Laboratório avalia qualidade do mel e pólen brasileiros

Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP analisam o valor nutricional dos produtos apícolas e prestam assistência a apicultores; País tem condições de aumentar produção e consumo

Avaliar a qualidade dos produtos apícolas nacionais é uma das principais tarefas de equipe do Laboratório de Análise de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP). Liderado pela professora-doutora Ligia Muradian, o trabalho, iniciado nos anos 1990, também estuda o valor nutricional dos produtos vindos da colmeia e a presença de compostos bioativos neles.

A análise das amostras avalia a composição e outras características nutricionais desejáveis do mel tradicional, produzido pela abelha africanizada (Apis melifera sp), espécie híbrida, derivada do cruzamento de raças europeias e africanas. O serviço contempla também outros produtos apícolas, como geleia real, própolis e o pólen apícola, possibilitando à comunidade científica ampliar a investigação do mel produzido por abelhas sem ferrão, ou seja, das espécies nativas brasileiras.

O pólen apícola é uma opção indicada por nutricionistas como complemento de uma alimentação saudável. Pode ser ingerido com frutas, granola, sucos, iogurtes ou com o próprio mel. É rico em proteínas, vitaminas e substâncias bioativas, de potencial antioxidante, por conterem compostos fenólicos e flavonoides, que atuam no combate aos radicais livres, responsáveis pelo envelhecimento celular e indutores de doenças como aterosclerose e alguns tipos de câncer.

Avaliações

A docente do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP explica que o serviço, além da parte didática e da pesquisa, é dividido em assessorias, consultorias e análises de amostras de alimentos, em particular os produtos apícolas. Referência nacional, a iniciativa também já auxiliou o desenvolvimento de 50 trabalhos acadêmicos da FCF-USP (ver boxe) e originou três manuais de análise, que podem ser solicitados por e-mail (ver serviço).

Além dos apicultores, outros clientes dos serviços são a indústria alimentícia e órgãos governamentais – o trabalho é balizado por normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Nas amostras de mel, a diretriz adotada é a Instrução Normativa federal nº 11, publicada em 20 de outubro de 2000.

O interessado pode contratar diversos testes laboratoriais direcionados ao controle de qualidade, tais como umidade do produto, quantidade de açúcares redutores (glicose e frutose, principalmente), sacarose aparente, minerais, acidez livre, sólidos insolúveis em água, cor, condutividade elétrica e açúcares individuais, entre outros.

No caso do pólen apícola, as avaliações de controle de qualidade seguem a Instrução Normativa federal nº 3, de 19 de janeiro de 2001. Incluem análises da umidade, cinzas (resíduo mineral fixo), lipídios, proteínas, açúcares totais, fibra bruta, acidez livre, pH, compostos fenólicos e flavonóides e vitaminas antioxidantes e do complexo B.

Relatórios

A pesquisadora destaca que muitos apicultores, ao procurarem a USP, aceitam fornecer matérias-primas e informações de interesse dos pesquisadores, como a localização de sua propriedade, condições climáticas, vegetação local, etc. Em função dessa parceria, a maioria dos serviços é feita gratuitamente para o apicultor. O laboratório também fornece laudos técnicos, que são cobrados de interessados, apicultores e indústrias alimentícias.

“Os relatórios para os apicultores evidenciam pontos favoráveis e outros a serem aprimorados na produção”, ressalta. Atualmente, o banco de dados do laboratório tem catalogadas 250 amostras de pólen apícola e 70 de méis provenientes de vários Estados brasileiros.

Consumo

O mel é o resultado da coleta do néctar das flores e da adição de secreções glandulares produzidas pelas abelhas. O pólen apícola, por sua vez, vem do pólen das flores e da mistura de néctar e substâncias salivares próprias das abelhas, sendo retido por um coletor instalado pelo apicultor na entrada da colmeia.

“Com maior preservação ambiental, oferta de flores e manejo correto, há um grande espaço para aumentar a produção e o consumo de produtos apícolas no Brasil”, observa. Dados de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam a produção anual de mel no País em 35 mil toneladas e a de pólen apícola, em 5 mil toneladas.

Pesquisa realizada em julho de 2015 pela Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), revelou ser de aproximadamente 60 gramas anuais o consumo médio nacional per capita de mel. A Suíça é o maior consumidor mundial, com 1,5 quilo anual, seguida pela Alemanha (960 gramas) e Estados Unidos (910 gramas). No mundo, a China é o maior produtor, seguida de Espanha e Argentina – o Brasil é o oitavo colocado, de acordo com o ranking de 2014 da Abemel.


Trabalhos acadêmicos pioneiros

Ambiente fértil para a pesquisa e a inovação, o Laboratório de Análise de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP abriga trabalhos acadêmicos pioneiros com os produtos apícolas. Entre eles, destacam-se as pesquisas dos nutricionistas Kelly Nascimento, mestranda, e José Augusto Sattler, doutorando, ambos estudando a área de Ciência dos Alimentos.

O trabalho de Kelly investiga a capacidade antioxidante e a qualidade de méis brasileiros, de acordo com as normas exigidas pela legislação vigente – ela defenderá dissertação até o fim do ano. Sattler, cujo trabalho deve ser finalizado em 2018, busca ampliar conhecimentos sobre as propriedades dos compostos bioativos presentes no pólen apícola.

Serviço

Laboratório de Análise de Alimentos da FCF-USP
Av. Prof. Lineu Prestes, 580 – Bloco 13A – CEP 05508-900 – São Paulo (SP)
Informações pelo e-mail ligiabi@usp.br ou pelo telefone (11) 3091-3712

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 16/01/2016. (PDF)

Alerta: combate ao mosquito da dengue deve ocorrer o ano todo

Pesquisa do Instituto Butantan revela grande capacidade de adaptação do Aedes aegypti mesmo em condições climáticas e ambientais adversas; patrimônio genético variado permite sua reprodução inclusive nos meses frios

Os biólogos Lincoln Suesdek e Caroline Louise, do Laboratório de Parasitologia do Instituto Butantan, fazem o alerta: autoridades e cidadãos não podem diminuir o combate ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, nos meses de inverno, pois, embora o ciclo de reprodução do inseto fique mais lento devido às quedas de temperatura e de umidade da estação, a espécie se mantém ativa. No verão, o ciclo de desenvolvimento é mais rápido.

A dupla de pesquisadores do instituto descobriu que o Aedes aegypti possui um patrimônio genético muito grande e variável. Essa característica pode explicar como os ovos do mosquito sobrevivem até um ano em ambientes e condições adversas e a capacidade da espécie em contornar algumas tentativas humanas de eliminá-la.

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o estudo foi o trabalho de iniciação científica de Caroline, sob orientação do professor Suesdek. Entre abril de 2011 e maio de 2012, houve a coleta de ovos, larvas e pupas do mosquito em seis áreas distintas.

Riqueza genética

As armadilhas foram colocadas em um raio de 7,8 quilômetros quadrados no entorno do Instituto Butantan (órgão vinculado à Secretaria de Estado da Saúde), próximo da Cidade Universitária, na zona oeste da capital.

A pesquisa analisou 150 fêmeas do mosquito durante cinco estações climáticas (outono, inverno, primavera e verão de 2011 e outono de 2012), considerando aspectos genéticos e morfológicos, além de ter avaliado questões evolutivas e demográficas de dispersão desses insetos em áreas urbanas. O objetivo do estudo é compreender a evolução e aprimorar mecanismos de controle da espécie, originária de países da África subsaariana (todo o continente, com exceção da região norte).

O artigo Microevolution of Aedes aegypti (Microevolução do Aedes aegypti) pode ser consultado on-line no site da revista científica PLoS one (ver serviço). Ele apresenta aspectos relacionados à posição de 18 pontos existentes na asa do inseto e sobre a variabilidade do DNA da espécie.

Ao longo do período de estudo, a pesquisa revelou que ocorrem alterações no tamanho e no formato das asas e nas frequências de microssatélites de DNA, indicativos da rápida variação evolutiva da espécie. Os biólogos do Butantan comentam que a riqueza genética confere robustez e versatilidade ao Aedes. Depois do Anopheles, transmissor da malária, essa espécie de mosquito é a segunda que mais infecta pessoas no mundo.

Desdobramentos

“No meio urbano, onde vive a maioria da população brasileira, o Aedes encontra condições muito favoráveis para procriar. Além disso, os fluxos humanos e comerciais em todo o planeta favorecem sua dispersão pelo mundo”, explicam os pesquisadores. Eles indicam o site da Secretaria de Estado da Saúde (ver serviço) como fonte de informação sobre o tratamento e a prevenção da dengue.

O professor Suesdek conta que a pesquisa do Laboratório de Parasitologia prossegue agora com uma tese de doutorado em andamento, prevista para ser finalizada no fim do primeiro semestre de 2016. A autora é a bióloga Paloma Vidal, também aluna, como Caroline, da Universidade de São Paulo (USP).

Atualmente, Paloma valida dados sobre a população e a evolução do Aedes repassados pelos serviços municipais de saúde de Campinas, Catanduva, São Carlos, São José do Rio Preto e Santos. O objetivo é desenvolver estudo complementar ao de Caroline nas cinco cidades paulistas.

Serviço

O Instituto Butantan localiza-se na Av. Vital Brasil, 1.500 – Butantan – capital. O artigo científico dos pesquisadores do Instituto Butantã pode ser consultado em http://goo.gl/A7rFzE. Para obter orientações de tratamento e prevenção da dengue, acesse http://goo.gl/mFw777.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 17/11/2015. (PDF)

Pesquisa de inteligência artificial é premiada

Estudo desenvolvido na área em que o computador incorpora e usa conhecimentos previamente adquiridos está entre os projetos agraciados pela programa de Bolsas de Pesquisa Google para a América Latina

A dupla de pesquisadores Anna Reali e Ruben Glatt, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), está entre os 12 premiados pelo programa de Bolsas de Pesquisa do Google para a América Latina. Lançado em junho de 2015, o concurso da multinacional norte-americana da área de tecnologia laureou trabalhos científicos de pós-graduação em setores avançados e afins aos serviços prestados pela empresa (ver boxe).

Orientada pela professora Anna, a pesquisa premiada na área de “Aprendizagem por reforço aprofundada” é a tese de doutoramento de Glatt. O trabalho, na linha de inteligência artificial, usa a chamada Deep Reinforcement Learning (DRL), para “ensinar” máquinas e robôs a tomar decisões como se fossem humanos, considerando, a cada novo desafio, os conhecimentos anteriormente adquiridos.

Aprendizagem

“O conceito é o de programar um sistema para que ele aprenda a aprender, do mesmo modo que faz o cérebro de uma criança. Por exemplo, para deixar de engatinhar e começar a andar, o bebê precisa desenvolver o equilíbrio e a coordenação motora, entre outras habilidades”, explica Anna. “O conhecimento prévio adquirido será usado mais tarde, para que aprenda a nadar, andar de bicicleta ou a cavalo, etc.”, complementa.

Com a máquina, a estratégia “pedagógica” adotada é parecida: esgotar, por meio de tentativa e erro, todas as possibilidades de resolução de um problema até encontrar a solução mais eficiente e indicada a cada necessidade. Na pesquisa da Poli-USP, jogos antigos de videogame são uma das ferramentas usadas no processo de aprendizagem dos algoritmos usados na computação.

O conhecimento adquirido no aprendizado da melhor solução de um problema será, então, usado para acelerar o aprendizado da solução de um novo problema, usando a técnica de transferência do conhecimento.

Baú de games

Uma das ferramentas usadas na pesquisa da Poli-USP é um software (emulador) que roda títulos do Atari 2600, console lançado em 1977, e um dos ancestrais dos atuais PlayStation, Xbox e Nintendo. Um deles é o Breakout, game de plataforma bidimensional com um único objetivo: rebater, com o cursor, uma bolinha para o alto, sem deixá-la cair, e destruir no topo da tela um conjunto de fileiras de tijolos.

“Como uma pessoa, a máquina é capaz de aprender com os erros cometidos em cada partida disputada – e os transformar em novas informações para a base de dados”, explica Glatt. Ele observa que a capacidade de processamento de informações da máquina é muito superior à do ser humano. Por isso, antes da tomada de decisão para a partida seguinte, ela analisa todas as opções testadas e consegue identificar no conjunto de informações a estratégia mais eficiente para resolver um problema.

Algoritmos

A experiência de Deep Reinforcement Learning com o jogo Breakout pode ser conferida on-line em um vídeo sobre artigo publicado no site da revista científica britânica Nature (ver serviço). Após 600 partidas disputadas, o conjunto de algoritmos sabe qual é a melhor opção, ou seja, mirar a bolinha de modo a abrir uma fenda em qualquer uma das duas pontas da linha de tijolos – e, nas rebatidas seguintes, direcioná-la para o buraco aberto e destruir as fileiras superiores.

O objetivo da pesquisa, explica Glatt, é fazer a máquina aprender a vencer qualquer jogo, considerando as habilidades exigidas para cumprir os objetivos propostos em cada título, além de tornar essa transferência de conhecimento mais eficaz, sem precisar reprogramar o conjunto de algoritmos após a inclusão de um novo título e aprender mais rapidamente a vencer no novo game.

O desafio atual, informa o pesquisador, cujo doutorado tem término previsto para o final de 2018, é aprofundar na pesquisa o chamado Deep Learning, a capacidade da máquina para extrair e absorver diversos níveis de representações diretamente dos dados.


Criatividade e dedicação recompensadas

Para avaliar os trabalhos, o Google constituiu comissão julgadora formada por 15 engenheiros com experiência em pós-graduação. Como critérios de julgamento foram considerados três quesitos: impacto, originalidade e qualidade.

O nome dos 12 vencedores foi divulgado no dia 24 de setembro, no blog da empresa (ver serviço). O prêmio é uma bolsa anual, com parcelas mensais de US$ 1,2 mil para cada aluno de doutorado vencedor e de US$ 750 para o seu professor orientador.

Foram premiados dois centros de pesquisa do México, um do Chile e um da Colômbia. O Brasil teve oito projetos contemplados, dos quais cinco de instituições públicas de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo: um da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e quatro da Universidade de São Paulo (USP). Além do trabalho da dupla premiada da Poli, os outros três são do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), câmpus São Carlos.

“A inovação tecnológica está presente em todas as áreas do conhecimento. Os projetos vencedores mostram a importância da pesquisa para resolver problemas reais e cotidianos da sociedade”, observa Berthier Ribeiro-Neto, diretor de engenharia do Google América Latina.

Serviço

Laboratório de Técnicas Inteligentes da Poli/USP
Vídeo da Nature
Os 12 projetos selecionados pelo Google

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 08/10/2015. (PDF)