Atuando em quase todas as unidades da rede estadual de ensino, as APMs permitem que a sociedade participe, de forma voluntária e transparente, na gestão das verbas escolares
A Associação de Pais e Mestres (APM) é uma entidade que existe, informalmente, desde 1930. Mas só foi regulamentada em 1978 pelo Decreto Estadual nº 12.983, de 15 de dezembro, e reformulada pelo Decreto nº 48.408, de 6 de janeiro deste ano, para se adaptar ao novo Código Civil Brasileiro, instituído em 2002. Registrada em cartório como entidade sem fins lucrativos tem conta em banco para receber verbas oficias do Estado e da União e, também, pagar despesas. Quase todas as 5,5 mil escolas do Estado de São Paulo têm APM. Apenas as mais recentes ainda não formaram as suas.
Essas entidades mantêm convênios com a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) a fim de receberem as verbas que se destinam à manutenção das escolas. Existem verbas adicionais para a aquisição de material didático, pedagógico, equipamentos de informática, de segurança (como para-raios), construção de quadras e outros locais para a prática de esportes e recreação e, ainda, contratação de serviços. Entre 1996 e 2002, foram realizadas 1,8 mil coberturas de quadras em estabelecimentos estaduais de ensino em São Paulo, de acordo com números da Fundação.
O coordenador da FDE para relações com APMs, Urias de Castro Figueiredo Filho, lembra que o programa de convênios tem 25 anos, embora a fundação tenha sido criada pela Secretaria da Educação em 1988. Antes, as verbas eram liberadas pela Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo (Conesp), extinta com o surgimento da FDE. “Assim como as APMs, somos entidade jurídica, o que propicia legalmente a transferência de valores entre contas bancárias”, explica Urias.
Verba federal
Entre 1996 e 2002, informa o coordenador, o montante de repasses da FDE às associações foi de R$ 1 bilhão. Para o biênio 2003/2004, a previsão é de R$ 200 mil. O valor é proporcional ao número de alunos matriculados na escola. Desde fevereiro, a importância passou de R$ 0,85 para R$ 1,30 por estudante. A verba é depositada trimestralmente na conta de cada APM, no Banco Nossa Caixa.
Existe também a verba federal, vinda do Ministério da Educação, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), iniciado em 1996. O valor, em torno de R$ 4,5 mil ao ano para cada escola, é depositado nas contas das APMs, na Caixa Econômica Federal. Em 2003, a União destinou R$ 23,6 milhões para as instituições da rede estadual paulista. A FDE também administra esses recursos, com prestação de conta obrigatória a cada trimestre. Também cuida de aprovar a utilização da verba. A APM tem de apresentar comprovantes originais (notas fiscais e outros), conciliação bancária e extrato da conta-corrente com a movimentação no período. Para isso, é aconselhável que tenham a assessoria de um contador.
Urias assegura que raramente surgem prestações de conta com erros. Se houver problemas, não recebe a próxima verba. Em caso de ilícitos, o diretor da escola pode ser acionado juridicamente e sofrer sanções (suspensão ou demissão) previstas nas leis do serviço público.
Novo estatuto
A Secretaria da Educação criou no final do ano passado uma assessoria jurídica vinculada à chefia de gabinete para elaborar as mudanças no estatuto de 1978 e adaptá-lo ao novo Código Civil Brasileiro.
O departamento recém-instituído é formado por oito profissionais, entre advogados e contadores. Eles também cuidaram da divulgação do estatuto legalizado pelo Decreto Estadual nº 48.408/2004. Realizaram, dia 21 de janeiro, videoconferência sobre o assunto, com as 89 diretorias regionais de ensino do Estado. A responsabilidade de levar o novo estatuto às APMs ficou a cargo das regionais.
A advogada Margaret Cruz, da assessoria do gabinete da secretaria, observa que o antigo estatuto já era bom. “Tanto que funcionou por 25 anos”, comprova. Entre as mudanças ela destaca a assembléia geral de pais, professores e alunos para discutir o estatuto. Antes, essas reuniões apenas elegiam os membros da APM. A partir de agora, as associações também terão de fazer balanço, como se fossem empresas, e apresentar o resultado em assembléias.
As APMs devem ser compostas por 23 pessoas ligadas à comunidade escolar. O conselho deliberativo tem 11 membros, diretoria-executiva, 9 e conselho fiscal, 3. Os alunos representantes devem ser maiores de 18 anos.
Dúvidas em relação ao novo estatuto podem ser esclarecidas nos sites da Educação e da FDE; pelos telefones (11) 3218-2023 (assuntos jurídicos), na central de atendimento da FDE (11) 3311-7251 ou 3326-0122 ou na central da Secretaria da Educação, 0800-7700012.
Escola Sebastião: exemplo de sucesso e modelo na rede pública
A união de mães, alunos e professores é o que faz a Escola Estadual Professor Sebastião de Souza Bueno ser considerada modelo na rede pública. O estabelecimento tem na Associação de Pais e Mestres uma equipe interessada em melhorar a educação e a qualidade de vida em Vila Medeiros, zona norte da capital, onde fica a escola, que está completando meio século.
A trajetória da Sebastião, como é conhecida, reflete no número de pais que a procuram para matricular os filhos no início do ano. Esse exemplo de sucesso confunde-se com a vida de Norma Sueli Biazetti, professora de Ciências que iniciou carreira em 1978. Trabalha na instituição há 23 anos e, desde 1992, como diretora e presidente da APM.
A escola tem 1,8 mil alunos em 42 classes e as salas abrigam em média 35 estudantes no ensino fundamental e 40 no médio. É mantida com recursos estaduais, federais e valores próprios que a APM arrecada com o aluguel da cantina e rendas de festas e campanhas.
Gestão simplificada e transparente
Norma informa que a APM paga o fornecedor somente após a execução do serviço ou a entrega do produto. “As mães são atuantes, disponíveis e presentes. As decisões são sempre coletivas, respaldadas por professores, coordenação, pais e conselho de escola, que é tratada como a família de cada um”, ressalta.
A transparência na gestão do dinheiro, observa, é primordial para colher bons resultados. “Se os alunos percebem que os recursos são aplicados corretamente, na melhora do ensino, até o comportamento deles muda.” A escola é limpa, sem pichações. Mas a regra é: sujou, limpou e quebrou, consertou. “Menos de 10% dos alunos depredam o patrimônio e prefiro advertências a punições. Uso o diálogo e a reflexão para convencê-los a reparar o que danificaram.”
Olhos e ouvidos da comunidade
Embora representem menos de 1% do total de pais, as 15 mães da APM da Sebastião de Souza Bueno são os olhos e os ouvidos da comunidade escolar. Amigas há anos, desenvolvem trabalho com a diretora no acompanhamento, apoio e fiscalização do cotidiano escolar. “Sempre de prontidão, auxiliam na limpeza, em festas e comparecem às reuniões. No ano passado, a merendeira tirou licença médica e elas se revezaram para cozinhar e servir as crianças”, conta a diretora.
Algumas das mães são ex-alunas, como Maria de Lourdes da Silva Bento, fiscal da APM, e Maria de Lourdes Nepomuceno, a diretora-executiva. O grupo tem também Juraci Santana Oliveira, conselheira da associação, cujo filho já nem estuda mais na escola. “Tanto eu como meu marido jamais vamos abandonar esta casa, é parte das nossas vidas.”
A cada quinzena os membros se reúnem, votam e decidem como serão investidos os repasses da Secretaria da Educação. Cada chapa eleita para a APM tem mandato de dois anos e todos os pais de alunos são eleitores. Clélia Maria Santos Querido, diretora-financeira, explica que os gastos são aprovados em assembléia e os pagamentos, autorizados mediante nota fiscal. “A APM é obrigada por lei a prestar contas ao Estado pelo dinheiro que recebe e temos contador para registrar a movimentação financeira.”
Para a confecção do uniforme, a associação pesquisou o melhor preço e revendeu. Do pequeno lucro obtido, 10% foram reinvestidos na compra de camisetas e agasalhos adicionais para alunos carentes. A manutenção do prédio é trabalho constante, que inclui pintura, conserto de portas e fechaduras, material escolar, ventiladores, bebedouros, dedetização, televisão e videocassete.
Horta traz fartura, conhecimento e cidadania
Mesmo sem dispor de conhecimentos, a professora de Ciências Sônia Nogueira iniciou no ano passado um sonho antigo: a horta na escola. Com apoio financeiro da APM, ela arregaçou as mangas e convidou os alunos para participar.
O trabalho começou com a limpeza do terreno, feita pelos estudantes. Depois vieram preparação do solo, adubação e plantio. A Prefeitura de São Paulo colaborou com a doação de sementes e ferramentas. O declive do terreno foi amenizado com a colocação de garrafas PETs cheias de pedriscos para segurar a encosta dos canteiros.
Na horta são cultivados pepino, tomate, beterraba, cenoura, rúcula, almeirão, abóbora, boldo, mandioca, abacaxi, chuchu e repolho. “Com a primeira colheita, fizemos um piquenique e os alunos comeram as verduras e até levaram para casa”, conta Miriam Silva Oliveira, aluna e “agricultora” da escola.
Para conferir se estavam aprendendo, a professora Sônia passou como tarefa, aos alunos, fazer uma pequena plantação em suas casas ou na vizinhança. “A disciplina interna também melhorou. Em uma classe, antes problemática, o trabalho no campo propiciou maior integração entre alunos e professores e diminuíram as reclamações”.
Fanfarra da escola: orgulho e integração pela música
A fanfarra da Sebastião de Souza Bueno é motivo de orgulho dos alunos. Criada e dirigida por eles, o grupo musical foi reativado em 2001, com verba da APM para comprar instrumentos e tecidos para bandeirinhas e uniformes das dançarinas.
O grupo se apresenta em festas escolares, competições esportivas e quando convidado por outras escolas. Os ensaios não prejudicam as aulas e são realizados na quadra, às terças e quintas-feiras, no horário do almoço e aos sábados, às 10 horas. Também integra as atividades do Programa Escola da Família, nos fins de semana e feriados.
Camila Xavier Omar, 14, e mais duas amigas da 5ª ensinam os passos e coreografias às outras colegas. “Faço novas amizades e conheço a escola inteira. O gestual com as bandeiras simboliza as cores da escola (preta, vermelha e branca) e determina as evoluções e marchas da fanfarra”, conta.
Maycon Antônio Feitoza Pazetto, 17, é o regente. Herdou a batuta de outros dois colegas que conseguiram emprego e não tinham mais tempo para os ensaios. “Comecei guardando os instrumentos, depois toquei surdo, caixa e hoje, com o apito, marco o ritmo e oriento os demais componentes.”
A fanfarra é composta por 50 pessoas: 32 instrumentistas e 18 bailarinas. Há mais de 30 alunos na fila de espera para ingressar na turma, mas as vagas estão esgotadas, por falta de instrumentos. “Só surgem oportunidades quando alguém falta no ensaio pela 3ª vez, assim o ausente é substituído pelo 1º primeiro interessado da fila. Foi assim que entrei neste ano”, explica Wilson Lopes da Silva Leal, tocador de caixa.
As apresentações duram, em média, 45 minutos, equivalente a oito músicas. Os instrumentos são bumbo, surdos (pequeno, médio e grande) e caixa. O som das baquetas já serviu para alertar os moradores da Vila Medeiros sobre os perigos da dengue. “Na campanha pela erradicação dos focos do mosquito, a fanfarra acompanhou os agentes de saúde”, finaliza Janayna Bevilaqua, tocadora de bumbo.
Otávio Nunes e Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 21/07/2004. (PDF)