Tecnologia se faz em rede

Seminário realizado na Fapesp apresenta a Rede Paulista de Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologia

O auditório Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) foi palco do Seminário Inova São Paulo, que marcou o lançamento da Rede Paulista de Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologias. A Rede consolida o trabalho realizado pelo projeto Inova São Paulo, grupo de sete Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) baseados no Estado.

Reunindo sete NITs paulistas, a Rede Paulista é um desdobramento do projeto Inova São Paulo, criado em 2008 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A associação foi formada para consolidar, uniformizar e adequar metodologias entre as instituições e também proteger e transferir parte do conhecimento nelas produzido para empresas.

Entre as sete instituições de pesquisa participantes da Rede, quatro são ligadas ao Estado de São Paulo e outras três são mantidas pelo Governo federal. As do primeiro grupo são o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e as três universidades públicas estaduais (Unesp, Unicamp e USP). As mantidas pela União são as universidades federais de São Carlos (UFSCar), de São Paulo (Unifesp) e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) da Aeronáutica.

Da academia para o mercado

Durante o evento, Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, destacou a importância da inovação para o progresso da ciência brasileira e mundial. Para isso comentou os atuais programas mantidos pela Fundação com o objetivo de estimular a geração de negócios e patentes nas universidades nacionais.

Citou o Google e o Facebook como exemplos de empresas originadas a partir dos bancos universitários. E destacou o fato de a Fapesp ocupar o terceiro posto no ranking de pedidos de patentes brasileiros nos Estados Unidos entre 2006 e 2010.

O professor Roberto Lotufo, coordenador e idealizador do Projeto Inova São Paulo, ressaltou a importância da capacitação dos profissionais e cientistas envolvidos em transferir tecnologia. Mencionou todos os encontros, workshops e seminários realizados nos últimos anos com esta finalidade.

Citou também o esforço conjunto das instituições para padronizar processos e metodologias. E mais a necessidade de divulgar e compartilhar resultados, fazer negociações entre as partes envolvidas e a questão do direito autoral sobre a pesquisa, discussão que Lotufo afirmou que deve ser permanente.

Um dos resultados foi o mapeamento de 140 tecnologias promissoras para serem repassadas para empresas. “Deste total, 20 estão em fase de negociação e sete já foram licenciadas”, informou. “O caminho é que toda instituição de pesquisa invista no seu grupo de inovação. E aposte em empresas start-ups, projetos de criação de negócios baseados em tecnologia”.

Convergência de interesses

Na principal mesa-redonda do seminário, Carlos Henrique de Brito Cruz abriu discussões sobre a questão da propriedade intelectual. Disse que a Rede Paulista vai ajudar a encontrar pontos de convergência nos interesses acadêmicos e de pesquisadores e de empresas para a produção de patentes.

Segundo ele, a partir de 2009, a Fapesp passou a registrar em seu nome as pesquisas promissoras. Até então, as universidades não tinham regras específicas para tratar da propriedade intelectual. No entanto, para tratar da questão, criaram, nos dois últimos anos, agências próprias, NITs e mecanismos internos.

“Este período serviu como aprendizado e o papel de gerir a inovação foi repassado às universidades. Entretanto, mesmo abrindo mão da titularidade do trabalho, a Fapesp continua parceira e com direito a receber porcentagens de possíveis licenciamentos e quaisquer formas de arrecadação. Este modo de atuação é legítimo, segue a lei vigente e permite criar um patrimônio rentável e fortalecer ainda mais o fomento à pesquisa”, observou.

Outra proposta, segundo Brito Cruz, é desestimular o pesquisador a trabalhar com a sua propriedade intelectual. E deixar o financiamento do registro de patentes a cargo do NIT ao qual está vinculado. “A medida fortalece o trabalho dos núcleos, dá mais agilidade no processo e lhe permite dedicar mais tempo ao seu trabalho de pesquisa”, concluiu.

Integração nacional

Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), comemorou o lançamento da Rede Paulista. Segundo ele, agora será possível intensificar ações do Inpi com os NITs paulistas que pretendem ampliar a proteção e a comercialização dos seus ativos intangíveis.

“O baixo número de patentes nas empresas é ainda um grande gargalo brasileiro. Neste contexto, as universidades têm papel importante, ao formar recursos humanos, produzir propriedade intelectual e licenciar tecnologias para corporações nacionais”, observou.


Resultados das investigações e comercialização

Status das investigações

Mapeadas 441
Meta mapeada 260
Em andamento 73
Finalizadas 150
Meta de investimento 130

Status da comercialização

Ofertadas 70
Meta de ofertas 27
Em negociação 20
Comercializadas 7
Meta de comercialização 7

Status das investigações e comercialização por instituição

Mapeadas Em andamento Finalizadas Ofertadas Em negociação Comercializadas
DCTA 21 13 8 2 1 0
IPT 94 15 22 12 6 2
UFSCar 49 2 26 14 4 1
Unesp 44 3 36 22 2 2
Unicamp 89 0 34 13 7 1
Unifesp 33 24 8 3 0 0
USP 111 16 16 4 0 1
Total 441 73 150 70 20 7

Fonte: Inova São Paulo


Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 08/12/2011. (PDF)

Brasil ganha rede nacional de institutos de ciência e tecnologia de ponta

A nova rede vai reunir as universidades estaduais paulistas, centros de pesquisa, instituições nacionais e internacionais, em busca de conhecimento e aprimoramento tecnológico

Com o objetivo de produzir conhecimento e inovação em áreas estratégicas, o Brasil dá os primeiros passos na formação de institutos nacionais de ciência e tecnologia. A nova rede congrega as universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e de outros Estados, instituições federais, agências de fomento e centros de pesquisa de todo o Brasil.

Essas redes vão contribuir para a formação de profissionais qualificados para atuar no meio acadêmico e no mercado. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), está investindo R$ 600 milhões no projeto.

A iniciativa substitui os antigos institutos do milênio e até agora foram criadas 112 novas unidades no País: 37 no Estado de São Paulo. Áreas estratégicas para o território nacional, como informática, comunicação, saúde, biotecnologia, meteorologia, nanotecnologia, petróleo, gás, biocombustível, espacial, nuclear, biodiversidade, recursos naturais e desenvolvimento social e agropecuário são o foco imediato da iniciativa.

Nos institutos paulistas, a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) financiou metade do investimento e é parceira do CNPq na rede nacional, que reúne docentes da USP, Unesp e Unicamp. A USP foi o centro acadêmico que mais recebeu institutos até agora. No total são 17, quatro deles instalados no campus de São Carlos.

Grupos internacionais

Um dos destaques é o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia na área de Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC). Sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos, o grupo de pesquisa foi idealizado em novembro de 2008 e reúne desde sua fundação, no mês de março, cem cientistas de universidades estaduais como USP, Unesp, PUC-RS e Maringá- PR e federais (do Amazonas, de Goiás e de São Carlos).

A coordenação dos trabalhos do INCT-SEC é do professor José Carlos Maldonado, vice-diretor do ICMC. Recém-criado, já tem parcerias firmadas com a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e acordos de cooperação científica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Até 2011, o instituto receberá R$ 4,5 milhões. Os primeiros resultados do trabalho do INCT-SEC estão previstos para o final de 2010. A proposta principal é aprofundar estudos nos chamados sistemas embarcados críticos no Brasil, firmar parcerias com grupos internacionais e dar continuidade a pesquisas em andamento no ICMC, como as experiências com veículos autônomos (aéreos e terrestres).

A primeira atividade do INCT-SEC foi um workshop realizado em abril, em São Carlos. O grupo de pesquisa está instalado nas dependências do ICMC, mas em 2012 mudará para a sede definitiva, a ser construída no Parque Ecotecnológico de São Carlos.

Cooperação alemã

O professor Dieter Rombach, diretor da área de tecnologia da informação do Instituto Fraunhofer (Alemanha), visitou São Carlos na primeira quinzena de março. Na oportunidade, conheceu as pesquisas do ICMC com sistemas embarcados críticos em veículos autônomos e anunciou, para breve, parceria com o INCT-SEC.

“Em Salvador (BA), o governo estadual aportou recursos para criar um Centro Fraunhofer na Universidade Federal da Bahia (UFBA)”, informa o professor José Carlos Maldonado. “E há forte possibilidade de se instalar uma unidade também em São Carlos”, completou o docente do ICMC, que é também presidente da Sociedade Brasileira de Computação.

O Instituto Fraunhofer foi criado em 1949. Voltado à inovação, aproxima a universidade da indústria e procura transformar o conhecimento produzido no meio acadêmico em novos serviços e produtos. A meta é conferir impacto social ao investimento feito em ciência e gerar renda e empregos para a sociedade.

No modelo de parceria proposto, o grupo europeu aporta o mesmo valor que o governo e as empresas locais nos projetos de pesquisa. Cada posto montado fora da matriz alemã tem prazo de três anos para atingir as metas. Após esse período, se a iniciativa for bem-sucedida será finalmente constituída a filial do Fraunhofer e termina o aporte estrangeiro de dinheiro na unidade, que passa a operar com recursos próprios.

No momento, o INCT-SEC procura parceiros para financiar o escritório do Fraunhofer em São Carlos. A verba a ser investida poderá vir de agências de fomento, empresas e governos municipal, estadual ou federal. “A expectativa é repetir no Brasil a experiência norte-americana: uma rede de Centros Fraunhofer bem-sucedida”, destaca o professor.

Inteligência artificial

A proposta principal dos sistemas críticos embarcados é comandar veículos (avião, carro, submarino, satélite e balão) e dispositivos eletroeletrônicos embarcados, como telefone celular, videogame, equipamentos médicos e de monitoramento remoto. Podem inclusive integrar eletrodomésticos e componentes de alta tecnologia.

Os sistemas críticos embarcados são soluções completas de informática. Incluem o projeto e o design dos componentes de hardware (placas, circuitos, dispositivos autônomos) e o desenvolvimento dos softwares (programas de computador) próprios. São capazes de tomar decisões e executar tarefas a partir de conceitos de inteligência artificial.

Os testes com os sistemas são feitos com protótipos (modelo construído em escala menor para reduzir custos e riscos). Os dois mais avançados do INCT-SEC surgiram de pesquisas do ICMC: um veículo aéreo não tripulado (Vant), projeto cuja tecnologia foi repassada à indústria e transformado em aplicação comercial e um veículo terrestre autônomo, ainda em fase de desenvolvimento.

O estudo com o Vant começou em 1999, por iniciativa do professor Onofre Trindade Junior. O avião integrou o antigo Projeto Arara (Aeronaves de Reconhecimento Assistidas por Rádio e Autônomas), parceria da USP com a Embrapa finalizada em 2005.

Ajuda do céu

Hoje, o avião tem patentes depositadas e é comercializado. Funciona sem piloto e tripulação e se orienta por satélite (GPS). Tem custo de R$ 90 mil, fotografa e filma áreas rurais em tempo real e oferece imagens em alta resolução. Voa de modo autônomo a partir de rotas predefinidas e também pode ser controlado como aeromodelo (via rádio).

O Vant é movido a gasolina de aviação convencional e pode voar até duas horas sem reabastecer. No modo autônomo é possível programar altitude, percurso e área a ser sobrevoada e fotografada.

Caso o avião atravesse uma zona de turbulência e se desvie da rota original prevista, o sistema embarcado que comanda a aeronave se orienta pelo GPS e corrige automaticamente a trajetória. É o mesmo princípio usado por mísseis teleguiados para atingir alvos intercontinentais. No voo com rota programada, o avião é calibrado para desempenhar tarefas específicas, como, por exemplo, sobrevoar e mapear plantações.

Suas imagens possibilitam ao produtor identificar quaisquer objetos entre a aeronave e o solo. E, ainda, verificar a presença de pragas, espécies invasoras, e se alguma planta cresce abaixo do padrão esperado.

A informação vinda dos céus auxilia o produtor a traçar diagnóstico preciso de seus campos e permite economizar recursos com fertilizantes e defensivos. O avião já foi usado com sucesso em lavouras de milho e soja e pode ser adaptado para atuar com outras culturas e diferentes missões.

Preservação ambiental

A decolagem do Vant é feita a partir de um carro em movimento. A aeronave fica posicionada numa base afixada na capota e, quando o veículo terrestre atinge a velocidade de 60 quilômetros por hora, um sensor especial no nariz do avião inicia a decolagem.

A autonomia de voo é de até três horas. Se for necessário o avião pode carregar até 12 quilos de peso e aterrissar com paraquedas no meio da plantação. Seu sistema de navegação inclui base que acompanha o voo e recebe em tempo real as imagens e demais dados transmitidos.

A tecnologia dos sistemas embarcados críticos do Vant foi patenteada e repassada para a AGX Tecnologia, empresa parceira sediada em São Carlos. De acordo com Luciano Néris, ex-estudante do ICMC e gerente de projetos da AGX, a aeronave recebeu o nome comercial de AGplane e está disponível para venda ou aluguel (interessados devem acessar o site da empresa – ver serviço).

“As possibilidades de monitoramento aéreo rural e urbano são muitas. A Marinha brasileira já o utiliza em exercícios de treinamento de tiro, mas é possível também fiscalizar e vigiar áreas de preservação ambiental, fronteiras e mapear recursos hídricos, geológicos e ecológicos”, informa Néris.

O Vant desenvolvido na USP tem custo de fabricação menor que os aviões convencionais que geram imagens aéreas. Outras vantagens: voar em baixas altitudes e em espaços reduzidos; e dispensar pista especial para pousar e decolar – o procedimento pode ser feito em qualquer estrada de terra. “E por não ser tripulado tem potencial de poupar a vida de pilotos em regiões de selva fechada e sujeitas à artilharia”, destaca.


Carro autônomo tem várias aplicações

Os professores Denis Wolf, Eduardo Simões e Fernando Osório são os responsáveis pelo protótipo dos veículos terrestres autônomos em desenvolvimento no ICMC. Elétrico e equipado com sensores capazes de identificar obstáculos e mapear todo o terreno ao redor com imagens tridimensionais, o veículo se desloca por todas as direções sem choques ou capotamentos.

A pesquisa foi iniciada no começo de 2009 e tem parceria de professores de Mecatrônica da Escola de Engenharia (EESC) da USP São Carlos e da Politécnica. O protótipo custou R$ 40 mil e os resultados obtidos ainda são preliminares, porém suficientes para atrair o interesse de uma montadora de carros instalada no Brasil.

A multinacional está firmando parceria com a USP de São Carlos, por meio da EESC, e doou um carro top de linha. O veículo será usado nas pesquisas desenvolvidas em parceria com os professores da EESC, do ICMC e demais pesquisadores do INCT-SEC.

Outras perspectivas de uso são adaptar os sistemas de controle inteligentes dos veículos terrestres para desenvolver uma cadeira de rodas inteligente à prova de quedas e de colisões e capaz de receber comandos de voz. Também se cogita utilizar essa tecnologia como robô, para orientar o trânsito de pedestres e carros em cruzamentos de ruas e avenidas.

Por fim, há a possibilidade de uso militar. A ideia é reaproveitar o sistema embarcado usado no carro para equipar um robô antiminas, capaz de transitar em campos com explosivos, detectar e desarmar armamentos. O objetivo é usá-lo em países assolados por conflitos. Em Angola, por exemplo, mesmo com a guerra civil terminada, a população ainda é ameaçada pelas minas enterradas na época da guerra.

Serviço

ICMC-USP
AGX Tecnologia

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 20/05/2009. (PDF)

Moderna tecnologia revoluciona exame para medir a pressão intracraniana

Fapesp investe R$ 500 mil para produzir o monitor em escala comercial; aparelho estará disponível no mercado brasileiro em 2010

A equipe de pesquisadores coordenada pelo professor Sérgio Mascarenhas, diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP de São Carlos, criou aparelho não-invasivo para medir a pressão intracraniana tanto de pessoas como de animais. Já patenteado, o equipamento facilita exames em portadores de hidrocefalia e em vítimas de traumas cranioencefálicos (batidas na cabeça).

Batizado de Monitor de Pressão Intracraniana, o dispositivo de uso médico foi desenvolvido nas unidades da USP de São Carlos, Ribeirão Preto e Universidade Federal de São Carlos. É uma criação do professor Sérgio em conjunto com os doutorandos Wilson Seluque (bioengenheiro) e Gustavo Frigieri (farmacêutico-bioquímico), também alunos das instituições.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) investiu R$ 500 mil para a empresa Sapra Assessoria, de São Carlos, produzir o monitor em escala comercial. O equipamento chegará ao mercado brasileiro em 2010 e poderá ser exportado para Europa e Estados Unidos assim que obtenha patentes nestas localidades.

Tecnologia sem fio

No exame convencional, o médico faz um orifício de cinco centímetros de profundidade na cabeça do paciente para medir a pressão. Com o novo monitor o exame não é invasivo e diminui o trauma cirúrgico, a dor e o risco de infecções e outras complicações médicas.

O equipamento recebe as informações enviadas por um sensor colocado na pele da cabeça do paciente. O referido chip embutido mede o valor da pressão interna no cérebro e transmite, sem fios, a informação para um receptor conectado a um computador. O monitor analisa o volume do líquor (líquido cefalorraquidiano), substância que reveste e protege o sistema nervoso central contra choques. E também considera a concentração de sangue e a massa cerebral, outros fatores de risco.

Uso doméstico

O segredo por trás dessa moderna medição é um sensor de deformação de dimensões no interior do chip. A inspiração veio de aparelhos de engenharia usados para monitorar a presença de rachaduras em paredes e lajes em construções.

Fácil de operar para o médico, o monitor também pode ser usado por enfermeiros e equipes de resgate. A ideia é, no futuro, possibilitar o uso doméstico do aparelho e prestar socorro rápido em caso de elevação da pressão intracraniana: o valor normal é entre 10 e 15 milímetros de mercúrio; valores entre 20 e 30 são perigosos e acima de 30 podem levar a pessoa à morte.

A expectativa inicial é utilizar o monitor em exames de acompanhamento em portadores de doenças crônicas, como a hidrocefalia, e pacientes com risco de aumento na pressão intracraniana – hemorragias, edemas, tumores e infecções.

Outro uso é acelerar diagnósticos em vítimas do trânsito com pancadas na cabeça e região cervical, como motociclistas e pedestres atropelados. A tecnologia inédita no País trará, ainda, economia para o Sistema Único de Saúde (SUS), pois o custo do sensor subcutâneo é de R$ 300, ao passo que o exame tradicional sai por R$ 2,5 mil.


O paciente inventor

Em 2005, o professor e criador do Monitor de Pressão Intracraniana, Sérgio Mascarenhas, começou a sentir tonturas e dificuldade para caminhar. Tinha 77 anos e recebeu diagnóstico de mal de Parkinson. No entanto, por não reagir ao tratamento e com risco de morte, foi aconselhado a consultar-se com o neurorradiologista Antônio Carlos dos Santos, seu ex-aluno e docente da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

Um exame de ressonância nuclear magnética ajudou o especialista a dar o diagnóstico correto da doença: hidrocefalia. Então, recomendou ao paciente cirurgia e controle da pressão intracraniana pelo sistema de válvula e cânula.

Realizado esse procedimento (cirurgia para implantar dreno na cabeça) passou a conviver com um reservatório no abdômen para desviar o excesso de líquor existente no crânio.

Durante a convalescença, Sérgio participou da festa de aniversário de um de seus netos. Ao observar um convidado enchendo uma bexiga (balão de borracha), associou o crescimento do volume do brinquedo à expansão do cérebro de um portador de hidrocefalia. No retorno ao trabalho, refez no laboratório a brincadeira e colocou a bexiga dentro de um crânio humano.

Os passos seguintes eram encontrar meios para monitorar a pressão interna da bexiga sem perfurar o crânio e depois desenvolver o equipamento. Aí entraram em cena seus doutorandos.

“A finalidade do equipamento é aliviar o sofrimento do doente crônico, que precisa fazer exames periódicos. Antes de desenvolver a doença, nunca tinha pesquisado o assunto. Mas como a missão de todo professor universitário é passar adiante o bastão do conhecimento para a próxima geração, fiz a minha parte”, comemora Sérgio exibindo o monitor desenvolvido por ele e seus doutorandos.


Salvo pelo amigo

Nos anos 1960, o professor Sérgio Mascarenhas coordenava pesquisas nas áreas de Biofísica Molecular e Física Médica no Instituto de Física de Trieste, no nordeste da Itália. Foi para lá a convite de um amigo, o prêmio Nobel paquistanês e Físico Teórico Abdus Salam, um dos primeiros a incentivar pesquisas científicas de alto nível em nações pobres e a formar recursos humanos com esta finalidade nos países em desenvolvimento.

Um dia, Sérgio convidou o jovem médico Antônio Carlos dos Santos (formado pela USP de Ribeirão Preto) para estagiar em Trieste. Neurorradiologista, Santos queria conhecer a tecnologia da ressonância nuclear magnética (na época só disponível no exterior) e também passar a operar o aparelho usado nos exames, que não havia no Brasil e custava US$ 1,5 milhão.

Sérgio conseguiu a inscrição do médico no curso de Física Médica, do qual era diretor em Trieste. No entanto, jamais imaginou que um dia seria salvo por esse mesmo jovem.


Sintomas da hidrocefalia

Em crianças pequenas o aumento da pressão intracraniana provoca irritabilidade, amplia o tamanho do crânio, choro fácil e recusa de alimentação. Em crianças um pouco maiores e em adultos causa dor de cabeça, alterações visuais, náuseas e vômitos. Todos os sintomas são comuns em portadores de hidrocefalia – doença que pode ocorrer em qualquer fase da vida do paciente, porém com maior incidência em recém-nascidos e lactentes.

A hidrocefalia é causada pelo acúmulo de líquor no interior da cavidade craniana. Não tem cura e o tratamento requer acompanhamento periódico da pressão e cirurgia, que consiste em instalar um tubo fino (cânula) com uma válvula em sua extremidade no interior do cérebro do paciente.

Então, a cânula começa a eliminar o excesso do líquor através de um duto subcutâneo que passa pelo pescoço e leva à cavidade abdominal, onde é metabolizado.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 18/11/2008. (PDF)