Informatização reduz de 2 horas para 20 minutos tempo de produção de um retrato falado; trabalho dos peritos assemelha-se em até 70% a feição do rosto do suspeito
A Divisão de Arte Forense da Secretaria da Segurança Pública (SSP) foi uma das mais beneficiadas com o investimento progressivo na informatização do setor, que incluiu compra de computadores, programas especializados e preparação e treinamento dos peritos. A tecnologia possibilita a diminuição do tempo médio de produção de um retrato falado de duas horas para 20 minutos.
O desenho é uma ferramenta auxiliar do trabalho policial. Somente é solicitado para elucidar crimes de autoria desconhecida. É diferente de uma perícia e tem por objetivo colaborar na identificação e captura de suspeitos. É muito utilizado em crimes de estupro, latrocínio, homicídio e permite aproximação de até 70% dos traços reais do rosto do procurado.
“A Secretaria da Segurança investiu no setor e as estatísticas têm sido satisfatórias”, diz o perito Sidnei Barbosa, coordenador da Divisão de Arte Forense. Ele lidera uma equipe de quatro profissionais que atendem a totalidade das delegacias do Estado. Explica que a infraestrutura é flexível – permite rápido deslocamento do grupo com notebooks e equipamentos numa viatura para qualquer região paulista. Os profissionais trabalham em plantão permanente e os turnos são de 12 horas ininterruptas. Dessa forma, há sempre alguém apto a realizar a tarefa.
“Depois da notificação de um crime de autoria desconhecida, o policial consulta na Intranet (rede interna da Secretaria) informações sobre possíveis suspeitos. A partir do relato descritivo das testemunhas, o esboço ou desenho ganha em relevância, pois pode determinar rumos para o avanço de uma investigação mais precisa. No mesmo dia em que um juiz foi assassinado em Presidente Prudente, viajamos da capital até o local da cena. Uma testemunha, distante 50 metros do fórum local, percebeu a abordagem e presenciou o ato. Com a descrição, fiz o trabalho e uma animação tridimensional do suspeito. Rapidamente a força policial estava mobilizada na captura do matador”, exemplifica.
Cinco mil fotos
O banco de dados da divisão tem 5 mil fotos de presos condenados e mais de 15 mil itens diferentes armazenados. São variações dos cinco traços básicos, combinações de tipos fisionômicos e sinais particulares: olhos, linha da testa e do nariz, boca, cabelo e o formato do rosto. “Quando encontro um tipo de cabelo não catalogado no banco, adiciono-o instantaneamente nos registros. O sistema permite incluir brincos, óculos e diferentes tipos e tonalidades da cor da pele”, informa.
“Se a vítima relata que o agressor tinha uma cicatriz na testa, com poucos cliques no mouse simulo a marca. Depois de finalizado o retrato frontal, se for necessário, remeto o arquivo para outro programa, o qual cria animação tridimensional com o rosto. A técnica de identificação se aproxima ainda mais da realidade e as chances de se prender um inocente para averiguações diminuem”, explica.
O uso das imagens é restrito aos computadores da Secretaria. Sidnei informa que são feitos, em média, seis retratos por dia, porém não são repassados à mídia. Somente há divulgação quando esgotadas as possibilidades de captura do criminoso e quando se pretende evitar sua fuga para outros países e Estados da Federação, mesmo que disfarçado. “No tempo do papel eram necessárias duas horas para se produzir semelhante trabalho. Hoje, no mesmo período, o rosto do acusado é divulgado na TV, internet e publicado em jornais.”
Um caso exemplar: Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, que fez dezenas de vítimas em São Paulo. Uma das vítimas, porém, sobreviveu e, mesmo com dificuldades, conseguiu detalhar a feição do agressor. O retrato falado foi divulgado nacionalmente. Ao se defrontar com seu rosto nos telejornais, o serial killer se desesperou e, intencionalmente, cortou sua sobrancelha, para despistar os investigadores e a população que colaborava e ansiava por sua captura. “O trabalho foi eficiente. Permitiu a um pescador do Rio Grande do Sul notar a presença do psicopata e denunciá-lo à polícia”, lembra Sidnei.
Confiança da vítima
Antes de começar a esboçar a imagem, o perito precisa conquistar a confiança da vítima, muitas vezes abalada por traumas – estupro, roubo ou sequestro. O trabalho não é feito no distrito policial, mas em local apropriado, a Divisão de Arte Forense, especialmente projetada para este serviço. A proposta é oferecer tratamento diferenciado ao das delegacias de polícia.
“O simples ato de denunciar um estupro já é humilhante para a vítima. Imagine se o delegado perguntar às pessoas no distrito quem é que foi estuprada? Muitas vezes, a vítima conhece seu agressor, mas não revela seu nome na delegacia. Quando chega no setor de Artes Forense recebe atenção integral e acrescenta as informações indispensáveis que faltavam no depoimento. Depois, se necessário, é encaminhada para atendimento psicológico”, informa.
O profissional conta que, em muitas ocasiões, o acusado de estupro é o próprio companheiro, marido ou ex-namorado. Nestes casos, é feita acareação entre as duas partes, para que os depoimentos sejam esclarecidos.
Mary Gottschall é papiloscopista e perita em retratos falados. “Quando uma criança é violentada, obter a descrição de seu algoz é ainda mais difícil. É preciso criar um clima amistoso e aconchegante para o menino ou a menina, que chega com náuseas e hemorragias em razão do trauma e da imensa quantidade de comprimidos que tomou por precaução: contraceptivos de emergência, tranquilizantes e coquetel antiviral contra Aids”, explica.
Colaboração da população
A perita relata que uma das estratégias para conseguir a informação é propor à vítima que faça uma ilustração sobre o assunto. Quase sempre, o desenho apresenta o agressor como um homem alto, forte e malvado. Mostra, também, uma criança, em tamanho menor e que a vítima diz ser sua amiga, porém, na verdade, é ela mesma, muito abalada com a situação. Os peritos explicam ser mais fácil para a polícia deter autores de crimes sexuais do que ladrões e assaltantes.
“O estupro revolta muito mais a opinião pública e há mais colaboração da população, fator fundamental para a captura. No interior, mostrei o retrato falado de um tarado para frentistas de um posto de gasolina. Depois, perguntei se eram casados e tinham filhas menores de idade, porque havia um maníaco solto, que atacava crianças. Dois dias depois, ao abastecer o carro o suspeito foi detido”, lembra.
“É preciso sentir e imaginar”
Sidnei Barbosa ingressou há 15 anos na Secretaria da Segurança. Conta que, no início, o trabalho do desenhista era feito à mão, no papel com grafite e esfuminho. “Os primeiros programas de computador trabalhavam somente com recortes de fotografia. Facilitaram a composição dos retratos, evitando as inúmeras correções em olhos e boca”, explica.
Sidnei fez cursos na Escola Panamericana, na Faculdade Belas Artes e cursos especializados, porém, o seu dom é nato. “Sou apaixonado por desenho, em especial o hiper-realista, modalidade em que o artista transmite para o papel aquilo que vê e imagina. No retrato falado, é diferente. É preciso sentir e imaginar; de qualquer maneira, o sentimento carrega traumas, como a cena violenta descrita pela vítima. É preciso filtrar elementos e reproduzir somente o que for relevante. Este é um dos segredos da profissão”, confidencia.
“A maior satisfação desta equipe é quando a vítima chega com a foto do seu agressor, já encarcerado, para que seja arquivada com o retrato. Esse material fica numa pasta especial, só aberta nestas ocasiões. Aí temos a sensação do dever cumprido com a sociedade”.
Pioneira em estudos de progressão da idade
A Divisão de Arte Forense da Secretaria da Segurança Pública é pioneira no País em fazer estudos de progressão da idade. O trabalho foi iniciado há dez anos e consiste em simular de modo aproximado que rosto uma pessoa terá, daqui a dez, 20 ou 30 anos. A técnica estuda o efeito da lei da gravidade sobre o corpo humano e simula a queda da pálpebra, nariz e do lóbulo inferior da orelha.
A progressão da idade ajuda no trabalho de localização e resgate de crianças desaparecidas. Adapta-se, igualmente, às tragédias, guerras, soterramentos e catástrofes naturais, que podem provocar grande dispersão populacional. A iniciativa tem o apoio da Missing Kids, organização não-governamental de atuação internacional filiada à ONU, que auxilia a localizar crianças desaparecidas e a combater o tráfico de pessoas e a prostituição infantil.
A ONG é financiada pelo FBI americano, recebe US$ 15 milhões anuais e as duas entidades trabalham em parceria na construção de um banco de dados com o DNA da população mundial até 2040. A ideia básica é garantir que todos os recém-nascidos façam o Teste do pezinho. A partir desse exame serão guardadas no sistema características exclusivas de cada pessoa e, assim, identificar com 100% de precisão os traços fisionômicos do cadastrado.
O setor de Arte Forense foi certificado pela Missing Kids como órgão oficial capacitado a fazer o trabalho de progressão de idade. A certificação reconhece a divisão como órgão afiliado no Brasil.
Programas de computador
Na lista de programas de computador utilizados pela equipe, Sidnei Barbosa destaca o Comphotofit. Trata-se de um software desenvolvido para o FBI, órgão de segurança norte-americano, cuja base de rostos foi adaptada aos traços da população brasileira. Além dessa ferramenta, usa-se também o Adobe Photoshop, para editar e retocar imagens, e 3dMeNow, programa que gera animações tridimensionais.
Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 16/03/2005. (PDF)