Projeto piloto está em andamento na Escola Estadual João Pedro Fernandes, em Bauru; estudo avaliou a capacidade intelectual dos 267 alunos do ciclo I, do ensino fundamental da unidade escolar
Pesquisa realizada por duas professoras da Faculdade de Ciências (FC) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Bauru, motivou a criação da primeira classe da rede pública do Estado para alunos superdotados. Multidisciplinar e inédito no Estado de São Paulo, o projeto piloto é coordenado pela pedagoga Vera Capellini, do Departamento de Educação, e pela psicóloga Olga Rodrigues, do Departamento de Psicologia, e segue em execução.
Realizada ao longo do ano letivo de 2014, a pesquisa das docentes da FC avaliou a capacidade intelectual e as habilidades de todos os alunos da Escola Estadual (EE) João Pedro Fernandes.
De modo pioneiro na rede pública de ensino, o trabalho propôs uma estratégia para não perder ‘talentos’ ocultos na população, com apoio da Secretaria Estadual da Educação, da Diretoria Regional de Ensino (DRE) de Bauru, professores, pais de alunos e de pós-graduandos bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp).
Derrubando mitos
Localizada em uma região carente e periférica de Bauru, a EE João Pedro Fernandes atende crianças de 6 a 12 anos de idade, com turmas matutinas e vespertinas do 1º ao 5º ano (ciclo I) do ensino fundamental.
A escolha dessa escola entre as 52 unidades estaduais da cidade, se deu por dois motivos, explicam as docentes. O primeiro foi desmistificar o senso comum, de que alunos superdotados frequentam apenas estabelecimentos de ensino particulares e são provenientes de famílias de classe média ou alta.
O outro motivo foi dar prosseguimento à formação continuada de professores e funcionários, projeto de extensão universitária realizado em 2013 na escola pelas pesquisadoras da Unesp em parceria com a pasta da Educação.
Avaliações
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a existência de 3% a 5% de superdotados na população. Também estima a presença do mesmo porcentual de pessoas com capacidade intelectual abaixo da média na sociedade. Em Bauru, a avaliação encontrou resultados equivalentes. Dos 267 estudantes pesquisados, 11 demonstraram desempenho superior ao restante e 11 apresentaram deficiência intelectual.
Segundo as docentes da Unesp, a ciência não padronizou um protocolo para identificar superdotados na população. Entretanto, a maioria das pesquisas internacionais aplica os testes Raven e Wechsler Intelligence Scale for Children – WISC (Escala de inteligência Wechsler para crianças), os mesmos adotados na avaliação multimodal feita na escola de Bauru. Os testes, aliados a diferentes ferramentas, permitiram aferir habilidades em leitura, escrita, pintura, matemática, comunicação, etc.
Indicadores
Informações transmitidas por professores e pais sobre as habilidades dos estudantes também foram consideradas na avaliação. Elas juntaram-se aos conjuntos de testes aplicados, partindo sempre de desafios simples para enunciados complexos. Em pauta, caracterizar a inteligência, capacidade lógica e criatividade necessárias para a resolução das questões.
O quociente de inteligência (QI) verbal foi um dos indicadores. Ele traduz a capacidade da criança para relatar e apresentar conhecimentos, quanto sabe do ambiente ao seu redor, seu potencial para resolver problemas cotidianos, identificar semelhanças e diferenças, etc. A outra parte da avaliação apurou o chamado QI de Execução, ou seja, a organização exigida para montar cubos, remontar figuras abstratas, sair de labirintos, etc.
Desdobramentos
Aluno com 90% de acertos foi considerado acima da média e dotado de habilidade especial em alguma área, sem ser, contudo, um “gênio”, explicam as pesquisadoras. Para aprimorar suas potencialidades, os 11 selecionados foram convidados a participar de classe especial fora do horário letivo regular, com atividades ministradas por um professor contratado pela pasta da Educação, especializado no ensino especial.
Os 11 alunos com rendimento abaixo da média receberam tratamento equivalente, com atividades extracurriculares e estímulo dos pais e professores para melhorar seu desempenho acadêmico.
Reconhecimento
A classe criada para os superdotados, explica a dirigente da Delegacia Regional de Ensino (DRE) de Bauru, professora Gina Sanches, funcionou de modo experimental ao longo do segundo semestre de 2014, com o conteúdo sendo transmitido pelas professoras da Unesp e por alunos de pós-graduação bolsistas da Fapesp. Neste ano, por causa dos trâmites legais relacionados ao ingresso no Estado de um professor especialista para essa atividade, o trabalho foi interrompido.
A expectativa é retomar a classe especial em 2016, com o docente especialista regularizado e coordenando o trabalho. “Pela primeira vez, o Estado reconheceu a existência de superdotados e de pessoas com capacidade intelectual abaixo da média. Depois de identificá-los, tornou possível a criação de uma estratégia para possibilitar aprimorar suas potencialidades e possibilidades”, observa a professora Gina.
Coordenando o trabalho das 83 escolas da DRE de Bauru, a professora Gina comenta que o resultado promissor do projeto piloto despertou o interesse de outras regiões do Estado em replicá-lo. “A partir do ano que vem, esperamos que a legislação específica sobre a superdotação esteja consolidada. No momento, temos o apoio da Fapesp para prosseguir no trabalho”, diz, esperançosa.
Orgulho dos pais
Felipe é o maior orgulho do casal Elaine, profissional da área administrativa, e Rogério Hernandes, tapeceiro. O garoto de 8 anos é um dos 11 superdotados da EE João Pedro Fernandes. Seus pais contam que desde os primeiros anos de vida ele revelava habilidade e talento precoces para pintura, leitura, escrita e comunicação.
“Nós, da família, assim como os professores da escola, tínhamos expectativas favoráveis com relação ao seu potencial”, revela Rogério. “Felipe sempre tirou boas notas em todas as disciplinas. Ter frequentado as atividades da sala especial, no horário da manhã, despertou nele o interesse por participar de aulas de inglês. A paixão dele pelo estudo só não é maior do que por jogar bola”, acrescenta, orgulhoso.
“Não sabemos ainda como será o futuro do Felipe, mas temos a certeza de que a Mariana, sua irmãzinha de um ano de idade que já fala, irá ultrapassá-lo”, brinca a mãe.
Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial
Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 19/08/2015. (PDF)