Terapia dos Doutores da Alegria contagia crianças em recuperação

São Joãozinho, show temático da trupe circense, leva alegria e animação aos pacientes do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci); até o fim do mês os artistas se apresentam em mais três hospitais

Entusiasmadas, as crianças internadas no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci), na capital, receberam, quarta-feira, 15, a trupe dos Doutores da Alegria com o show temático São Joãozinho. A apresentação dos artistas celebra as festas juninas com músicas típicas cantadas em ritmo de forró e inclui brincadeiras – pescaria, correio elegante e “guerra” de bolinhas de papel.

O cortejo de São Joãozinho e a celebração natalina são as duas comemorações especiais da organização não governamental Doutores da Alegria. Desde o início do mês, a trupe circense, formada por 40 palhaços (23 atores profissionais em São Paulo e 17 no Recife), que se intitula “mestres em besteirologia”, já se apresentou em diversos hospitais paulistanos.

A programação incluiu o Instituto da Criança (dia 8); Hospital Geral do Grajaú (9), Itaci (15) e Hospital Municipal do Campo Limpo (ontem). Até o final do mês, a programação seguirá para o Hospital Santa Marcelina (22); Hospital do Mandaqui (23); e Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da USP (30).

Residente

O ator David Tayiu (o palhaço Dr. Dadúvida) é Doutor da Alegria desde 1991, ano de criação do grupo. Ele explica que a proposta principal da ação voluntária e gratuita nos hospitais é qualificar a experiência de internação e resgatar o lado saudável da vida dos pacientes, seus familiares e dos profissionais da área da saúde.

Com exceção dos dois shows temáticos, a atuação dos Doutores é permanente. Toda sexta-feira, eles se reúnem para avaliar o serviço prestado e ensaiar coreografias e interpretações. O improviso é uma das marcas do trabalho inspirado na arte clownesca, linguagem usada pelos palhaços que aproveita elementos do ambiente para contar piadas e fazer graça.

Durante um ano, uma dupla dos Doutores da Alegria do grupo visita um hospital duas vezes por semana, para estreitar laços. Nessas ocasiões, os atores circulam por todas as áreas do centro médico e tentam descontrair as pessoas que encontram pela frente.

David foi palhaço “residente” do Itaci por um ano. Hoje, a ação voluntária no centro especializado em câncer infantil é incumbência da dupla formada pela Doutora Pororoca, interpretada pela atriz Layla Ruiz, e pelo palhaço Mingal, representado pelo ator Marcelo Marcon, atual palhaço “residente” do Itaci.

A oncologista pediátrica Lilian Cristofani destaca a importância da atividade realizada pelos artistas desde a criação do Itaci, em 2002. “O horário das 9 às 12 horas das segundas e quartas-feiras são os mais aguardados pelas crianças”, ressalta. Ela avalia que a abordagem lúdica utilizada pelo grupo é adequada ao tratamento e auxilia na reabilitação dos pacientes.

Animação

Na quarta-feira, o casal Jorge Rodrigues e Mariana Sanchez, de São Carlos, acompanhou toda a movimentação dos Doutores da Alegria, na unidade, com a filha Luiza, de 1 ano e 10 meses de idade. “Ela foi operada no dia 18 de fevereiro, no Hospital Sírio-Libanês”. Um mês depois iniciou o tratamento no Itaci e “vem tendo excelente recuperação; quando os palhaços chegam, ficamos todos mais animados”, conta o pai da menina.

Improviso

Marcelo Marcon também integra o elenco do São Joãozinho. Interpretando Mingal desde 2010, ele destaca esse trabalho como uma grande alegria, entre as muitas vividas nesse período. Em 2014, enquanto ensaiava, Marcon recebeu o telefonema da mãe de um paciente. Ela relatava o problema inusitado que estava enfrentando: seu filho Thiago, de 4 anos, havia recebido alta médica, mas se recusava a ir embora do hospital.

“Na imaginação do garoto, o médico dele era eu; para convencê-lo a mudar de ideia, improvisei: disse no telefone que estava trancado em um guarda-roupa para que minha roupa não amassasse e não tinha como sair para encontrá-lo”, recorda Marcon. “A resposta improvisada agradou e funcionou. E acabei chorando no meio do ensaio.”


Itaci é referência em câncer infantil

Vinculado ao Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci) oferece 38 leitos para crianças e adolescentes até 19 anos. Além de câncer, o centro trata também doenças hematológicas (como anemia falciforme, por exemplo), moléstias raras e ainda presta cuidados paliativos.

A instituição realiza, em média, 1,5 mil atendimentos mensais, dos quais 90% são na modalidade hospital-dia – o paciente vai até o centro com acompanhante, faz os procedimentos médicos recomendados e retorna para casa.

O Sistema Único de Saúde (SUS) e o Estado custeiam 97% dos tratamentos, os 3% restantes são bancados por convênios médicos. O Itaci possui equipe formada por 280 profissionais, além de 40 terceirizados. O atendimento multidisciplinar inclui médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e dentistas, entre outras especialidades.

O Itaci foi idealizado por docentes da Faculdade de Medicina da USP liderados pelo médico Vicente Odone Filho, professor titular de Oncologia Infantil da universidade e atual coordenador clínico do instituto, que recebe o apoio da Fundação Criança, Ação Solidária Contra o Câncer Infantil (ASCCI) e do Instituto Stella Demarco.

Serviço

Doutores da Alegria
Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci)
Instituto da Criança do Hospital da Clínicas da FMUSP

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 17/06/2016. (PDF)

Centrinho da USP Bauru inova no tratamento de lábio leporino

​Aparelho expansor maxilar desenvolvido na unidade reduz pela metade uma das etapas do tratamento; fissura labiopalatina bilateral acomete um a cada 650 recém-nascidos no Brasil

Projetar e desenvolver um novo ferramental ortodôntico capaz de reduzir de um ano para seis meses uma das etapas do tratamento da fissura labiopalatina. Batizado de expansor maxilar diferencial, o aparelho é uma inovação produzida em Bauru, no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho), da Universidade de São Paulo (USP).

Conhecida popularmente como lábio leporino, a fissura labiopalatina bilateral (fenda dos dois lados dos lábios e do céu da boca) afeta um a cada 650 recém-nascidos no Brasil. A anomalia provoca estreitamento na região anterior do céu da boca da criança e, por esse motivo, o tratamento requer uso de um aparelho expansor da maxila.

Criado pela professora ortodontista Daniela Garib, o projeto teve apoio do Centrinho-USP desde o início de seu desenvolvimento, com financiamento de R$ 100 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), na modalidade Auxílio de Pesquisa. Os testes com o protótipo em 20 pacientes foram realizados durante dois anos e quatro meses, pela também ortodontista Rita Lauris, aluna de doutorado de Daniela.

A pesquisa com o novo ferramental odontológico começou em 2010, depois de Daniela acompanhar diversos tratamentos de fissura labiopalatina no Centrinho-USP. Docente da disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP), ela explica que, na técnica convencional, o ortodontista usa um expansor na boca do paciente para corrigir o estreitamento da maxila – mas muitas vezes surgem efeitos colaterais indesejados.

Patente

“Propus, então, criar um aparelho com expansão diferencial nas regiões anterior e posterior do céu da boca. E, assim, controlar a abertura milimétrica do expansor nas partes frontal e posterior”, destacou a ortodontista. Seis meses depois, sob supervisão de Daniela, os técnicos de laboratório Lourival Garcia e Vagner Pereira moldaram os primeiros protótipos.

Para evitar contaminações por micro-organismos, o protótipo é construído em aço inoxidável, assim como o modelo tradicional. A peça apresentou resultados satisfatórios logo nas primeiras avaliações da dentição e do osso maxilar dos pacientes.

Em 2010, o trabalho do Centrinho-USP obteve depósito nacional de pedido de patente. No ano seguinte, o protótipo conquistou o primeiro lugar na Olimpíada USP de Inovação na área da saúde. Atualmente, uma empresa norte-americana testa o novo aparelho, baseado na tecnologia desenvolvida em Bauru.

A anomalia

A formação da fissura labiopalatina ocorre na criança ainda no útero materno, a partir do primeiro mês de gravidez. A deformidade no rosto do bebê, algumas vezes, pode ser detectada por ultrassom, nos exames pré-natais. Quando o diagnóstico é confirmado, a criança seguirá em tratamento por equipe multidisciplinar desde o nascimento até o final da adolescência, por volta dos 18 anos de idade.

Na maioria dos casos, com três meses de vida o recém-nascido passa por cirurgia plástica para fechar o lábio. O céu da boca somente é fechado por volta de um ano de idade, antes de a criança começar a falar. A terapia prossegue, então, com cuidados de equipe multidisciplinar (odontologia, fonoaudiologia, psicologia, nutrição, entre outras áreas de saúde).

Vantagens

Aos 8 anos de idade é instalado o aparelho expansor na boca do paciente. Na terapia tradicional, essa etapa demanda um ano: seis meses para a expansão e mais seis meses para o alargamento da parte frontal. Com o protótipo criado em Bauru, o tempo de tratamento é reduzido pela metade.

O novo expansor tem o conceito de ser “2 em 1”, ou seja, é uma peça única com dois parafusos. A primeira vantagem da técnica é atenuar o sofrimento da criança, que passa por menos intervenções; além disso, o custo do aparelho cai pela metade, por ser peça única.

Outro ponto positivo é possibilitar a expansão da maxila, isto é, o osso maxilar passa a acompanhar o desenvolvimento do rosto da criança. Esse detalhe, contam Daniela e Rita, foi confirmado por meio de tomografias computadorizadas e de análises de modelos dentários digitais da arcada dentária dos pacientes.

Bullying

A diminuição dos deslocamentos dos pais e familiares também é um benefício. Muitos residem em outros Estados ou em localidades distantes de Bauru e acabam perdendo dias de trabalho para levar o filho ao Centrinho-USP. Na unidade vinculada à universidade pública estadual paulista, todos os tratamentos são custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e recursos próprios da autarquia.

Além da questão estética e dos danos causados à autoestima pelo bullying nos meios escolares e social, as pesquisadoras comentam que a fissura labiopalatina pode prejudicar também a amamentação, dentição, fala e audição. Na maioria dos casos, tem origem genética. Entretanto, as duas especialistas do Centrinho-USP comentam que outros fatores favorecem seu surgimento. A lista de risco à gestante inclui deficiência vitamínica, alguns medicamentos anticonvulsivos e o consumo de álcool e tabaco.

Serviço

Mais informações e endereços do Centrinho-USP, consulte o site.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 24/09/2015. (PDF)

Unesp inova em cirurgia de crânio

Peça de acrílico desenvolvida em impressora 3D foi utilizada com sucesso em procedimento cirúrgico; pesquisadores solucionam caso complexo de menino de 6 anos com fratura na cabeça

Pesquisa inédita da Universidade Estadual Paulista (Unesp) possibilitou a realização com sucesso, na segunda-feira, 1º, de cirurgia de implante de crânio (cranioplastia) em um menino de 6 anos de idade. Executada em duas horas, a operação foi realizada no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB-Unesp).

O procedimento cirúrgico de alta complexidade teve a coordenação dos cirurgiões Aristides Palhares (cirurgia plástica) e Pedro Hamamoto (neurocirurgia), ambos professores da instituição. Custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a cranioplastia foi realizada no HC de Botucatu, hospital universitário vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, que oferece atendimento gratuito à população.

Tridimensional

A cirurgia consistiu em implantar uma peça de acrílico tridimensional no crânio do paciente. Desenvolvido sob medida, o biomaterial teve como origem imagens contidas em duas tomografias remetidas pelo professor Palhares para o Centro Avançado de Desenvolvimento de Produtos (Cadep). Especializada em impressão tridimensional (3D) e prototipagem rápida, a unidade especial da Unesp é vinculada à Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação de Bauru (Faac-Unesp).

Responsável pelo Cadep, o professor Osmar Rodrigues, do Departamento de Design da Faac, explica que a peça de acrílico é segura, resistente e compatível com os tecidos do organismo, sem risco de rejeição. Sua confecção exigiu oito dias de trabalho e foi projetada com uma folga proposital de dois milímetros – espaço considerado suficiente para a instalação do implante e possibilitar o crescimento da caixa craniana da criança.

Monitoramento

Responsável geral pelo projeto, o pesquisador Palhares explica que o garoto já recebeu alta hospitalar. Observa, contudo, que ele seguirá sob acompanhamento médico permanente até a adolescência, quando terá seu quadro clínico reavaliado por completo.

Especialista em cirurgia plástica, Palhares informa que a cranioplastia não é técnica médica inédita no País. Destaca, entretanto, o pioneirismo e o protagonismo da Unesp ao solucionar, internamente, uma demanda específica de alta complexidade. Sobre o paciente, explica o motivo do trauma: a queda de uma laje de três metros de altura, cujo impacto da batida provocou grave traumatismo e levou à perda de tecido ósseo, abrindo fenda de 10 cm por 13 cm de área na cabeça do menino.

Fila do implante

Há quatro anos aguardando a cirurgia, a criança encabeçava lista com mais de 50 pacientes com diferentes traumas à espera de um implante ósseo sob medida. A cirurgia possibilitou reconstituir o tecido ósseo perdido, recuperar a forma e aspecto originais do crânio e assegurar proteção mecânica e física ao cérebro e demais órgãos interligados.

“Esse caso abre nova ‘janela’ científica para a pesquisa nacional”, comenta o pesquisador da FMB-Unesp. “Exigiu abordagem multidisciplinar e inovadora, integrando áreas distintas da universidade, como neurologia, cirurgia plástica e o design tridimensional da peça. Demonstrou, na prática, a importância do investimento em recursos humanos, científico e tecnológico no Estado de São Paulo e no País”, destaca Palhares.


Inovação em design

Os profissionais do Centro Avançado de Desenvolvimento de Produtos (Cadep) mantêm diversos projetos nas mais variadas áreas do design. O centro foi inaugurado em 2012 e sua sede e maquinários especializados funcionam em instalações próprias da Faac, em Bauru, cujos laboratórios atendem a pesquisas conjuntas de graduação e pós-graduação da Unesp e de outras instituições científicas.

O Cadep atende também a empresas, preservando os segredos industriais. Os setores já contemplados são o automotivo, metalúrgico, moveleiro, eletroeletrônico, brinquedos, miniaturas e plásticos, entre outros. O professor Osmar Rodrigues, coordenador do Cadep, conta que a primeira incursão do centro na área da biologia foi em 2013.

Na época, o desafio proposto à sua equipe de cinco pesquisadores bolsistas foi projetar e construir, em resina biocompatível, a parte superior do bico de um tucano (foto). Bem-sucedida, a peça implantada repôs o pedaço original do bico da ave, que fora dilacerado por uma mordida de cachorro e prejudicava na alimentação e deglutição.

Novas frentes

A experiência na área veterinária abriu espaço para o desenvolvimento da peça para a cranioplastia realizada em Botucatu. Na avaliação de Rodrigues, a operação é promissora. Especialista em design, ele visualiza, agora, como desdobramento natural do trabalho, atender os demais pacientes que seguem na fila de espera de implantes do HC-FMB.

“Há também diversas possibilidades, como fornecer materiais odontológicos, pinos e implantes. Hoje, a modelagem 3D é mais precisa e mais barata do que a manual”, observa. “As tecnologias de prototipagem, modelagem e impressão tridimensional (3D) seguem disponíveis em diversos centros de pesquisa pelo mundo. Mas o grande diferencial do Cadep é mesclar a experiência adquirida na manipulação de diversos materiais e equipamentos com as técnicas mais recentes”, revela.

Serviço

Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB)
Hospital das Clínicas de Botucatu (HC-FMB)
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac)
Centro Avançado de Desenvolvimento de Produtos (Cadep-Faac)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 05/09/2015. (PDF)