Pesquisadores da USP mantêm projeto piloto usando o computador portátil em escola pública da capital, com 1,2 mil alunos
Promover a inclusão digital e revolucionar a educação nos países pobres. Essa é a proposta da organização não-governamental One Laptop Per Child (OLPC), que pretende repassar computadores portáteis para um bilhão de estudantes e professores no mundo todo. No Brasil, os responsáveis pelo projeto mantêm experiências com os protótipos do notebook em São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Piraí (RJ) e Palmas, no Tocantins.
Em São Paulo, o estudo é realizado pelos pesquisadores do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP. Desde o início do ano o grupo mantém projeto piloto com os alunos e professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Ernani Silva Bruno, do bairro de Parada de Taipas, zona norte da capital.
Roseli de Deus Lopes, professora de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica e pesquisadora do LSI, observa que baixo custo e uso simplificado não significam que o laptop em experiência seja um produto de qualidade inferior. Ela destaca o grande esforço da comunidade científica internacional para criar soluções capazes de reduzir o custo do computador até o patamar dos US$ 100.
Tecnologia e menos custo
Em São Paulo e Porto Alegre estão sendo usados 275 laptops do modelo XO doados pela OLPC. Em breve, cada escola das duas capitais receberá mais cem computadores. Em Palmas e Piraí, cada estabelecimento de ensino recebeu 400 protótipos doados pela Intel; e em Brasília serão testados 40 notebooks do modelo Móbilis, doados pela empresa indiana Encore.
“O avanço tecnológico e a produção em grande escala permitem hoje a fabricação de protótipos por US$ 175. O preço acessível é a estratégia adotada pela OLPC para permitir aos governos dos países pobres comprar os laptops”, explica.
Inovação e segurança
A professora Roseli observa que o uso do notebook amplia o repertório do aluno e potencializa seu processo educacional e de integração com os colegas, professores, família e comunidade. A ferramenta permite redigir textos, acessar a internet em redes sem fio, filmar, desenhar, brincar e fotografar, entre as possibilidades já conhecidas.
“Mesmo sem ter computador em casa, a criança sabe o que é o endereço de um site e um e-mail. Muitas vezes, troca o dinheiro da condução para frequentar lan houses. Porém, nesse ambiente não há supervisão de pais e professores e o estudante fica vulnerável a conteúdos impróprios. É papel da escola fornecer orientação e prevenir o mau uso do recurso”, salienta Roseli.
“O sucesso no emprego de novas tecnologias depende da capacitação do professor. Ele precisa entender o que atrai o aluno nos sites de relacionamento, no jogo em rede e no comunicador on-line e filtrar os conteúdos relevantes. Então, se houver necessidade, adaptar a ferramenta eletrônica para a prática pedagógica tradicional”, completa.
Proposta inovadora
Um exemplo a ser seguido é o que vem do Uruguai, aponta Roseli. Lá, os testes com o laptop começaram este ano, em Montevidéu. O Uruguai tem 600 mil estudantes do nível fundamental nas redes pública e privada e pretende, nos próximos cinco anos, distribuir um computador portátil para cada aluno. Sobre o Brasil, Roseli afirma que o desafio da inclusão digital é muito maior, por causa do tamanho, da dimensão e das desigualdades sociais. Lembra, porém, que pode ser concretizado em menos de dez anos.
“Temos 55 milhões de estudantes e professores para atender e vários fatores favoráveis: a universalização do ensino básico, a cultura e o engajamento no software livre, o comprometimento do poder público e a capacidade de montar e em breve fabricar equipamentos como esses laptops no País. Mesmo que a doação não seja possível, um financiamento com valores compatíveis nas lojas levará o equipamento básico para todos os alunos brasileiros”, acredita.
Tecnologia nacional
Uma das missões da cientista de computação Irene Ficheman é supervisionar o uso do laptop na escola. Ela recebe sugestões dos alunos e professores e propõe, a partir das informações recebidas, novas opções de uso pedagógico do recurso. Participa também do desenvolvimento de programas de computador, como o de desenho e o de educação musical.
“Em uma atividade na sala de aula, cada aluno redigia no caderno uma poesia e depois a digitava no computador. Sugeri mudar o exercício: cada um faria um trecho do texto e todos participariam. Reforcei, assim, o caráter colaborativo do projeto, uma estratégia de produção de saber universal e de qualidade, nos moldes da Wikipedia, a enciclopédia livre da internet”, exemplifica.
Irene explica que os programas instalados no laptop são diferentes dos vendidos para uso em escritório, embora ofereçam funções parecidas com as dos softwares comerciais, como redigir textos, fazer desenhos e usar gráficos e planilhas. “Esta iniciativa melhora o conhecimento de informática do estudante e o aproxima dos programas exigidos por empresas para contratar profissionais”, finaliza.
Como é o laptop
O equipamento é seguro, flexível e leve (1,5 quilo). Não usa materiais tóxicos e o pacote básico de aplicativos instalado tem somente programas de computador de código livre (open source) desenvolvidos especialmente para ele. Essa é uma das diretrizes adotadas pela OLPC na formatação do projeto.
Os componentes internos (hardware) e os programas (software) são atualizados periodicamente pela comunidade científica internacional. A configuração padrão de aplicativos inclui navegador, editor de texto, de desenho, reprodutor multimídia, leitor de livros eletrônicos e jogos educativos de português, matemática e arte musical.
O portátil de US$ 100 supera modelos convencionais em questões como mobilidade, design, ergonomia e usabilidade, tamanho, segurança, peso e resistência contra quedas. A tela é um destaque: tem mais linhas de resolução e é projetada para economizar a energia da bateria quando usada em locais abertos.
O sistema operacional é o Fedora, com uma versão enxuta do Linux. Sobre ele foi desenvolvido um ambiente denominado Sugar, que reproduz a integração da criança na sociedade e organiza o conteúdo a partir de quatro aspectos hierárquicos. A primeira noção é individual, a segunda consiste em compartilhar experiências em sala de aula com os colegas e o professor. A terceira congrega familiares e vizinhos e a última orienta a relação do estudante com o mundo.
Escola do futuro
Desde a chegada dos laptops, a comunidade da Emef Ernani Silva Bruno nunca mais foi a mesma. Tudo começou quando o professor Jorge Ferreira Franco notou desinteresse dos alunos pelo estudo do inglês. Segundo ele, os alunos achavam desnecessário aprender uma língua estrangeira, mas se interessavam pela internet, MSN, Orkut e jogos eletrônicos.
Para motivá-los, Franco estruturou o laboratório de informática e criou atividades com o computador e tecnologias da Internet para diversas disciplinas. Há três anos, liderou um grupo da escola que participou de uma oficina na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace).
Na oportunidade, conheceu e aproximou-se da equipe do LSI. Na escolha da escola para o projeto piloto do uso do laptop no Estado, pesou o envolvimento da comunidade com as atividades ali realizadas, a baixa rotatividade de professores e a disposição coletiva em oferecer ensino de qualidade.
Fazendo a diferença
Franco contribui com o treinamento dos 60 professores e 35 alunos monitores para trabalhar com os 275 notebooks cedidos à escola. Seu esforço individual soma-se a um processo de mudança coletiva de rumos e mentalidades na escola, que vem sendo ampliado há quatro anos com a vinda de um novo diretor.
No LSI, Franco cursa doutorado e pesquisa o emprego de novas tecnologias na educação e explica por que: “Na era da informação, o conhecimento só tem sentido se puder ser compartilhado e promover a inclusão social”.
O sucesso da experiência piloto despertou o interesse de muitas famílias em matricular seus filhos na escola. A escola fica na periferia, próxima a mais duas escolas públicas. Outro fator foi o surgimento do aluno monitor, um serviço voluntário realizado em esquema de revezamento antes e depois do horário de aula.
Esse monitor oferece suporte técnico para os professores nas atividades com os laptops. O primeiro deles foi Wilson Roberto, de 14 anos. Bem-sucedido na tarefa, hoje orienta os demais monitores. Com a informática, diminuiu a timidez, fez novos amigos e obteve reconhecimento. “Fico agora mais tempo na escola e estou com novos projetos. Entre eles, a criação de um site para o proprietário de uma loja de vidros da Cohab Brasilândia”, explica.
Uso pedagógico
Um ponto positivo notado pela professora Edna de Aquino foi o aumento da frequência e das médias escolares. “De acordo com o conteúdo da aula, posso usar sites como Turma da Mônica, Menino Maluquinho e Racha a Cuca, uma homepage indicada pelos monitores que possui ótimos enigmas matemáticos”, explica. “Porém muitas atividades são feitas sem o computador. O uso é racional”, ressalva.
Edna Telles, coordenadora pedagógica, afirma que há sempre aprimoramento do uso do computador na escola. Uma das técnicas empregadas é dividir a classe em grupos de alunos e usar um correio eletrônico gratuito e compartilhado para a troca de mensagens entre colegas e com a professora.
“É possível sempre inovar no uso do computador. O LSI nos dá sugestões e há espaço para alunos e professores proporem atividades. Em uma visita à Estação Ciência da USP, um grupo de estudantes produziu vídeos e fotos com a webcam do laptop. O conteúdo foi depois compartilhado com quem não pôde ir”, lembra a coordenadora.
Uso aprovado
Os alunos Ágata Santos, Igor Silva, Gabriel Passarelli e Mariane Duarte aprovaram a novidade. Para eles, a aula com o computador é a mais esperada do dia. “Pena que dura só uma hora. O mais legal é ter a companhia dos colegas para fazer as atividades”, contam.
Edna explica que muitos tinham dificuldade de leitura e escrita e com o uso do e-mail. Perceberam, na prática, que a mensagem enviada só chega ao destinatário se o endereço for digitado corretamente.
Nessa fase do projeto ainda não há um laptop disponível para cada um dos 1,2 mil alunos. A solução, explica Edna, foi fazer um planejamento de uso e oferecer o computador para todos.
“Foi interessante. Cada estudante criou o hábito de colocar uma etiqueta com seu nome e sempre recarregar o aparelho para o colega da próxima turma. Quando chegarem unidades adicionais, o aluno ficará em definitivo com o computador e poderá levá-lo para casa e interagir com familiares e vizinhos, em vez de deixá-lo guardado na escola”, prevê.
O laptop provocou mudanças também na configuração dos móveis. Cada carteira teve instalada uma tomada para recarga de energia. E um carrinho especial foi desenvolvido pelo LSI para transportar e guardar os computadores com segurança.
Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 12/09/2007. (PDF)