restantes de rejeição ao biomaterial. “O diâmetro dos poros da pele suína é maior do que o dos humanos. Assim, fiz o fechamento do volume desses poros com colágeno, matéria-prima abundante nos resíduos e muito valorizada nas indústrias farmacêutica e cosmética”, explica Joana.

Em 2015, a pele humana artificial foi testada com sucesso na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto. Hoje, 1,5 metro dela custa, em média, R$ 85, enquanto a mesma medida da pele produzida em laboratório pode sair até por R$ 5 mil. Atualmente, uma multinacional farmacêutica negocia com a Etec o direito de produzi-la comercialmente.

Ossos e dentes

Neste ano, a pedido de médicos e dentistas, surgiu a proposta de aproveitar o colágeno usado na pele artificial para fazer reconstituição óssea, necessidade comum em implantes dentários e em pacientes com perda de tecidos. Na pesquisa desenvolvida na Etec Franca, depois de tratado, o resíduo teve seu potencial terapêutico multiplicado com a adição de hidroxiapatita (substância presente na escama do piau, peixe da fauna brasileira).

“Cada 100 gramas de hidroxiapatita sintética importada custa US$ 350. Nos pesque-pague, é possível obter grátis as escamas, considerando o fato de essa matéria-prima representar um custo para os proprietários dos estabelecimentos, por exigir descarte ambiental adequado”, informa Joana. Segundo ela, o método desenvolvido possibilita a extração da matéria-prima natural a partir de outros peixes criados para o consumo humano, como a tilápia e o pirarucu, por exemplo.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 30/05/2017. (PDF)