Vem aí o primeiro satélite lunar brasileiro de pesquisa

Integrado por cientistas da USP e pesquisadores de empresas e de diversos centros de estudos aeroespaciais, Projeto Garatéa-L lançará, em 2020, sonda para estudar os efeitos do ambiente espacial sobre a vida

Lançar, em dezembro de 2020, a primeira sonda interplanetária brasileira rumo à órbita lunar. Eis a proposta de um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e de pesquisadores de centros de estudos públicos e privados nacionais e de empresas de tecnologia (startups).

Batizado de Garatéa-L, o projeto pioneiro e multidisciplinar é coordenado pelo engenheiro aeroespacial Lucas Fonseca, docente convidado da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) e pelo astrobiólogo Douglas Galante, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Originária do tupi-guarani, a palavra garatéa significa ‘busca-vidas’ e traduz um dos principais objetivos da expedição científica: investigar os efeitos do ambiente espacial sobre diferentes formas de vida existentes na Terra.

A letra L, acrescentada no final do nome do projeto, faz menção à Lua, um ambiente onde as condições de sobrevivência são consideradas extremas, devido à radiação, às variações de temperatura e à inexistência de barreiras de proteção à vida existentes na Terra, como a atmosfera e o campo magnético, formado pelos metais líquidos presentes em seu subsolo.

Essenciais

São muitas as respostas a serem buscadas com a missão. Segundo seus idealizadores, Fonseca e Galante, algumas delas serão essenciais em planejamentos futuros de missões tripuladas a corpos celestes, considerando o atual desconhecimento sobre quais efeitos o corpo humano sofreria após passar um mês ou mais tempo na Lua ou em Marte.

Além da dupla, os principais pesquisadores participantes do projeto são Fábio Rodrigues, do Instituto de Química (IQ) da USP; Daniel Varella, da EESC-USP; Otávio Durão, Fátima Matiello e José Sérgio de Almeida, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Luís Loures e Lídia Shibuya, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA); Thais Russomanno, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS); e Vanderlei Parro, do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).

Interplanetárias

Estudar em tempo real os efeitos do chamado espaço profundo em colônias de micro-organismos abrigadas em um nanossatélite do tipo CubeSat é um dos pilares principais do projeto. Esse viés de astrobiologia do projeto ajuda a ciência a tentar explicar a origem, a evolução e o futuro de diferentes formas de vida na Terra, assim como investigar essa questão em outros astros.

“A busca por vida fora da Terra necessariamente passa por entender como ela pode lidar com – e eventualmente sobreviver a – ambientes de muito estresse, como é o caso da Antártica, dos Andes e do Deserto do Atacama, onde já fizemos estudos. Agora iremos repeti-los na órbita lunar”, explica Galante.

Fonseca, seu parceiro na coordenação do Garatéa-L, foi o único cientista brasileiro a integrar a Missão Rosetta, projeto da Agência Espacial Europeia (ESA, sigla em inglês). Em 2004, o consórcio europeu de pesquisa lançou uma nave em direção à órbita do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Dez anos depois, os cálculos realizados estavam certos – e um robô saído da sonda conseguiu aterrissar, coletar materiais do solo, como água, e fotografar. Desde então, as viagens interplanetárias evoluíram e aumentou a compreensão sobre como ocorreu a formação dos planetas do sistema solar, entre outras questões.

Balão

Formado na EESC-USP em 2007, Fonseca atualmente divide com o engenheiro eletricista Daniel Varella, docente da instituição e também participante do Garatéa-L, a coordenação do grupo extracurricular Zenith. Baseada na EESC-USP e composta por 30 alunos de graduação e pós, a equipe dedica-se a diversos estudos aeroespaciais, em especial, projetar e construir balões atmosféricos, um tipo de experimento que norteará diversas etapas do CubeSat brasileiro.

Capaz de subir até 35 quilômetros de altura antes de estourar, esse tipo de balão possibilita diversas experiências com engenharia e áreas afins do Garatéa-L, como radiação ionizante e ultravioleta em bactérias e pigmentos e a coleta em tempo real de dados atmosféricos. No dia 19, às 11 horas, o grupo Zenith lançará, no câmpus II da USP São Carlos, um balão atmosférico. Quem quiser pode assistir e acompanhar, inclusive ajudar a resgatar a sonda depois da queda. Mais informações a respeito podem ser obtidas no Facebook do grupo (ver serviço).

Internacional

Em 2013, depois de cursar pós-graduação na França e trabalhar para o governo alemão, Fonseca retornou ao País e criou sua empresa, a Airvantis, cujo projeto principal é o Garatéa-L, isto é, desenvolver e lançar o primeiro CubeSat nacional interplanetário. Esse modelo de sonda espacial surgiu no meio acadêmico na década de 1990, sendo hoje usado pela NASA (agência espacial dos Estados Unidos) e por 250 universidades de 70 países.

No Brasil, Inpe e ITA mantêm pesquisas com CubeSats – e entregarão o da missão Garatéa-L em setembro de 2019. O nanossatélite nacional será formado por seis cubos, cada um com dez centímetros de lado e dispostos em duas fileiras de três unidades cada uma. A sonda viajará para a órbita lunar na nave-mãe britânica Pathfinder com outros quatro dispositivos semelhantes fabricados por outros países, com diferentes objetivos.

Para ir à Lua, o projeto brasileiro foi selecionado em edital científico promovido neste ano pela SSTL, empresa privada britânica, com apoio da ESA, e pela agência espacial do Reino Unido (UK Space Agency). A Pathfinder seguirá para o espaço no foguete indiano PSLV-C11, o mesmo da bem-sucedida missão lunar Chandrayaan-1, realizada em 2008.

Soberania

O projeto tem custo estimado de R$ 35 milhões, dinheiro que será captado em órgãos de fomento à pesquisa (instituições públicas e privadas e empresas). “Queremos gerar inovação e soberania e inserir o Brasil em uma corrida tecnológica já iniciada na Europa e nos Estados Unidos”, explica Fonseca. “Em vez de importar uma sonda, vamos construí-la no País, para desenvolver muitas das tecnologias necessárias e formar pessoal especializado”, ressalta.

Eventuais interessados em participar ou acompanhar o Garatéa-L devem entrar em contato pelo site ou pela fan page do projeto no Facebook (ver serviço). “Além de parceiros científicos, o grupo busca empresas de quaisquer áreas para patrocinar o projeto, considerando o seu ineditismo e diversas outras questões, como as possibilidades de explorar a jornada inédita e também as imagens geradas da órbita lunar em tempo real”, destaca. “Empreender sem depender apenas de dinheiro estatal é outra aposta do projeto”, finaliza Fonseca.

Serviço

Missão Garatéa-L
Facebook
EESC-USP
Grupo Zenith
Lançamento de balão atmosférico

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 14/12/2016. (PDF)

USP vai ganhar o primeiro Laboratório de Astrobiologia do Hemisfério Sul

Instalado em Valinhos, o centro multidisciplinar vai estudar a origem da vida na Terra e em outros planetas

A Universidade de São Paulo (USP) abrigará até o final do ano o primeiro Laboratório de Astrobiologia do Hemisfério Sul. O centro de estudos brasileiro está sendo instalado em Valinhos, no Observatório Abrahão de Moraes, ligado ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. A previsão é que comece a funcionar em 2010.

Orçado em R$ 1 milhão, o laboratório recebeu financiamento federal do recém-criado Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Espaço (INEspaço). Será usado pela comunidade científica brasileira e internacional para achar respostas para as três principais questões da Astrobiologia: Como a vida surgiu e evoluiu no nosso planeta? Existe vida fora da Terra? Qual o futuro da vida aqui e nos outros corpos celestes?

De perfil multidisciplinar, a Astrobiologia envolve conceitos de Astronomia, Biologia Molecular, Química, Meteorologia, Geofísica e Geologia. Os estudos são realizados a partir de cálculos teóricos e grande parte dos dados obtidos virá da câmara simuladora de ambientes, o principal equipamento do novo laboratório.

A câmara de simulação planetária do laboratório será revestida de aço inox e é capaz de reproduzir condições e ambientes extraterrestres. O equipamento é projetado para analisar parâmetros de temperatura, pressão, composição gasosa e fluxo de radiação, entre outros. Permite, também, avaliações em tempo real das pesquisas em andamento.

Extraterrestres

Segundo Douglas Galante, pesquisador do IAG, muitos experimentos do laboratório serão feitos com os extremófilos – micro-organismos capazes de sobreviver em condições ambientais extremas, como a ausência de luz solar, exposição a radiação, sal, níveis muito altos e baixos de pressão, temperatura, água e oxigênio.

“Essas características fazem deles bons modelos para pesquisas com organismos extraterrestres”, explica. O pesquisador informa que o laboratório também investigará outros temas, como reações químicas ocorridas em gelos de cometas e a penetração de radiação em diversos tipos de solo.

A instalação do laboratório ocorrerá em duas etapas: na primeira, serão aproveitadas as atuais instalações do observatório. Na seguinte, será erguido o edifício próprio do centro de pesquisa.

O prédio será construído numa área de 625 metros quadrados e o projeto prevê incluir soluções para o consumo sustentável de água e de eletricidade. Quando estiver finalizado, o centro abrigará também laboratórios de apoio de Química e Biologia, ambos com infraestrutura e equipamentos de informática adequados para a pesquisa teórico-experimental.

Para a ciência, vida extraterrestre significa a capacidade de um organismo qualquer, mesmo microscópico, sobreviver em meteoritos, planetas como Marte ou ainda em outros corpos celestes. Essas formas de vida podem ter surgido em processos totalmente independentes dos da Terra, ou ainda possuir origem comum, viajando no espaço e chegando aos planetas, no fenômeno conhecido por panspermia.

Da mesma forma, a vida na Terra pode ser fruto de outro planeta ou pode ter-se originado a partir de precursores formados no ambiente espacial. Moléculas orgânicas como aminoácidos, já encontradas no meio interestelar, em meteoros e cometas, podem ter chegado à Terra, participando do surgimento da vida há bilhões de anos.


Um lugar para ver estrelas

Criado em 1972, em uma área verde e preservada de 450 mil metros quadrados, o Observatório Abrahão de Moraes começou a perder potencial científico duas décadas depois. O motivo foi o crescimento da iluminação e a urbanização de Vinhedo, local por onde se chega ao centro de Valinhos, cidade em que está instalado.

Em 1995, um dos telescópios foi automatizado e pesquisas de alto nível puderam voltar a ser realizadas. Hoje, o observatório possui três equipamentos para observação: o Obelix, o Argus e o Prometeu. A inovação permitiu transformar o local em centro de divulgação científica permanente para grupos de até 40 estudantes do ensino médio e fundamental.

A visita pode ser diurna ou noturna e todas as atividades oferecidas pelo observatório são gratuitas. O agendamento dos grupos é feito pelo telefone (19) 3886-4439. No ano passado, 1,8 mil alunos conheceram o local. Além da visitação, a escola interessada pode também operar pela internet os telescópios e assim propor atividades ligadas à observação astronômica.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 05/09/2009. (PDF)