Educação e trabalho são realidade no CDP II de Pinheiros

Unidade prisional busca preparar os detentos para o mercado profissional; Guilherme Rodrigues, diretor-geral do presídio, acumula 42 anos no serviço penitenciário e foi tema de livro

No Centro de Detenção Provisória “ASP Willians Nogueira Benjamim”, o CDP II de Pinheiros, muitos presos trabalham e, nos últimos seis anos, o local não registra fugas ou rebeliões. A unidade é uma das quatro que integram o complexo penitenciário localizado na Vila Leopoldina, zona oeste da capital e, desde 2010, está sob direção de Guilherme Silveira Rodrigues.

Organizado e bastante limpo, o presídio dispõe de agentes de segurança penitenciária (ASP) e agentes de escolta e vigilância penitenciária (Aevp) com o objetivo de assegurar o cumprimento da Lei de Execução Penal (LEP) nº 7.210/1984 e, assim, promover a ressocialização de 1,6 mil detentos. Os CDPs são unidades destinadas a internos que aguardam julgamento. O Estado tem 41 unidades dessa natureza.

Aos 70 anos, dos quais 42 dedicados ao serviço penitenciário estadual, Rodrigues atua com “postura disciplinadora, aliada ao trabalho e à capacitação do detento”. Ele diz que sempre recomenda aos presos para manterem distância das drogas e desenvolverem, durante o cumprimento da pena, alguma atividade em que haja uma dose de espiritualidade. Aos colegas e subordinados costuma sugerir que sejam líderes e chefes de si próprios “cumprindo sempre a lei com rigor”, em especial com relação aos direitos humanos dos encarcerados e de seus familiares.

Segredo

Formado em pedagogia, há sete anos Rodrigues recebeu um transplante de fígado – nem mesmo a condição de paciente com cuidados especiais o impediu de seguir no comando do CDP II. Um dos segredos de sua gestão, conta, foi ter conseguido projetar e pôr em funcionamento na unidade diversos serviços direcionados à valorização e qualificação educacional e profissional.

Construídas pelos próprios presos, as obras incluíram capela ecumênica, sala de aula e de alfabetização, biblioteca com 9 mil livros, almoxarifado, oficina de serralheria e de marcenaria, sala de informática e espaço de exposição de artesanato e de decoração, como barcos e maquetes, também feitos pelos detentos.

Reciclagem

“Não desperdiçamos nada aqui”, comentou o diretor-geral, apontando para uma das 11 cisternas para coleta e reúso da água da chuva, capazes de acumular 32 mil litros. No ambiente ao lado, mostrou um depósito de sucatas, como camas velhas e armações de ferro. “Antes descartado, esse material hoje nos permite economizar, pois, com ele, produzimos internamente janelas, portas, mesas, estantes e pilares de sustentação, entre outros móveis e equipamentos.”

De acordo com a legislação, três dias trabalhados reduzem um dia da pena. Quando um novo presidiário chega ao CDP II, passa por uma avaliação para identificar seu perfil e definir onde terá condições mais favoráveis à sua estada e ressocialização. “Também pergunto sobre a atividade profissional dele. Essa informação é muito relevante”, observa.

Desse modo, quando há alguma nova demanda no CDP, são selecionados aqueles com bom comportamento. O passo seguinte é avaliar se, de fato, ele já trabalhou como pedreiro, pintor, serralheiro, ferramenteiro, professor, etc.

Entre as opções oferecidas há tarefas simples, como limpeza, varrição e jardinagem, e outras que exigem mais conhecimentos – pintar paredes, erguer lajes, assentar azulejos, organizar livros na biblioteca, formatar computadores, dar aula de informática.

Letras

A experiência com o sistema prisional rendeu a Rodrigues capítulo exclusivo no livro Carcereiros, do oncologista Dráuzio Varella – ele e o médico trabalharam juntos na extinta Casa de Detenção do Carandiru. Uma das razões para ter sido escolhido como personagem verídico da obra foi a habilidade que desenvolveu ao longo dos anos para gerenciar crises e situações limite, como rebeliões e negociações com reféns.

Outro motivo, aponta, foi a convivência com o ex-colega e amigo Luiz Carlos Wolfman, responsável pela diretoria-geral da Casa de Detenção do Carandiru, com quem diz ter aprendido muito. A longa convivência no sistema prisional o motivou a escrever livros. O primeiro deles, Código de cela – O mistério das prisões, foi lançado em 2001. Os outros dois seguem inéditos: um dicionário com diversas gírias usadas pelos detentos (ver boxe) e outro (Às margens do Carandiru – Nossas histórias), finalizado, à espera de uma editora interessada em publicá-lo.


Carreira no sistema prisional

Natural de Borborema, no interior paulista, Guilherme Silveira Rodrigues veio morar com a família na capital aos 14 anos. Em 1974, iniciou a carreira pública como guarda de presídio na Penitenciária do Estado. Em 1980, foi transferido como assessor de diretoria-geral para a Casa de Detenção do Carandiru, zona norte da capital, cuja demolição começou em 2002 – atualmente o local abriga uma Escola Técnica Estadual (Etec) e o Parque da Juventude.

Em 1986, ingressou como professor na Escola de Administração Penitenciária (EAP). Dois anos depois retornou à Penitenciária do Estado, sendo nomeado no ano 2000 diretor-geral da instituição. Seis anos depois voltou a lecionar na EAP. Foi nomeado diretor-geral do CDP II de Pinheiros em 2010.


Algumas gírias usadas pelos detentos

Angu de caroço = bagunça
Antena ligada = estar de prontidão
Arrepio = revista na cela
Barata morta = bobo, otário
Bate chão = revista no piso da cela
Dar um pirandelo = fuga
Jambrar = trabalhar dobrado
Levar no tapa = iludir

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 27/04/2016. (PDF)

Escola forma, capacita e recicla pessoal para serviço penitenciário

Objetivo é preparar 19 mil agentes de segurança para guarda e ressocialização de 94 mil condenados no Estado de São Paulo

A principal meta da Escola de Administração Penitenciária (EAP) do Estado, ligada à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, é promover formação, capacitação e desenvolvimento de recursos humanos para o sistema prisional paulista, o maior do País, com 121 mil detentos.

Os 19 mil agentes de segurança são responsáveis pela guarda e ressocialização de 94 mil condenados em São Paulo. Eles se dividem em 115 centros de reabilitação do Estado. São 66 presídios, 22 centros de detenção provisória, 15 centros de ressocialização e 12 presídios compactos.

Localizada no bairro do Carandiru, na zona norte da capital, a EAP está instalada na antiga casa do arquiteto Ramos de Azevedo. É um recanto arborizado, vizinho da Penitenciária do Estado, que dispõe de seis salas de aulas para palestras e treinamentos.

Segundo Francisco de Assis Santana, diretor da instituição, a proposta da EAP é promover a educação continuada de todos os profissionais que atuam no sistema correcional. “Depois de aprovado em concurso público, o profissional com ensino médio completo precisa frequentar o módulo inicial de formação. Nos semestres seguintes, volta sempre para compartilhar experiências, aperfeiçoar-se e, assim, progredir na carreira”, explica.

No Estado, todos os agentes participam dos treinamentos de reciclagem. “De acordo com o tamanho das turmas, deslocamos equipes de instrutores para ministrar cursos no interior. As aulas são oferecidas em escolas e instituições públicas, obedecendo à filosofia da Secretaria de Administração Penitenciária de sempre oferecer educação continuada”.

Maior população carcerária do Brasil

São Paulo possui a maior população carcerária do País e a melhor distribuição de agentes penitenciários por preso: um para cada cinco detentos. O percentual brasileiro é de um agente para cada dez internos.

“Os agentes trabalham exclusivamente em unidades correcionais. A vigilância de distritos policiais é responsabilidade da Polícia Militar. Mais do que reeducar e ressocializar presos, a proposta de nossos treinamentos e reciclagens é prepará-los para uma nova vida após o cárcere”, finaliza.

Eduardo Estanajal, agente penitenciário há cinco meses no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, conta que as lições recebidas na EAP são fundamentais. “Aprendi a tratar corretamente o reeducando, sempre com base no direitos humanos estabelecidos pela ONU.”

“Os presos tentam nos induzir a reconhecê-los por seu passado de crimes, de modo a obterem prestígio entre seus pares. Adotamos o procedimento de chamá-los pelo nome e lembrar sempre que podem se reerguer e reconquistar a liberdade e a dignidade”, finaliza.

Memórias do cárcere

Nas dependências da EAP está instalado o Museu Penitenciário. Nele o visitante irá encontrar objetos produzidos e utilizados no cárcere e trabalhos científicos das décadas de 20, 30 e 40, como a coleção de tipologia criminal do pesquisador Moraes Mello. São dezenas de volumes de livros que retratam o significado das tatuagens de condenados, fotografadas em negativos de vidro.

Segundo Esmael Martins da Silva, diretor e restaurador do Museu, os desenhos na pele são também fator de prestígio entre os demais. “Tatuagens com nomes de pessoas escritas no pé, significam que o detento as odeia. E que vai persegui-las enquanto for vivo. Pontos redondos no polegar da mão indicam o tipo de delito cometido, como sequestros, estupros e homicídio de policiais”.

Esmael destaca entre as engenhosidades encontradas, um destilador artesanal e litros de “Maria Louca”, bebida alcoólica produzida a partir de frutas e de cascas de cenoura, batata ou arroz. A imaginação dos condenados também produziu fornos de microondas artesanais, que funcionam com pilhas, lâmpadas e papel alumínio, cachimbos minúsculos para fumar maconha e crack e as famosas “teresas”, cordas fabricadas com lençóis para uso em fugas.

A imaginação de um detento criou uma tinta invisível. Em um pedaço de papel, escreveu com um palito de dentes embebido em suco de limão uma mensagem cifrada. Pedia socorro, por estar ameaçado de morte na unidade prisional. O texto foi revelado com a exposição da folha de papel no sol.

O visitante também pode conferir a coleção de telas “Via Crucis”. De autoria desconhecida, as pinturas a óleo registram a degradação humana, passando por embriaguez, implosão do núcleo familiar, mendicância, crime, julgamento e loucura. As visitas no museu são gratuitas, mas precisam de agendamento prévio.

Serviço

Escola de Administração Penitenciária
Tel. (11) 6221-0319

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 23/07/2003. (PDF)