Programa utiliza sistema de mutirão que reduz o custo de cada residência de R$ 35 mil para R$ 14 mil e está presente em 536 cidades paulistas
O Programa Prolar Autoconstrução, da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), festeja dez anos de atuação. Nesse período, financiou a construção de 29 mil casas e apartamentos populares; e mais 26 mil estão em fase de obras. A iniciativa é parceria entre o Estado (que financia os imóveis), prefeituras (que supervisionam as obras) e os futuros moradores (que erguem as novas casas em regime de mutirão). O custo da edificação por esse sistema cai de R$ 35 mil – valor cobrado pelas empreiteiras por unidade habitacional – para R$ 14 mil.
O programa está presente em 83% dos 645 municípios paulistas, com conjuntos habitacionais em 536 cidades. Consulta sobre as moradias, realizada pela Secretaria da Fazenda com os moradores, no final de 2004, obteve 94% de conceitos ótimo e bom na avaliação dos mutuários.
O objetivo principal dessas iniciativas da CDHU é atender a população de baixa renda, cuja soma de rendimentos familiares não ultrapassa dez salários mínimos. Além disso, para concorrer aos sorteios, é preciso ser morador da cidade há pelo menos três anos e não possuir outro imóvel nem participar de qualquer outra modalidade de financiamento habitacional.
Cada casa tem 43 metros quadrados de área construída, com dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. O projeto das residências reserva espaço para a ampliação de mais dois quartos, a critério do morador. Para receber a escritura definitiva da habitação, o mutuário paga prestações mensais de R$ 45. O prazo do financiamento é de 25 anos.
Em média, cada conjunto habitacional dispõe de 150 moradias e demora dois anos para ser finalizado – desde a proposta inicial da prefeitura até a entrega e o sorteio das casas prontas. Cerca de 5% das unidades são reservadas para pessoas idosas e outros 7% são destinados a portadores de deficiência ou seus familiares.
União e entrosamento
O superintendente de gestão do Prolar Autoconstrução, Arnaldo Negri, ressalta que a ação é estruturada com base no tripé qualidade, prazo e custo. Tem como proposta propiciar moradias dignas, erradicar favelas, áreas contaminadas e de risco e reduzir o déficit habitacional no Estado.
De 1995 até 2001, a CDHU entregou, somando-se todos os programas habitacionais, 136 mil unidades. Em apenas 11% delas foi adotado o sistema de autoconstrução. De março de 2001 até hoje, o mutirão foi utilizado em 17 mil das 73 mil novas casas. Assim, a opção por essa modalidade cresceu 23%. Nos 50 mil novos lares em construção pela companhia, 26 mil também são em mutirão – mais da metade.
Negri comenta que o empenho das prefeituras é fundamental para o sucesso dos loteamentos. Para auxiliá-las, a CDHU fornece, após a assinatura do convênio, a tipologia do empreendimento e a planilha de custos com a quantidade do material de construção: pregos, cimento, ferro e outros itens. “Os prefeitos recebem toda a orientação e suporte para que a obra transcorra sem interrupção”, explica.
Outro apoio é das 13 regionais da CDHU – duas na capital e 11 no interior. Depois do sorteio e da efetivação da inscrição, o cidadão recebe a denominação de “mutirante” e passa a ser mutuário. Quando convocado para o trabalho no canteiro de obras, forma-se a noção de comunidade. “A união e o entrosamento entre os futuros vizinhos, que tocam as obras juntos, reforçam os vínculos, estimulam o sentimento de união para o bem-estar coletivo”, observa o superintendente.
Ricardo Costa, gerente de controle de informações da CDHU, explica que o Prolar deu continuidade ao antigo Programa Sonho Meu, que ganhou novas diretrizes, como modalidades específicas de conjuntos habitacionais, sem sorteio, direcionados para habitantes de favelas e de áreas de risco notificadas pela Defesa Civil – moradores de encostas, torres de transmissão de eletricidade e vítimas de enchentes.
Outra inovação foi o Qualihab, exigência de certificação dos materiais de construção, fios, cabos e produtos utilizados nas obras. O fornecedor interessado em participar das licitações e vender suas mercadorias encontra no site da CDHU informações de como proceder para obter o credenciamento, feito pela Fundação Vanzolini e por entidades reconhecidas pelo Estado. Além de garantir a qualidade e a segurança dos materiais empregados, o Qualihab assegura o fornecimento e a entrega dos pedidos. Se um fornecedor não honrar seus compromissos, a própria rede de fornecedores indica outro. Dessa maneira, a obra nunca é paralisada por falta de material.
Selo do mérito
Em 2003, a CDHU criou o Programa Lotes Próprios, que oferece financiamento individual, no valor de R$ 14 mil, para o cidadão de baixa renda que possua um terreno quitado e regularizado e não tem recursos para fazer sua moradia. São destinados R$ 9,4 mil para o material de construção; R$ 3,4 mil para a contratação de profissionais especializados (engenheiros); R$ 520 para despesas com cartório; R$ 350 para o gerenciamento da obra e, o restante, para despesas gerais. O solicitante tem 20 anos para quitar as prestações.
Outras linhas de atuação da CDHU são os financiamentos para boias-frias, no interior, e o convênio assinado com a Fundação Instituto de Terras do Estado (Itesp), que atende famílias assentadas na região do Pontal do Paranapanema. Tania Wakisaka, gerente de planejamento estratégico da companhia, afirma que os programas oferecem moradias e contribuem para minimizar problemas urbanísticos, como a utilização irregular do solo e de áreas de mananciais.
Nessas situações, não há sorteio para distribuição das casas, e todos os moradores são transferidos para o conjunto habitacional, que segue padrões técnicos de edificação, recebe assistência técnica e obedece às regras de ocupação dos lotes. Dessa maneira, são evitados erros de autoconstrução comuns na periferia.
O engenheiro Márcio Gaban, do Prolar Autoconstrução, informa que os conjuntos residenciais também preenchem vazios urbanos e aproveitam a infraestrutura disponível para os moradores. Segundo Gaban, o Prolar concorreu com programas habitacionais de outros Estados e conquistou, em 2004, o Selo do Mérito da Associação Brasileira de Cohabs (ABC).
Bons resultados do programa se devem à soma de esforços
A CDHU, órgão da Secretaria da Habitação, estuda a viabilidade de cada empreendimento, o cadastramento e a seleção, por sorteio, do nome dos interessados. Posteriormente, repassa aos municípios verbas para a aquisição de materiais de construção, ferramentas, administração de obras, treinamento de pessoal e recursos incidentes no financiamento a ser concedido aos beneficiários.
Além disso, a Secretaria também fiscaliza a execução das obras de edificação e de infraestrutura, orienta as equipes técnicas das prefeituras e habilita as famílias a elaborar o plano de comercialização das unidades habitacionais. Por fim, verifica e aprova as contas apresentadas pelos municípios e é também responsável por cobrar as prestações dos financiamentos.
À prefeitura cabe ceder o terreno, orientar os candidatos sobre a documentação necessária para participar, definir o cronograma dos trabalhos e, com recursos próprios, realizar as obras de terraplenagem e de infraestrutura básica: redes de água, esgoto e elétrica, postes de iluminação, sarjetas e asfaltamento. Responde também pelas tarefas de administrar e assessorar as obras feitas pelas famílias e zelar pela segurança da obra e dos envolvidos na construção.
Araraquara: Parque Residencial São Rafael está quase pronto
O nome do loteamento foi escolhido por meio de votação entre os moradores. Os coordenadores de mutirão e de serviços também. A perspectiva de futuros vizinhos construírem em parceria a casa própria e constituírem laços de amizade e de solidariedade motivou os mutirantes do Parque Residencial São Rafael, em Araraquara, a dar início às obras de suas residências. O conjunto residencial é dividido em dois grupos: o primeiro, com 92 casas, será inaugurado no final deste mês; o outro, com cem unidades, será entregue no mês de março.
A arquiteta Mara Gomes, coordenadora municipal de habitação, comanda o canteiro de obras. Explica que o mutirão começou em setembro de 2003 e a jornada de trabalho diário era das 8 às 17 horas. Cada mutirante, com idade mínima de 18 anos, pôde escolher o dia da semana e o horário para trabalhar. Na impossibilidade de comparecer, podia enviar algum familiar ou amigo no lugar.
“Foi comovente ver as demonstrações de afeto entre as pessoas, que se reencontravam todos os finais de semana. O grupo avaliava cada atitude individual e a classificava como positiva ou negativa. Os mais esforçados, solidários e disciplinados puderam escolher suas casas, e tiveram seu valor reconhecido pelos demais. No final, não foi preciso de sorteio, e todos ficaram satisfeitos com seu imóvel”, observa Mara.
Assembleia semanal
O andamento da obra era discutido coletivamente, na assembleia semanal, realizada aos sábados. Na véspera, Mara produzia um boletim informativo e distribuía a todos, dando conta do andamento das obras e estimulando as cerca de 300 pessoas comprometidas com a tarefa. Nesses encontros, surgiram soluções como a creche comunitária, para atender às mães que trabalharam nas obras.
Cuidar das crianças foi ocupação repassada para outras trabalhadoras participantes do mutirão. Foi bem-sucedida também a experiência da cozinha coletiva. Muitos não tinham tempo de preparar marmita e, pagando R$ 1,50, podiam encomendar no canteiro de obras seu almoço. Os gêneros alimentícios eram cedidos pelo Supermercado Patrezão, que doava em média dez caixas semanais de mantimentos. A renda revertia para a “caixinha” dos moradores.
Feijoada
Os sete coordenadores de serviço foram eleitos pelo grupo. Eram serventes, eletricistas e profissionais com experiência de construção, capazes de executar o trabalho e ensinar os demais.
O pedreiro Elvis Freitas mostrou aos outros mutirantes como lidar com alvenaria e assentar blocos. “Depois de um mês, a maioria já sabia fazer direito. Uma das colegas se saiu tão bem que passou a fazer bicos na construção civil”, conta Elvis.
A mutirante Teresa Regina Grande, 39 anos, foi eleita pelos demais para cuidar das fichas de horário de entrada e saída no trabalho. Viúva e mãe de uma filha, foi considerada pelo grupo modelo de persistência e dignidade. Apelidada de Tetê, organizou feijoada para conseguir recursos adicionais e deu início à coleta de latinhas de bebida, garrafas PET e sucatas. O dinheiro arrecadado ia para a “caixinha” e era utilizado em pequenos consertos, como troca de fechaduras, por exemplo.
A assistente social Daniela Legendre, da prefeitura, trabalhou na seleção das pessoas e identificou as habilidades que cada um poderia oferecer ao grupo. Esteve presente em todas as fases da construção, mediou conflitos e promoveu dinâmicas coletivas para reforçar a autoestima de todos. Além disso, estimulou a solidariedade e discutiu coletivamente questões como racismo, doenças sexualmente transmissíveis e problemas de relacionamento. “O sentimento de cidadania foi despertado e muitos passaram a ter consciência de seu potencial”, observa.
Rosimeire Maurício, 39 anos, apelidada de Formiga pela sua disposição, é auxiliar de cozinha e colaborou em várias tarefas. Abriu valas para receber o encanamento, ajudou na cozinha e na creche comunitária e pintou todos os rodapés do conjunto habitacional.
Edna Martins de Freitas, há 40 anos em Araraquara, vai morar com o filho na casa de número 291 do conjunto habitacional. Seu imóvel foi o primeiro a ficar pronto, e inspirou os demais.
Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 11/10/2005. (PDF)