Uma nova esperança (Unesp avança no desenvolvimento de droga contra a anemia falciforme)

Na comparação com o medicamento convencional, princípio ativo teve quatro vezes mais eficácia, com dosagem seis vezes menor

Desenvolver um princípio ativo sintético, capaz de originar um medicamento para atenuar o sintomas da anemia falciforme, a doença hereditária mais comum no Brasil e no mundo. Este é o tema da pesquisa desenvolvida pelo grupo de cientistas coordenado pela professora Chung Man Chin, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara.

O princípio ativo desenvolvido tem por função aumentar a produção de hemoglobina fetal no organismo do paciente, que dela depende para transportar oxigênio e gás carbônico pelo corpo. Iniciado em 2005, o trabalho dos pesquisadores já rendeu frutos.

Na comparação com o medicamento atualmente disponível no mercado, a molécula produzida pela Unesp tem a vantagem de ter propriedades analgésicas e não provocar tantos efeitos colaterais indesejáveis no paciente. Apresentou resultados quatro vezes mais efetivos com dosagem seis vezes menor. Os testes foram feitos com camundongos e o sucesso da avaliação preliminar fez com que seus criadores protegessem a descoberta. A patente brasileira foi depositada em 2008 e a internacional, em 2010.

Parceria e desenvolvimento

Um grupo farmacêutico brasileiro tornou-se parceiro da Unesp no projeto e vai investir R$ 5 milhões no desenvolvimento de um medicamento a partir do princípio ativo. Por  envolver sigilo industrial, o nome da droga e do fabricante ainda não pôde ser revelado. Até 2014, serão iniciados testes com seres humanos; e a expectativa é tê-la no mercado em 2020.

Além de Chung, o grupo de pesquisa comprometido com o novo princípio ativo inclui os farmacêuticos Jean Leandro dos Santos, também da FCF-Unesp; Carolina Lanaro, do Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e Lídia Moreira Lima, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E mais o médico Fernando Ferreira Costa, atual reitor da Unicamp.

Doença genética

anemia falciforme afeta mais negros e pobres e mata milhões no mundo inteiro todos os anos. Segundo a pesquisadora Chung, esta doença foi negligenciada pela ciência por ter sido pouco estudada até o final do século passado. Os fabricantes de medicamentos também sempre a deixaram de lado, por considerá-la de baixo apelo comercial.

A anemia falciforme é uma hemoglobinopatia transmitida de pais para filhos de ambos os sexos. A mazela foi descrita pela primeira vez em 1910 e seus mecanismos foram mais bem compreendidos em 1947, a partir de descobertas feitas pelo químico norte-americano Linus Pauling, detentor de dois prêmios Nobel.

Incurável, tem por característica comprometer severamente a saúde do paciente, que normalmente sofre dores crônicas em órgãos e ossos, além de fadiga, icterícia, infecções e úlceras difíceis de cicatrizar. Além das internações, pode trazer complicações como infarto, derrame e Acidente Vascular Cerebral (AVC), além de reduzir a expectativa de vida, que dificilmente ultrapassa 40 anos.

Hemoglobina fetal

A moléstia teve origem no continente africano, a partir de mutação genética ocorrida nas hemácias, células vermelhas do sangue responsáveis pelo transporte do oxigênio e gás carbônico no corpo. Foi uma defesa da espécie humana para se proteger de infestação causada pelo Plasmodium falciparum, protozoário causador da malária. O parasita usa a hemácia humana para se reproduzir.

Quando é sadia, a hemácia tem formato redondo, côncavo e flexível e carrega moléculas de oxigênio. Já no organismo do portador da anemia falciforme, adquire forma de foice, perde sua função e se acumula nas veias, entupindo-as bem como as artérias. Para sobreviver, o paciente da doença permanece com a hemoglobina fetal, produzida em menor quantidade pelo organismo, ao longo de toda a vida. A nova droga criada pela Unesp potencializa sua produção, que diminui consideravelmente após os primeiros meses de vida da criança.

Prevenção e tratamento

Segundo a avaliação do Ministério da Saúde, de cada mil bebês nascidos no País, um deles é doente. A cada ano, surgem três mil novos casos no Brasil. A detecção no recém-nascido é feita por meio do Teste do Pezinho. E a doença tem maior prevalência entre negros e afrodescendentes. Estima-se que 8% deles tenham o gene defeituoso e podem transmiti-lo para até cinco gerações. Como o povo brasileiro é bastante miscigenado, o ideal é que todo casal faça a verificação genética antes de ter filho.

Em crianças e adultos, a identificação do gene defeituoso é feita por meio do exame de eletroforese de hemoglobina. Para quem nasceu com anemia falciforme, o transplante de medula óssea é uma possibilidade de tratamento, porém não está disponível para todos os pacientes. O bebê diagnosticado com a doença deverá ser acompanhado por equipe multiprofissional por toda a vida. O serviço inclui atendimento de médico hematologista, enfermeiros, assistência social, entre outros.


Luta pela vida

Rosenício Eustáquio Nunes ingressou no curso de Farmácia da Unesp em 2004 e faleceu em fevereiro de 2012, aos 34 anos, faltando poucas disciplinas para terminar a graduação. Mineiro de Uberaba e portador da doença, já no primeiro semestre do curso procurou a professora Chung. Pretendia se formar, seguir os estudos no mestrado e colaborar com a pesquisa para uma nova substância para a anemia falciforme.

A doença muitas vezes afastou Rosenício dos bancos escolares. Enquanto viveu, viu muitos amigos morrerem por causa dela e sabia ter pouco de tempo de vida. Sua luta para aprofundar os conhecimentos da ciência em um novo princípio ativo sensibilizou a equipe de pesquisadores. A professora Chung e os cientistas dedicam a ele a criação do princípio ativo, segundo eles, a única esperança para milhões de pacientes da doença no mundo.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/06/2012. (PDF)

Novas tecnologias a seu dispor

IPT celebra 112 anos inaugurando, até o fim do ano, na capital, o Laboratório de Bionanotecnologia; em 2012 será entregue o de Estruturas Leves em São José dos Campos

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) celebrou 112 anos de fundação no dia 24 de junho. Criado em 1899, o instituto surgiu com o objetivo de avaliar a qualidade de materiais empregados nas áreas de construção civil e produção mecânica. Hoje, é referência internacional em metrologia e parceiro de órgãos públicos e empresas privadas em projetos de inovação, pesquisa, desenvolvimento e educação.

Vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (SDECT), o IPT atua como elo multidisciplinar entre universidades e centros de pesquisas com diversos setores produtivos brasileiros. O serviço inclui desenvolver soluções tecnológicas e melhorar processos para pequenos e médios empresários, de modo a fortalecer o empreendedorismo no Estado e no País.

O IPT também é parceiro de setores industriais de grande porte, como petróleo, mineração, naval, aeronáutica, siderurgia, medicamentos, cosméticos, engenharias, construção civil, têxtil, florestal, química, geração de energia, biocombustíveis e livros didáticos.

O trabalho do órgão é realizado por 12 centros de pesquisa, 30 laboratórios, dez seções técnicas e núcleo de atendimento tecnológico à micro e pequena empresas. O quadro funcional integra mil pesquisadores, 275 profissionais administrativos e 160 estagiários e bolsistas. A sede fica na Cidade Universitária, zona oeste da capital, e o instituto possui filiais em Franca e São José dos Campos, interior paulista.

Aplicações

Muitos brasileiros não sabem, mas o resultado do trabalho do IPT está presente em muitas situações cotidianas. A lista de tarefas é extensa. Inclui analisar consumo de energia e ruído de eletrodomésticos, participar de etapas do desenvolvimento de remédios, conferir a qualidade de roupas e tecidos. E, também, as características de materiais empregados na construção civil, avaliar o impacto ambiental de obras do Metrô e do Rodoanel, o risco de quedas de árvores nas cidades e testar radares de trânsito usados para controle de velocidade em ruas e rodovias.

A proposta do IPT é atender a sociedade brasileira em oportunidades para o País, como a descoberta das reservas de petróleo e pré-sal e o pioneirismo na produção de etanol. Para suprir a essas demandas, desde 2008 o Governo estadual investiu R$ 150 milhões no IPT.

O recurso está sendo usado para modernizar o instituto, com a contratação nos últimos três anos de novos profissionais concursados e requalificação dos atuais. O dinheiro também foi empregado para reformar e ampliar as instalações existentes. Desse total, R$ 46 milhões foram direcionados para a construção, na sede do órgão, do Laboratório de Bionanotecnologia, previsto para ser entregue até o final do ano.

Soluções sustentáveis

A bionanotecnologia é área de pesquisa promissora, capaz de manipular materiais milhares de vezes menores que a espessura de um fio de cabelo. Tradicionalmente, uma partícula recebe o prefixo “nano” caso tenha entre um e 100 nanômetros, aproximadamente 0,01% do diâmetro de um fio de cabelo. Hoje, estima-se em 600 o número de produtos que contêm nanomateriais disponíveis no mercado mundial.

O Laboratório de Bionanotecnologia do IPT estudará o desenvolvimento de organismos vivos, tecnologia de partículas (microencapsulação de componentes químicos e terapia medicinal, como em cosméticos), micromanufatura de equipamentos e metrologia.

Uma das propostas do instituto é privilegiar a busca de soluções sustentáveis. Para isso, uma de suas inovações recentes foi o bioplástico degradável. Diferente do produto à base de petróleo, que demora séculos para se decompor no meio ambiente, o bioplástico vira “comida” de bactéria em seis meses, sem poluir. E pode ser produzido a partir de restos de frutas das fábricas de suco ou bagaço de cana das usinas de álcool.

Corrida tecnológica

Outra novidade é o Laboratório de Estruturas Leves (LEL), previsto para ser concluído em 2012. Orçado em R$ 90,5 milhões, o LEL será instalado em São José dos Campos. A meta é ajudar empresas brasileiras a desenvolver novas tecnologias no setor aeroespacial, como, por exemplo, criar materiais capazes de reduzir o peso de componentes das aeronaves para, assim, torná-las mais competitivas no cenário internacional.

No projeto do LEL, o Governo paulista tem como parceiros a prefeitura local, BNDES, Embraer, Fapesp, Finep, Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), USP, Unicamp, Unesp, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE).

Outro projeto em andamento é de uma planta de gaseificação de biomassa, em Piracicaba. A meta é conseguir produzir etanol de segunda geração a partir do bagaço de cana, atualmente aplicado na queima para a geração de energia.

Com a gaseificação, a expectativa é dobrar a produtividade das usinas canavieiras sem aumentar a atual área plantada. Esse projeto também marca a posição do IPT e do País em uma corrida tecnológica mundial, já que a gaseificação, com bagaço, carvão ou outra biomassa ainda está por ser dominada.

Novos desafios

Segundo João Fernando Gomes de Oliveira, diretor-presidente do IPT, os próximos passos do instituto são conseguir equilíbrio harmônico entre produzir conhecimento, aplicá-lo e vender serviços. Para Oliveira, são três os desafios para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro – e todos representam novas oportunidades e necessidades.

O primeiro é uma imposição socioambiental, baseada na necessidade de se desenvolver tecnologias em prol da sustentabilidade. Assim, as pesquisas do IPT continuarão tentando despoluir rios e áreas degradadas, criar matérias biodegradáveis e energias renováveis (solar e da biomassa) e estruturar veículos e peças com materiais mais leves.

Um exemplo é o projeto da Embraer de criar em conjunto com o IPT um avião revestido 100% por compósito (mistura de fibra de carbono com polímero). “Por ser mais leve, a aceleração é mais rápida com menor gasto de energia. Além disso, o material é renovável e mais resistente do que o alumínio”, explica João.

Outra meta inclui explorar o recurso da luz solar, com projetos de células de silício, e obter mais eficiência com a biomassa abundante no campo. “Com as tecnologias futuras, será possível reaproveitar o bagaço de cana disponível no Estado de São Paulo e gerar eletricidade anual equivalente à produzida pela Usina de Itaipu (12 gigawats anuais)”, observou.

O segundo desafio consiste em aproveitar as oportunidades disponíveis, como o pré-sal. “Esta riqueza mineral dependerá de muita pesquisa para ser obtida – e também tornar viável e rentável a exploração. O IPT apoiará a Petrobras e sua cadeia de fornecedores no projeto, que requer perfurações em grandes profundidades marinhas, até 7 quilômetros abaixo do nível da superfície”, analisa.

O último desafio do IPT será aproveitar a oportunidade induzida pelo desenvolvimento da ciência, como a bionanotecnologia. O objetivo do novo ramo é incorporar novas funcionalidades nos materiais, a partir de mudanças em suas propriedades e composição.

As possibilidades da bionanotecnologia são infinitas e é possível agregar novas características do ponto de vista químico, mecânico, térmica, biológico, elétrico, etc. Uma das promessas é a de produzir um medicamento sob medida para cada organismo e, também, controlar seu princípio ativo de modo de só agir em condições especiais, evitando efeitos colaterais conhecidos das drogas atuais.


Serviços especializados do IPT

Tanque naval – O tanque naval do IPT é o maior da América Latina. Tem cerca de três quarteirões de extensão e é usado para simular em laboratório o comportamento de embarcações em água fluvial e alto-mar, para ajustes na fabricação de navios e equipamentos.

Fraturamento hidráulico – O fraturador hidráulico do IPT é usado para aprimorar equipamentos e definir metodologias para medição de tensões em rochas. Atende às engenharias civil, de minas e de petróleo e tem usos na construção de obras subterrâneas em rochas de qualquer natureza. O dispositivo foi usado na construção dos trechos subterrâneos da Rodovia dos Imigrantes, Rodoanel e Metrô. Também tem utilidade em túneis de pressão para geração de energia e em barragens (fundações e ombreiras) e cavernas.

Recursos hídricos – O instituto dispõe de um grupo multidisciplinar de 20 pesquisadores que acompanham 160 projetos relacionados às diversas bacias hidrográficas paulistas. Uma das ações é elaborar os planos delas, ou seja, identificar quem são os consumidores da água (setores municipal, agrícola e industrial) e verificar suas demandas. A tarefa inclui analisar demografia, qualidade das águas, monitoramento de chuvas, situação da vegetação, destinação do lixo urbano e poluição agrícola, entre outras demandas.

Segurança contra fogo – O serviço do IPT oferece diagnósticos das condições do setor de combate a incêndios no País e avalia as condições do combate ao fogo nas áreas urbana, rural e indústria petroquímica.

Livros didáticos – O instituto mantém três projetos ligados à qualidade dos livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O serviço federal distribui esses materiais para alunos da rede pública nos 27 Estados brasileiros. Atende ao ensino fundamental, médio e de jovens e adultos e consiste em averiguar se a qualidade das publicações está de acordo com as especificadas em lei.

Siderurgia e etanol – Há 20 anos pesquisa a área de materiais metálicos fundidos resistentes a desgaste. O trabalho é realizado em parceria com o Laboratório de Fenômenos de Superfície, da Escola Politécnica (Poli-USP). Com relação ao etanol, o IPT pesquisa tecnologias para favorecer a exportação do etanol. A atividade verifica o grau de corrosão do biocombustível e rendeu metodologias de ensaio, aproximando as condições do laboratório com as verificadas na prática. O objetivo no futuro é estender o serviço.


Parceiro de empresas públicas e privadas

Em 1894, um grupo de engenheiros, liderados por Antonio Francisco de Paula Souza, fundou a Escola Politécnica de São Paulo. Para atender às crescentes demandas de ensaios de materiais de construção e às necessidades do curso, alguns professores criaram, em 1899, o Gabinete de Resistência de Materiais, que se tornaria o núcleo básico do que viria a ser o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

No início do século 20 o instituto pesquisou materiais para a construção civil e ajudou o empresariado paulista a instalar estradas de ferro e hidrelétricas. Até hoje, o órgão preserva amostras de concreto da época – e seria possível contar parte da história das construções civis brasileiras por meio delas.

Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, o IPT orientou os paulistas sobre como fabricar morteiros, granadas, capacetes, carros de combate e trem blindado. Entre 1934 e 1946, desenvolveu produtos de madeira que tiveram larga utilização industrial, aplicando-os também na construção de aviões de treinamento e planadores. Em 1940 foi encarregado dos estudos para as fundações do complexo da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ).

O mesmo aconteceu com a produção de armas durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse caso, o IPT forneceu assistência direta às oficinas bélicas nacionais. Devido à escassez de gasolina, os técnicos do instituto adaptaram os motores dos carros para o gasogênio.

Na década de 1940, cresceu e ampliou suas tarefas e colaborou com grandes obras de engenharia do País. Entre elas, destacam-se a construção das rodovias Anchieta, Anhanguera, Rio-Petrópolis e Dutra, e a ampliação dos portos de Santos, Rio de Janeiro e São Sebastião.

No mesmo ritmo, em meados de 1950, o IPT participou da construção das hidrelétricas paulistas de Paranapanema, Jurumirim, Chavantes, Limoeiro, Euclides da Cunha, Jupiá, Ilha Solteira e da usina de Paulo Afonso (BA).

Nos anos 1970 ajudou a construir a Linha Norte-Sul do Metrô paulistano e nos anos 1980 prestou assistência técnica na Rodovia dos Imigrantes e nas hidrelétricas de Sobradinho (BA) e Itaipu (PR).

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 28/06/2011. (PDF)