Unesp usa células-tronco adultas para tratamento experimental de pulmão

Testes com animais foram promissores e técnica pioneira poderá aliviar sintomas de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

O professor João Tadeu Ribeiro Paes, da Faculdade de Ciências e Letras (FCL) da Unesp, campus de Assis, conseguiu regenerar tecidos pulmonares de camundongos a partir de células-tronco adultas retiradas da medula óssea dos próprios animais.

Promissora, a técnica mostrou aumento da capacidade respiratória do organismo dos animais. Poderá, no futuro, aliviar os sintomas da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), mal incurável que mata pela progressiva perda da capacidade de respirar e impede o paciente de realizar tarefas corriqueiras, como tomar banho e trocar de roupa.

O próximo passo é obter a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), para iniciar os testes em seres humanos. O órgão é vinculado ao Ministério da Saúde e controla a aplicação de novas terapias na medicina humana. O pedido foi encaminhado em maio de 2008 e a expectativa é obter resposta até o final de abril. No organismo, o sangue é formado na medula óssea, no interior dos ossos.

Na técnica desenvolvida em Assis, o tecido da célula-tronco adulta sanguínea é retirado do miolo do fêmur do camundongo e processado no laboratório. O objetivo é aumentar a quantidade de células-tronco no material e a eficácia do procedimento é confirmada com a contagem do total de células obtidas.

Depois, o material é injetado na corrente sanguínea, na veia localizada atrás da cauda do animal. Após 28 dias são formados novos tecidos no interior das estruturas pulmonares e, assim, amplia a capacidade do organismo de fazer trocas gasosas e respirar.

Transgênicos

A experiência foi realizada com recursos próprios da Unesp. Na pesquisa, o professor João Tadeu usou linhagem especial de camundongos transgênicos. Os animais foram fornecidos pela Universidade de Osaka (Japão) e têm a propriedade induzida de ficarem com a coloração verde quando expostos à luz ultravioleta. Dessa maneira é possível rastrear as células-tronco no corpo do organismo receptor.

As cobaias utilizadas na experiência tiveram a capacidade pulmonar diminuída propositadamente, de modo a simular nelas o enfisema humano. A melhora da capacidade respiratória foi confirmada pela regeneração do tecido pulmonar. A constatação surgiu a partir da medida do diâmetro dos alvéolos – estruturas onde ocorre a troca de ar nos pulmões.

O professor João Tadeu é médico, geneticista e integra o Departamento de Ciências Biológicas da FCL. Inconformado com o sofrimento das seguidas internações de pacientes e familiares causados pela DPOC, decidiu pesquisar o assunto. Propôs então uma técnica inovadora para tratar os sintomas, de baixo custo, sem risco de rejeição, que tem uma vantagem adicional: não usar células-tronco embrionárias, área de estudo promissora para a medicina, porém repleta de polêmicas éticas, legais e religiosas.

O estudo do professor João Tadeu é pioneiro no Brasil e, talvez, no mundo. Segundo o médico, a ciência ainda não descobriu por completo quais os mecanismos que permitem às células-tronco regenerar tecidos do pulmão e de outros órgãos.

O pesquisador destaca a existência de três hipóteses formuladas pela ciência ao longo do tempo para explicar o fenômeno: a transdiferenciação (1999), a fusão das células (2002) e a modulação (2005). Nenhuma é totalmente comprovada, porém é possível que todas sejam complementares entre si.

Voluntários

Na fase inicial do projeto com seres humanos serão avaliados dez voluntários, todos portadores de DPOC em estágio avançado e que tenham deixado de fumar há pelo menos seis meses.

São pacientes do Instituto de Moléstias Cardiovasculares (IMC), hospital particular de São José do Rio Preto, que investiu R$ 10 mil em cada paciente do projeto. Cada um receberá de 100 a 150 mililitros de sua própria medula óssea (autotransplante).

A fase de inoculação das células-tronco deve durar três meses. Durante um ano, serão acompanhados com exames clínicos e laboratoriais. Essa etapa do estudo objetiva verificar se o tratamento não provoca dano ao paciente.

A fase seguinte pode durar de seis meses a um ano. A finalidade é verificar a eficácia do procedimento, por meio de exames como espirometria (capacidade pulmonar), tomografia computadorizada e outros testes para analisar a regeneração da função pulmonar. A última fase, ainda sem data prevista, consiste em aplicar a terapia em maior escala, em 1,2 mil voluntários.


A doença e o vilão

Embora a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) seja incurável, o tratamento clínico e a fisioterapia podem reduzir os sintomas. Aumenta, assim, a qualidade de vida para o paciente de enfisema e bronquite crônica e reduzem as internações e o risco de contrair infecções no meio hospitalar. Não há, porém, até o momento, tratamento clínico, apenas medidas paliativas. O custo médio anual do tratamento para paciente em grau avançado da DPOC é de US$ 1,5 mil aos cofres públicos.

Para o sistema público de saúde, a técnica que está sendo desenvolvida em Assis pode significar economia de recursos e menos leitos ocupados. O mal é provocado, na maioria dos casos, pelo cigarro.

De acordo com as estatísticas do Ministério da Saúde, o tabagismo acomete 20% da população do País, transformando o combate à doença num grande desafio para a saúde pública. Dos 40 milhões de fumantes brasileiros, 15% (5 a 7 milhões) têm ou terão a DPOC, segundo as estatísticas.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 31/03/2009. (PDF)