Investindo em educação e práticas preventivas de saúde, docentes e alunos da USP estimulam a sustentabilidade em áreas carentes
Desde 2006, o Programa Jovem Doutor promove ações preventivas de saúde e educação com professores e alunos da Universidade de São Paulo (USP), em áreas carentes do Brasil. A atividade visa a favorecer o desenvolvimento social e a sustentabilidade das regiões e aproximar a comunidade acadêmica do cotidiano de grande parte da população brasileira.
Em 2007, equipes da USP no Jovem Doutor estiveram em Manaus e Parintins, na região amazônica, e em Tatuí, no interior paulista. Em fevereiro, nova edição do projeto foi iniciada na favela da Vila Dalva, comunidade de 20 mil habitantes vizinha à Cidade Universitária e à Rodovia Raposo Tavares, na zona oeste da capital.
Na USP, o Jovem Doutor é uma iniciativa de extensão universitária da equipe de Telemedicina da Faculdade de Medicina (FM), coordenada pelo professor Chao Lung Wen. A universidade, pioneira no País no assunto, criou seu programa em 1997 e sua rede de informática hospitalar é a maior da América Latina.
A Telemedicina propõe abordagem global para a saúde pública. Prioriza a saúde da família e considera as características e as necessidades de cada comunidade. Também valoriza a atenção primária ao paciente com acompanhamento periódico e diagnóstico precoce.
A tecnologia é uma aliada para melhorar a eficiência dos programas preventivos. Está presente por meio de sites, fóruns e videoconferências com o objetivo de capacitar profissionais a distância. A inclusão digital é outra proposta e muitas atividades ligadas à Telemedicina oferecem acesso gratuito à internet e treinamentos sobre como usar programas de computador.
Jovem Doutor
No Programa Jovem Doutor, a lista de ações inclui exame pré-natal, orientações sobre câncer, hanseníase, planejamento familiar, postura corporal, prática de exercícios físicos, nutrição, saúde bucal, prevenção de diabetes, alcoolismo, uso de drogas, hipertensão, DSTs, Aids, entre outras.
O programa da Faculdade de Medicina integra o Projeto de Telemedicina do Programa Institutos do Milênio, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). E tem apoio da Intel, fabricante de componentes para computador.
Sem viés assistencialista, o Jovem Doutor tem prazo definido de duração: um ano. Suas equipes possuem perfil multidisciplinar, abrangendo universitários de áreas de administração, arquitetura, engenharia, enfermagem e medicina. Atua sempre em locais diferentes, de modo a estender para toda uma região vizinha o serviço prestado na comunidade original.
O protagonismo dos participantes é sempre incentivado. Eles aprendem e ensinam e, para os moradores, a missão é cooperar e disseminar os conceitos de cidadania adquiridos. A aposta é instituir, com o passar do tempo e a continuidade das ações, um novo modelo social.
“Usamos os recursos humanos e materiais existentes nas próprias comunidades, sem aportes financeiros”, conta o professor Chao. “É uma abordagem de saúde pública mais barata, periódica, freqüente e de longo prazo: previne em vez de remediar”, observa.
O próximo desafio, destaca Chao, é estimular outras universidades brasileiras a criar programas semelhantes. A meta é conseguir envolver 2 milhões de estudantes, até 2010, em atividades voluntárias.
Efeito multiplicador
Uma das estratégias do Jovem Doutor é estabelecer parceria com escolas da rede pública de ensino, transformando alunos e professores em agentes multiplicadores na comunidade. Outras características são complementar iniciativas em andamento na região, sem concorrer com as responsáveis, incentivar a busca de soluções sustentáveis e estimular o empreendedorismo nos habitantes.
Antes de entrar em contato com os moradores, os universitários passam por capacitação rigorosa, supervisionada pelo corpo docente da FM. Após a conclusão de cada jornada, são premiados no Concurso Jovens Talentos os universitários, os professores e as pessoas da comunidade que mais se destacaram.
Um dos destaques do programa é o material didático do Projeto Homem Virtual, produzido pela Telemedicina. É um conjunto de imagens tridimensionais que recria as estruturas do corpo humano, dividido em CDs multimídia que facilitam o aprendizado na área da saúde e estreitam a relação entre médico e paciente, por facilitar a visualização e a compreensão dos diagnósticos.
Gente que faz
A fisioterapeuta Débora Macea nasceu e sempre morou na zona leste da capital. De personalidade tímida, participou, durante a graduação, de projetos como a USP Júnior. Já presidiu a Liga de Telemedicina e lecionou Português no cursinho pré-vestibular gratuito da Faculdade de Medicina. Hoje, recém-formada, cursa mestrado e tem na Vila Dalva seu mais novo desafio.
Nas regiões carentes, a maioria dos pacientes de Débora é idosa. Apresentam dores nas costas e no pescoço, causadas em grande parte por má postura e sedentarismo. A jovem se destaca pela capacidade de propor e articular ações. “Faço bem o meio de campo entre a universidade e as pessoas”, explica a fisioterapeuta.
Mapeamento de problemas
Os universitários e a comunidade já definiram quais questões do bairro serão priorizadas. O primeiro obstáculo a ser superado é envolver mais os moradores em projetos coletivos e de capacitação.
Na sequência, os universitários vão orientar a criação e instalação de padaria, horta comunitária e forno solar nas escolas e cooperativa de reciclagem. A medida visa a combater a proliferação de mosquitos causadores da dengue e atenuar um problema sanitário que afeta a todos, o acúmulo de lixo na frente da Unidade Básica de Saúde.
Soluções sustentáveis
A proposta para o lixo é separar o material orgânico e evitar a contaminação do solo, da água e a proliferação de baratas, ratos e micro-organismos. O que puder ser reaproveitado vai virar adubo e as sobras de alimentos, como legumes e peixes acumulados no final de feiras livres, irão enriquecer a merenda escolar.
Materiais como vidro, papel, papelão, garrafas Pet, plásticos e alumínio serão encaminhados para reciclagem e revenda na cooperativa. A comunidade já sabe que, se moer as Pets antes de vender, o preço dobra, chegando a R$ 4 por quilo. Assim, pretende-se fazer um mutirão para comprar a máquina moedeira.
“Vamos investir muito em educação para mudar hábitos corriqueiros, como jogar lixo e entulho em locais inadequados”, aponta a engenheira ambiental Tatiana Gil, formada na USP de São Carlos, que participa, também, em outras questões sanitárias na Vila Dalva.
Economia e renda
A renda obtida com os recicláveis será reinvestida na horta, padaria e demais projetos comunitários. A plantação de legumes e verduras será em terreno cedido na Escola Estadual Samuel Klabin, assim como a instalação do primeiro forno solar, equipamento artesanal que aquece como o elétrico ou o a gás, porém gasta em média o dobro do tempo.
A escola tem mil alunos matriculados e oferece ensino fundamental, médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sueli Simas, vice-diretora, explica que as verduras colhidas enriquecerão a merenda escolar e que as atividades ligadas à horta abrem muitas possibilidades de educação ambiental, envolvendo pais, alunos, professores e funcionários.
As tarefas previstas na escola estadual incluem a limpeza do terreno, decisão sobre quais vegetais serão cultivados, orientação agronômica, uso de utensílios, adubação, irrigação, estudos sobre insetos e controle biológico de pragas.
Agentes comunitários
O Jovem Doutor tem, também, parceria com a Unidade Básica de Saúde (UBS), órgão da prefeitura na Vila Dalva. O local é um grande ponto de encontro do bairro e, no posto de atendimento, a proposta dos universitários é apoiar e orientar médicos, enfermeiros e a rede de agentes comunitários de saúde.
O agente comunitário faz a ponte entre a população e a UBS. A maioria deles mora no bairro e cada um visita, em média, 120 famílias por mês. Nas andanças pelo bairro, relatam eventuais problemas e participam de caminhada, campanha de prevenção de hipertensão e diabetes.
As agentes Andréa Aparecida e Cristiane Marques aprovaram a vinda dos universitários. Segundo elas, até o momento foram poucos os contatos, porém elogiaram as propostas da engenheira ambiental Tatiana Gil para a questão do lixo. Agora, pretendem retomar um antigo projeto de curso sobre nutrição e alimentação de baixo custo, a partir do apoio do estudante de medicina Philippe Hawlitschek.
Vila Dalva, microcosmo do Brasil
A ocupação popular na Vila Dalva ocorreu há 50 anos. A localidade é rodeada por condomínios fechados de alto padrão, como o Parque dos Príncipes. E repete, em escala reduzida, os contrastes sociais e a má distribuição de renda no País.
A comunidade tem três escolas públicas: uma estadual (Samuel Klabin) e duas municipais (Silva Braga e Carolina de Jesus). Possui uma UBS da prefeitura, três creches, dois centros comunitários, centro cultural (Espaço dos Sonhos) e de capacitação de jovens e adultos e duas ONGs atuando no local, o Instituto Stefanini e o Projeto Ponte Brasil-Itália.
Como na maior parte da periferia paulistana, predominam na Vila Dalva os bares, as igrejas evangélicas e o comércio miúdo, formado por mercadinho, borracharia, oficina mecânica, serralheria e papelaria. A maior parte das casas é de alvenaria, o esgoto não é tratado e o fornecimento de água e luz é feito com ligações clandestinas, as chamadas gambiarras ou gatos.
Na comunidade, as mulheres comandam 30% das famílias. A maioria é mãe solteira ou separada e trabalha em emprego com pouca qualificação. Repassa para suas mães a tarefa de cuidar dos filhos. A exclusão social e o desemprego são os maiores problemas. Afetam grande parte dos moradores, em especial os jovens, e muitos acabam aliciados pelo tráfico.
Crianças e adolescentes têm poucas opções de lazer. Faltam praças, quadras de esportes e equipamentos culturais como bibliotecas. A principal diversão infantil é empinar pipa. O caminhão do lixo passa uma vez por semana. As ruas e vielas têm nomes e os carteiros e caminhões de entrega de lojas populares têm acesso irrestrito na comunidade.
Ampliando horizontes
Thiago Batista Costa, 23 anos, é filho de uma agente comunitária de saúde. Apaixonado por cultura e artes, visitou várias famílias da Vila Dalva com o objetivo de resgatar a história e imaginário dos moradores. Conheceu, assim, muita gente e identificou traços comuns no grupo, como reduzida auto-estima e dúvidas sobre questões étnicas e religiosas.
O jovem sempre residiu no bairro e trabalha no balcão de atendimento aos moradores da UBS. Em 2005, colaborou com um documentário sobre a Vila Dalva. Antes das filmagens, foram colhidos depoimentos de moradores locais. Os relatos abordavam as dificuldades enfrentadas pela comunidade. O material foi reunido e algumas das situações descritas foram encenadas e gravadas. Os atores foram os próprios moradores.
A aproximação das pessoas da comunidade originou o Programa Conversando a Gente se Entende (Case), uma dinâmica local periódica realizada por diversas instituições atuantes na comunidade. Como diz o nome, visa a ampliar o diálogo e estreitar laços na comunidade para a busca coletiva de soluções.
Os encontros do Case originaram oficinas de artesanato, palestras de prevenção à saúde e diversos eventos. A proposta do Jovem Doutor é aproveitar a organização do Case para se integrar a atividades em andamento na comunidade, realizadas por escolas, ONGs e pela UBS.
Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/04/2008. (PDF)