Tecnologia com sustentabilidade no controle biológico de pragas

Programa do IB da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento orienta produtor rural de todos os portes do País e presta consultoria sob medida

Desde o início da década de 1970, o Instituto Biológico (IB), órgão da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (SAA), pesquisa e desenvolve técnicas de controle biológico de pragas para diminuir o uso de agrotóxicos nas lavouras. De acordo com o engenheiro agrônomo Antonio Batista Filho, diretor-geral do IB, essa tecnologia atende à crescente demanda da sociedade por alimentos cada vez mais saudáveis, como os orgânicos e os certificados, e também oferece alternativa mais segura para trabalhadores rurais e consumidores.

“As propostas principais do Programa de Inovação e Transferência de Tecnologia em Controle Biológico (Probio) do IB são gerar novos conhecimentos, desenvolver projetos sustentáveis e atender propriedades rurais de todos os portes do País”, informa Batista Filho. Segundo ele, essa atividade com viés de preservação ambiental remonta à fundação do centro de pesquisa paulista fundado há 90 anos. Na época, uma comissão científica, liderada por Arthur Neiva, teve com missão se unir para debelar uma infestação de broca-do-café (Hypothenemus hampei) no Estado.

Sanidade vegetal

O combate ao besouro daninho no século passado combinou ações em silos e sacarias com a inspeção de 50 milhões de pés de café em 1,3 mil propriedades paulistas. Bem-sucedida, essa operação do IB no campo paulista prosseguiu com estudos de taxonomia, isto é, com a descrição, identificação e classificação das pragas, entre outras pesquisas e serviços na área de entomologia, seção da biologia dedicada ao estudo dos insetos e de suas relações com os humanos, outras espécies e o meio ambiente.

“Ao longo das décadas, os resultados foram a criação da Sociedade Brasileira de Entomologia e a formação da coleção de insetos do instituto, uma das maiores da América Latina, entre outros desdobramentos”, explica o especialista, integrante do quadro funcional do IB desde 1983 e doutor em em entomologia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). Hoje, destaca o diretor-geral, o atendimento ao produtor na área de controle biológico é realizado com materiais didáticos, orientação técnica gratuita nos canais de atendimento do Probio (ver Serviço na pág. II) e consultoria sob medida.

Essa ação especializada segue a necessidade de cada solicitante. Inclui orientação sobre como produzir organismos como fungos, bactérias e vermes nematoides, os principais agentes usados no controle biológico. Além de fornecê-los e revelar em qual momento do cultivo devem ser liberados, indica como construir biofábricas para produzi-los, capacitar pessoal para o manejo deles e elaborar laudos de confirmação de parasitoides, organismos capazes de se alojarem no corpo de uma outra espécie e causarem a morte da praga, entre outras possibilidades.

Predador natural

Um dos agentes biológicos mais requisitados do IB são os ácaros desenvolvidos pelo pesquisador Mário Eidi Sato, do Centro Experimental de Campinas. “Não há risco de eles se tornarem novas pragas nas lavouras”, comenta. “Além disso, o controle biológico também preserva os polinizadores, fundamentais para a produção agrícola, como, por exemplo, as abelhas, assim como evitam o acúmulo de resíduos em alimentos, no meio ambiente, e nos aplicadores dos defensivos”, destaca.

Segundo Sato, os ácaros predadores já são usados regularmente em plantios de morango, framboesa, tomate, citros e de café e podem ser empregados em cem culturas. “Para um produtor instalar uma biofábrica e passar a produzi-los em sua propriedade, o investimento parte de R$ 1 mil”, esclarece.

Plantas viçosas

Um caso de sucesso é a biofábrica da Associação dos Floricultores da Região da Via Dutra (Aflord), inaugurada em agosto de 2016. Dois anos antes, o grupo de produtores de plantas ornamentais de Arujá solicitou palestra sobre controle biológico, por meio do Programa de Sanidade em Agricultura Familiar (Prosaf) do IB. Sato foi então à sede da entidade capacitar o grupo de 64 associados sobre como enfrentar o ácaro-rajado (Tetranychus urticae) – ao longo dos anos, essa praga desenvolveu elevada resistência aos pesticidas, um problema comum causado pelos agroquímicos.

Segundo Sandra Shinoda, agrônoma da Aflord, “alguns floricultores chegavam a aplicar, sem sucesso, três agrotóxicos diferentes, duas vezes por semana, com eficiência de 20%, ou seja, 80% das pragas seguiam vivas e se reproduzindo. Com o controle biológico, a eficiência na eliminação saltou para 95%. Hoje, 30 deles a adotam. Carlos Kibe, de Arujá, é um deles.

Treinado pelo Prosaf em 2016, ele passou a usar os ácaros predadores nos quatro hectares de sua propriedade. “Produzo flores há mais de 50 anos e os agroquímicos não davam mais conta do ácaro-rajado. Com os programas do IB, reduzi 70% dos gastos com defensivos e a praga está controlada”, comenta o produtor de 150 mil vasos de orquídeas, comercializados em Campinas, São Paulo e Holambra.

Portfólio

Especialista na produção de vermes nematoides para controlar insetos de solo, como o bicudo (Sphenophorus levis), infestação típica dos canaviais, o agrônomo Luís Garrigós Leite, também do Centro Experimental de Campinas, destaca o fato de muitos projetos “combinarem uma ou mais espécies de agentes para predarem, parasitarem ou infectarem a população da praga”, observa.

Como exemplo, cita o trabalho de seu colega Valmir Antonio Costa, um dos entomologistas responsáveis pela identificação de parasitoides e pela coleção do IB, hoje base de consulta científica para 120 institutos de pesquisa brasileiros e estrangeiros e também especialista no estudo e identificação da vespa Cotesia flavipes.

Essa espécie é usada para debelar a broca-dos-canaviais (Diatraea saccharalis), mariposa com impactos severos no rendimento industrial da produção. Atualmente, 55 empresas recebem assessoria do IB para produzir e comercializar bioinseticidas naturais usados em 12 Estado brasileiros – e, em 2018, quatro novos contratos foram assinados.

Serviço

Probio
Telefone (11) 5579-4234
E-mail batistaf@biologico.sp.gov.br


Fungo elimina até 70% das cigarrinhas-da-raiz nos canaviais

Cepa do Metarhizium anisopliae combate a praga em 400 mil hectares de plantações no Estado; Usina São João, em Araras, emprega o controle biológico do IB desde o ano 2000

Sediada em Araras, a Usina São João (USJ) foi um dos primeiros empreendimentos rurais a adotar as inovações em controle biológico desenvolvidas pelo IB. Iniciada no ano 2000, essa parceria é coordenada pelo agrônomo José Eduardo Marcondes de Almeida e consiste em aplicar uma cepa especial do fungo Metarhizium anisopliae nos plantios de cana-de-açúcar da empresa. A medida reduz em até 70% as populações de cigarrinha-da-raiz (Mahanarva fimbriolata), uma das pragas de maior impacto para o setor sucroenergético. Atualmente, as linhagens do micro-organismo a combatem em 400 mil hectares de canaviais paulistas.

No Brasil, o controle biológico das cigarrinhas começou no final da década de 1960, com os pesquisadores Maria de Lourdes Aquino e Pietro Guagliomi, do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), ligado ao Governo federal. Em trabalho de campo realizado no município de Campos (RJ), a dupla identificou exemplares da cigarrinha-das-folhas (Mahanarva posticata) infectados pelo Metarhizium, um parasitoide da praga – e levaram amostras para o IPA, a fim de estudá-las e desenvolver um bioinseticida a partir deles.

Prova de campo

O primeiro teste dos pesquisadores com o Metarhizium foi realizado em canaviais de Pernambuco. Os resultados satisfatórios obtidos motivaram novas avaliações no Estado vizinho de Alagoas e, finalmente, a experiência foi estendida, também com sucesso, em campos de todo o País. Em São Paulo, recorda Almeida, o estudo do Metarhizium foi aprofundado a partir dos anos 2000, e sua multiplicação para a pesquisa é realizada em cultivos de arroz.

No território paulista, a promulgação do Decreto Estadual nº 42.056/1997 (ver Serviço) determinou o fim das queimadas e acelerou a mecanização das colheitas, entretanto, mudou também o panorama agroecológico nos canaviais. Antes exterminada pelo fogo, a cigarrinha-da-raiz, espécie ‘parente’ da cigarrinha-das-folhas, passou a se reproduzir sem controle, trazendo prejuízos significativos. “Para resolver o problema, produtores, governos e a ciência nacional se uniram para combatê-la, inclusive tendo recebido apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) e da Esalq/USP”, conta Almeida.

Parceria

De acordo com o agrônomo Ricardo Bueno, coordenador de processos agrícolas da Usina São João (USJ), a empresa busca sempre a sustentabilidade em seus processos. Como exemplo, cita o emprego desde 1976 da vespa Cotesia flavipes para debelar a broca-dos-canaviais. A partir de 1998, recorda, todo o setor sucroalcooleiro nacional foi impactado pela cigarrinha-da-raiz. A usina montou em sua sede, em Araras, um laboratório para produzir o fungo Metarhizium anisopliae, e assim combater a cigarrinha em suas lavouras.

Fernando Palma, gerente agrícola e colega de Ricardo, conta terem sido usadas como matrizes no laboratório amostras de cigarrinhas contaminadas pelo fungo encontradas na própria região. “Não tivemos o retorno esperado, havia muitas dificuldades técnicas a serem superadas”, revela o também agrônomo da USJ. “Recorremos então ao pesquisador Almeida, do IB. Ele nos orientou a gerar na biofábrica da usina uma cepa mais agressiva e voraz do Metarhizium”, revelou Palma.

Inovação

“Passamos a usar matrizes do fungo vindas da coleção entomológica do Instituto Biológico. O processo então deslanchou e esse apoio tecnológico do IB segue até hoje”, explica. Hoje, o fungo produzido em Araras é aplicado como bioinseticida em 20 mil hectares plantados pela USJ. “Este insumo é primordial para a empresa produtora de açúcar, etanol e energia, cujo parque industrial processa anualmente 3,8 milhões de toneladas de cana”, salienta Palma. Na avaliação de Ricardo e Fernando, o apoio do setor público é “fundamental” para todas as cadeias agropecuárias brasileiras, por reverter em mais conhecimento, renda e empregos para toda a sociedade.

Com relação ao setor canavieiro, dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), na safra brasileira 2016/2017, o Estado de São Paulo liderou o ranking nacional de moagem de cana e produção de açúcar e etanol (anidro e hidratado), com 56,14% do volume total, sendo seguido por Goiás, com 10,37% e Minas Gerais, com 9,74% (ver tabela). “Assim, medidas como o controle biológico, capazes de proteger essa riqueza e de preservar o meio ambiente, são importantes e devem ser ampliadas”, concluem os agrônomos da USJ.

Moagem de cana-de-açúcar e produção de açúcar e etanol – safra 2016/2017

Estado Cana-de-açúcar (mil toneladas) Açúcar (mil toneladas) Etanol anidro (mil m³) Etanol hidratado (mil m³) Etanol total (mil m³)
São Paulo 365.990 24.248 6.151 7.046 13.197
Goiás 67.630 2.102 1.313 3.072 4.384
Minas Gerais 63.516 3.993 1.193 1.448 2.641
Mato Grosso do Sul 50.292 1.735 807 1.902 2.709
Paraná 40.417 3.060 616 739 1.355
Mato Grosso 16.343 398 524 696 1.221
Outros Estados 50.623 3.201 987 761 1.747
Brasil 651.841 38.734 11.589 15.665 27.254

Fonte: Unica

Serviço

Grupo Usina São João (USJ)
Decreto Estadual nº 42.056/1997 (fim das queimadas)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente nas páginas I, II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 23/05/2018. (PDF)