Seminário discute evolução, estratégias e controle da Aids no Estado

Contágio cresce em mulheres, heterossexuais e pobres; aumenta a sobrevida dos soropositivos e número de casos se estabilizam

São Paulo é o Estado brasileiro onde foi iniciada a luta contra a Aids há 20 anos. Para marcar a data, a Secretaria Estadual da Saúde promoveu entre os dias 2 e 3 de dezembro no Hotel Hilton, na capital, o Seminário “20 Anos de Aids – Desafios e Propostas”. O encontro reuniu especialistas brasileiros e autoridades da União, estados e municípios, no combate à doença que aflige 40 milhões de portadores do vírus no planeta.

No centro dos debates, questões como o desenvolvimento de vacinas contra o HIV; a proteção das classes mais vulneráveis a doença; a distribuição e controle de preservativos e de medicamentos antivirais; o estímulo a realização dos testes anti-HIV em casos de suspeita de contaminação; a notificação correta dos novos casos; e um consenso entre os especialistas, a necessidade de informar a população mundial sobre o perigo da Aids.

Entre os palestrantes, Dráurio Barreira, médico e diretor da Vigilância Epidemiológica do Programa Nacional de DST/Aids, o secretário estadual da Saúde Luiz Roberto Barradas Barata e agentes de saúde pública federal, estadual e municipal, professores universitários, médicos, enfermeiros, líderes religiosos, psicólogos e representantes de ONGs.

Números

Segundo o diretor do Serviço de Vigilância Epidemiológica do Programa Nacional de DST/Aids, Dráurio Barreira, são 600 mil o número de pessoas com HIV no Brasil no ano de 2002. A via sexual responde por 85% dos casos de transmissão. Este ano foram já foram notificados 277 mil casos. Os desafios são brecar a disseminação da doença, em especial no continente africano, onde 39% dos adultos têm o vírus, segundo dados de 2001 da OMS. E também proteger as mulheres, segmento da população mais exposto à contaminação. No Brasil, a proporção atual é de 1,7 homem para cada mulher infectada.

No início da epidemia, a Aids concentrava-se nos homossexuais. Na época, eles eram chamados de modo pejorativo de grupos de risco. “O conceito evoluiu hoje para comportamentos de risco, como sexo desprotegido e uso de drogas injetáveis. Nenhum grupo social, independente da faixa etária, classe ou condição social deve abdicar da prevenção” alerta o pesquisador.

Dráurio apontou avanços no controle à Aids no País, como a estabilização do número de soropositivos e de doentes e a redução na transmissão vertical do HIV, da gestante para o bebê. Em 1997, a taxa era de 16% e em 2002 caiu para 3,2% para as parturientes soropositivas. O Brasil é considerado país modelo de assistência aos portadores de HIV/Aids pela ONU e produz sete dos 15 medicamentos anti-retrovirais distribuídos no País. Ele destacou a progressiva informatização dos sistemas públicos de notificação de casos e o cruzamento de dados como fundamentais para manter a epidemia sob controle.

Agentes multiplicadores

Na opinião do líder de ONG, e religioso de candomblé Babalorixá Celso Ricardo de Oxaguian, “as mulheres negras e minorias são as maiores vítimas da doença. O racismo, desprezo e o abandono de amigos e parentes contribuem também negativamente. Discriminar é crime previsto no Código Penal, porém, simplesmente ignorar não”, lamenta.

Celso preside a ONG paulista Grupo de Valorização do Trabalho em Rede e em sua comunidade na zona oeste da capital, há quatro anos, ele monta balcões de atendimento e aconselhamento a população sobre DSTs. O local funciona também como um centro de formação de agentes multiplicadores de conhecimentos. “Os alunos articulam ações e repassam as noções adquiridas. São fundamentais para atingir um número maior de cidadãos”, conclui.

Sexo casual

A psicóloga Vera Paiva do Núcleo de Estudos para Prevenção da Aids (Nepaids) da USP, lembra a necessidade de criação de espaços não só de tratamento clínico da infecção, mas também de atendimento, treinamento e aconselhamento da população. E sentencia: “não adianta apenas colher dados, há 20 anos fazemos isto. Precisamos valorizar o trabalho clínico, traçar estratégias a partir das informações colhidas e repassar aquilo que foi aprendido para o resto do País”, explica.

Estudiosa do comportamento, Vera, explica que um dos desafios da prevenção é conscientizar a população para usar a camisinha em todas as relações. “Tenho relatos de caminhoneiros que fazem sexo em três contextos diferentes, com a esposa, com a amante e com profissionais do sexo, de acordo com o vínculo afetivo. O desafio é fazer com que eles usem preservativo sempre, já que a via sexual responde hoje por 85% dos casos de transmissão”, relata.

Vera coloca a informação como fator decisivo para o controle da doença. “A epidemia cresce mais nos segmentos de menor escolaridade da população. É preciso chamar a atenção das pessoas que fazer sexo sem proteção traz riscos e assim, qualificar a tomada de decisão sobre fazer sexo ou não”, conclui.

Pioneirismo

O Programa de DST/Aids da Secretaria Estadual da Saúde foi criado em 1983, por técnicos da pasta liderados pelo médico Paulo Roberto Teixeira. Ele é hoje diretor do programa para Aids da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele lembra que na época, não havia informação suficiente sobre a doença e sua transmissão.

As propostas iniciais eram pesquisar e conhecer a dimensão da epidemia, evitar o pânico na população e a discriminação de grupos considerados vulneráveis. Pretendia também atender aos casos notificados e orientar os profissionais de saúde no manejo dos pacientes, conta Artur Kalichman, médico sanitarista e coordenador do Programa Estadual DST/Aids-SP.

“O objetivo hoje é diminuir a vulnerabilidade da população paulista às DSTs e HIV/Aids, melhorar a qualidade dos já afetados e reduzir o preconceito e impactos negativos, de acordo com os princípios do Sistema Unificado de Saúde (SUS)”, declara Kalichman.

O Estado de São Paulo é pioneiro na utilização e distribuição gratuita de medicamentos para portadores de infecção pelo HIV/Aids. Em 1990, adquiriu a Zidovudina (AZT) primeira droga usada no tratamento dos portadores de HIV/Aids. Em outubro de 1996, o programa estadual de passou a adquirir os medicamentos anti-retrovirais, compostos pelos inibidores de proteases (Indinavir, Ritonavir, Saquinavir) e de transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (Lamivudina) e passou a fornecê-los para todos pacientes necessitados do Estado.

A Secretaria Estadual da Saúde oferece tratamento gratuito para soropositivos e doentes. Segundo a infectologista Cáritas Basso, a redução da mortalidade por Aids pode ser notada a partir da redução de 40% no número de internações no Estado entre 1996 e 2000. A análise da sobrevida de pacientes diagnosticados em 1992, apontou que apenas 22,8% sobreviviam após 36 meses de acompanhamento, porcentual que subiu para 79,2% entre os diagnosticados em 1997.

Segundo dados da pesquisadora Naila Janilde Seabra, do Centro de Referência e Treinamento em DSTs e Aids do Estado de São Paulo, do início da epidemia até 31 de dezembro do ano passado foram notificados 116.733 casos de Aids no Estado, entre eles 85.253 homens e 31.480, mulheres; destes 70.687 morreram. Atualmente 55 mil pacientes são beneficiados pela terapia anti-retroviral no Estado, e tem à sua disposição 170 serviços de assistência especializada (ambulatórios) dos quais 26 possuem leitos-dia, 252 serviços que atendem portadores de DSTs, 28 hospitais-dia, 27 serviços prestando assistência domiciliar terapêutica, 39 centros de testagem e aconselhamento e 840 leitos públicos e privados (filantrópicos) destinados a assistência aos portadores de HIV/Aids e DST.

Vacina anti-Aids

Para acompanhar de perto as novas tecnologias, o Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids está participando desde janeiro deste ano, de um estudo denominado Projeto HM (Homem e Mulher), que tem como objetivo principal a preparação da unidade para a realização de futuros testes de vacina anti-HIV. O Centro integra uma rede internacional de colaboração para o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV, financiada pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. “Para conter a epidemia no longo prazo, a melhor estratégia é o desenvolvimento de uma vacina segura, eficaz e acessível”, comenta Kalichman.

Disque DST/Aids

O Disque DST/Aids (136) é um serviço telefônico gratuito de aconselhamento para a população sobre Aids e DSTs. Os interessados têm a disposição a relação de locais onde podem fazer testes anti-HIV, de hospitais do SUS que atendem soropositivos e o que fazer para conseguir o coquetel antiviral. As telefonistas informam também sobre sobre práticas de sexo seguro e indicam a relação de instituições governamentais e ONGs que atuam na defesa dos direitos dos portadores de DSTs/Aids.

Informação nas escolas

O “Programa Prevenção Também se Ensina” é o resultado de uma parceria firmada em 1996 entre as secretarias estaduais da Saúde e da Educação. Ela envolve 3,5 mil escolas da rede pública e atende 3,5 milhões de alunos no Estado e discute temas relacionados à Educação Preventiva (DST/HIV/Aids, Drogas, Sexualidade e Cidadania) no cotidiano dos estabelecimentos de ensino.

A iniciativa também estimula a construção de uma cultura de prevenção e de valorização da vida, que assegure direitos individuais e coletivos, a convivência entre diferentes raças, gêneros, orientação sexual e de geração.

Redução de danos

Nos 20 anos de combate à Aids, houve progressos na logística de distribuição de insumos para prevenção. De 1987 a 1994, a distribuição de preservativos masculinos estava focada em campanhas tais como “Dia Mundial de Combate à Aids (1º de dezembro)” e carnaval, e em projetos pontuais associados a estudos sorológicos e sociocomportamentais com populações específicas. Em 1994, a Secretaria Estadual da Saúde iniciou a distribuição sistemática de preservativos masculinos priorizando usuários dos serviços de saúde com atendimento especializado em DST/HIV/Aids, e os locais onde eram desenvolvidas ações preventivas com as populações de maior risco.

Na década de 80, a Saúde distribuiu 300 mil preservativos/mês no Estado. Em 2002, cerca de 34 milhões de preservativos masculino foram repassados e atualmente, a distribuição é de cerca de 5 milhões de unidades/mês. Em 1998 iniciou-se a distribuição de preservativos femininos com 111 mil unidades. A partir de 1999, também foram oferecidos gel lubrificante como parte dos insumos de prevenção. Foram distribuídos 12 mil unidades de 40g e seis mil unidades de 5g para projetos desenvolvidos por ONGs, centros de referência em DST/Aids e coordenações municipais de DST/Aids que atuam com a população de homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo masculinos e travestis.

Em 2002, os 37 programas de redução de danos entre usuários de drogas do Estado distribuíram 138 mil seringas/agulha fixa, 47,5 mil seringas removíveis, 43,5 mil agulhas, 125 mil frascos de água destilada, 129 mil lenços para assepsia, 99 mil copos para diluição e 58,5 mil estojos para kits de redução de danos.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 09/12/2003. (PDF)

Adolfo Lutz alerta para riscos de contaminação causada por fungos

Algumas micotoxinas são cancerígenas e reduzem em 40% expectativa de vida nos países pobres

As micotoxinas produzidas por fungos são responsáveis por 40% da redução da expectativa de vida em países pobres, segundo a ONU. Além de doenças, os micro-organismos causam prejuízos também à economia, em especial nos países exportadores agrícolas de grãos e sementes, como o Brasil, que vende café, soja, arroz, e castanha-do-pará no mercado internacional. Nos Estados Unidos e Canadá, as perdas chegam a US$ 5 bilhões anuais com a contaminação de rações para animais.

Myrna Sabino, pesquisadora desde 1967 do Instituto Adolfo Lutz, órgão vinculado à Secretaria Estadual da Saúde alerta a sociedade para o problema. Chefe da Seção de Química Biológica, a especialista explica que existem mais de 350 micotoxinas conhecidas. “Algumas micotoxinas, especialmente a aflatoxina B1 são cancerígenas, favorecem a má formação fetal e podem provocar o nascimento de crianças com deformações. Nos adultos trazem complicações hepáticas”, alerta.

Segundo ela, a parcela da população mais suscetível à contaminação são os mais jovens. “Por terem o sistema imunológico ainda em formação, os riscos são maiores. Nos adultos, o principal problema é a ingestão de alimentos contaminados durante um período prolongado da vida, já que estas substâncias podem acarretar o desenvolvimento de tumores”, explica.

Ciclo e prevenção

Os fungos estão presentes na natureza. A subida da temperatura e da taxa de umidade do ar favorecem o aumento das populações de micro-organismos e da produção de micotoxinas. Elas contaminam silos, armazéns de estocagem e lotes inteiros de grãos e cereais. Fenômenos climáticos como o aumento das chuvas também podem acelerar o processo. Não é possível para o consumidor perceber a contaminação dos alimentos, somente laboratórios são capazes de fazer a verificação. “A boa aparência dos alimentos não significa estarem livres de contaminação”, explica.

Myrna explica que segundo a Organização de Comida e Agricultura das Nações Unidas (FAO) 25% da produção mundial de grãos são perdidos por causa das micotoxinas. A prevenção é possível por meio de práticas agrícolas adequadas, ainda no campo, antes da estocagem dos alimentos. Os grãos mais suscetíveis são o amendoim e o milho, porém todos podem conter micotoxinas. “A castanha-do-pará nacional teve sua importação proibida em fevereiro pela comunidade europeia por causa das aflatoxinas”, conta.

No Brasil, na região sudeste, as autoridades sanitárias e de saúde conseguem manter o País em condições satisfatórias. “Os maiores problemas estão concentrados nas regiões Norte e Nordeste. As dificuldades se multiplicam devido a vastidão territorial e a falta de controle nos portos e aeroportos”, ressalta.

História

Na década de 60, o Brasil exportou farelo de amendoim para a Inglaterra. A matéria-prima vegetal foi transformada em ração para animais e morreram 100 mil perus sem que os veterinários descobrissem as causas. No ano seguinte, a Scotland Yard foi chamada para investigar as causas e não teve sucesso; só então as autoridades locais conseguiram associar a causa das mortes ao produto tropical importado.

A descoberta do agente causador, o fungo Arpergillus flavus fez nascer e aprofundar um novo ramo da ciência, a micotoxologia. O objetivo foi o de estudar o risco que estas substâncias representam para a saúde humana e animal e para a economia internacional, podendo acarretar perdas na cadeia produtiva. Entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer e Food and Agriculture Organization se uniram com órgãos de agricultura e saúde pública mundiais para pesquisar e descobrir todas as toxinas produzidas por fungos.

Como curiosidade, Myrna cita passagens históricas e bíblicas, onde as micotoxinas eram o motivo de contaminações e pragas sem que a humanidade soubesse o motivo. Nos livros de Jó e do Êxodo, são relatadas passagens onde Moisés tentava libertar os hebreus do domínio faraônico. Há evidências de que uma dez pragas lançadas contra os egípcios estivesse relacionada com a presença de micotoxinas, já que a contaminação dizimou rebanhos ovinos e a peste induziu tumores e úlceras nos animais e no povo egípcio.

Fogo de Santo Antônio

Na Idade Média, entre os séculos XV e XVI, os franceses se assustavam com a doença conhecida como Fogo de Santo Antônio. A epidemia causada pela ingestão de centeio contaminado por Claviceps purpurea provocava a sensação de queimação na pele e surtos de gangrena. As vítimas procuravam o Santuário de Santo Antônio na França para se curar.

Guerra do Iraque

No século 20, durante a Segunda Guerra Mundial cerca de 100 mil russos perderam a vida devido as toxinas produzidas pelos fungos. Na Guerra do Vietnã, nos anos 60 e 70, as micotoxinas foram utilizadas como armas biológicas pelos exércitos para provocar enfermidades nos soldados inimigos.

Myrna comenta ainda que uma das justificativas utilizadas pelos Estados Unidos para bombardear o Iraque, era a suposta presença de armas químicas e biológicas incluindo fungos produtores de micotoxinas e mesmo micotoxinas nos laboratórios mantidos pelo governo de Saddam Hussein. Eles comporiam o suposto arsenal biológico do antigo regime.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 04/12/2003. (PDF)