Bala de prata

Centro Multidisciplinar da Fapesp cria nanomaterial capaz de matar dez vezes mais bactérias e fungos que os produtos encontrados no mercado

Vem dos laboratórios do Instituto de Química (IQ), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Araraquara, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o mais novo nanomaterial criado no mundo. Originado da prata, o composto tem capacidade dez vezes maior de matar bactérias e fungos do que os produtos encontrados no mercado. Inédito na literatura científica internacional, o trabalho rendeu artigo, no mês de abril, na revista britânica Scientific Reports – Nature.

A descoberta é o mais novo resultado do trabalho do Centro Multidisciplinar de Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) mantidos desde o ano 2000 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). O CMDMC é liderado pelo professor Élson Longo e o novo nanocomposto foi sintetizado pelo pesquisador Laércio Cavalcante.

O professor Élson conta que, ao analisar amostras de tungstato de prata em microscópio eletrônico de alta resolução, o grupo descobriu o crescimento de prata metálica na superfície dos cristais de tungstato. E, após um ano de pesquisa, desenvolveu um material artificial, com propriedade fungicida, bactericida, fotoluminescente (capacidade de absorver e irradiar luz) e fotodegradante (capacidade de se decompor compostos orgânicos sob a ação da luz).

Atualmente, materiais com propriedades bactericidas e fungicidas são usados na composição de embalagens, bebedouros, secadores de cabelo e até mesmo na formulação de tintas e pisos.

Para o novo material, o professor Élson vislumbra áreas variadas de aplicação, como cerâmica, eletrônica de materiais, estrutura eletrônica e química coordenada. Prevê, ainda, usos industriais especializados, como sensor de gases. Outra aposta é aproveitar o nanomaterial para despoluir lagos, pelo fato de o mesmo degradar substâncias orgânicas.

CMDMC

O CMDMC tem por proposta formar profissionais e desenvolver novos materiais inorgânicos (cerâmicos) e tecnologias de síntese e de processamento. Atua com fins específicos em pesquisa básica ou voltada para a inovação e, depois, transfere para a sociedade o conhecimento produzido.

O grupo atende empresas públicas e privadas, apoia a criação de novos negócios e dá consultorias em programas de controle de qualidade, pesquisa e desenvolvimento, entre outras funções.

Sua estrutura básica inclui os dois laboratórios Interdisciplinares de Eletroquímica e Cerâmica (Liec) do IQ-Unesp-Araraquara e do Departamento de Química da UFSCar. E mais o Grupo de Crescimento de Cristais e Materiais Cerâmicos do Instituto de Física (IFSC) da USP São Carlos e pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e dos departamentos de Engenharia de Materiais e de Educação da UFSCar.

Sediado no IQ-Unesp, em Araraquara, o CMDMC tem estrutura organizacional e administrativa próprias. Além das instalações e laboratórios, dispõe de processamento e caracterização de materiais cerâmicos, tais como fluorescência e difração de raios X, microscopia eletrônica de varredura, análise térmica diferencial, espectroscopia e infraestrutura computacional, entre outros serviços.

A lista de serviços prestados inclui consultorias para clientes como Cerâmica Saffran, Tecnicer, Alumar, IpqM, Newtronics, 3M, Esmaltes S.A., Dana Echlin, Cerâmica Gerbi, Cervejaria Brahma, Fibra S.A., CSN e White Martins Gases Industriais, entre outros.


Via de mão dupla

As descobertas científicas do CMDMC renderam 27 patentes no Brasil e três no exterior. E originaram três empresas fornecedoras de serviços e produtos de perfil tecnológico. Conhecidos como spin-offs, estes negócios são formados na maioria por ex-universitários dispostos a empreender que, depois do diploma e da consolidação da empresa, mantêm vínculo permanente com as instituições acadêmicas onde se formaram.

Neste grupo, destaca-se a Nanox, fundada em 2005 e sediada em São Carlos. A spin-off será a primeira que poderá aproveitar o novo material desenvolvido no CMDMC e já fez três reuniões para tratar da oportunidade. Dois de seus proprietários, Gustavo Simões e Daniel Minozzi, observam que o tungstato de prata é até três vezes mais fungicida do que os produtos comercializados pela empresa.

Embalagens inteligentes

Com dez funcionários, a Nanox tem entre seus quadros ex-alunos da UFSCar e do IQ-Unesp. Nos laboratórios das duas universidades testa as características físicas, químicas e microestruturais de seus produtos. Um exemplo da linha de produtos são as embalagens “inteligentes”, que conservam os alimentos por mais tempo, preservando o valor nutricional da comida humana e evitam contaminações por micro-organismos.

“Intercâmbio empresa e universidade é constante. Só que, desta vez, aconteceu algo inédito: quem nos pediu para analisar o material descoberto foi o CMDMC”, conta Gustavo. “Faremos os testes de desenvolvimento com o nanomaterial, que pretendemos usar como matéria-prima na linha industrial, por agregar características inovadoras simultâneas: ser bactericida (matar bactérias) e bacterostático (inibir o crescimento delas)”, informou.

Serviço

CMDMC
Nature
Nanox

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 14/05/2013. (PDF)

Como a Ciência entra pela boca

Pesquisa desenvolvida com apoio da Fapesp chega à produção de um tipo de pino que representa avanço na área dentária

Cientistas do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), ajudaram a empresa paranaense Angelus a produzir um pino odontológico inovador. Trata-se de um composto translúcido, com propriedades inéditas, como impedir contaminações e “endurecer” cimentos e resinas em menos de 10 segundos.

O pino odontológico é um composto vitrocerâmico. Surgiu como desdobramento da tese de doutorado do químico-físico Valdemir dos Santos, defendida em 2011 na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Neste trabalho, iniciado em 2007, e ao longo de sua vida acadêmica, o pesquisador foi orientado pelo professor Élson Longo, docente do Instituto de Química (IQ), da Unesp, e diretor do CMDMC, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp.

Atualmente, Valdemir é pesquisador júnior da Angelus. E seu trabalho conjunto com os cientistas do CMDMC permitiu também a criação de uma embalagem “inteligente” para o pino, com propriedades antimicrobianas. A parceria rendeu patentes no Brasil e exterior.

Hoje, o pino odontológico é carro-chefe de vendas da empresa e tem preço equivalente aos materiais convencionais. A caixa com cinco unidades do produto custa, em média, R$ 80. O conjunto pode ser encontrado em revendedores nacionais de material odontológico e em mais 80 países para onde é exportado.

Resistente e biocompatível

O pino é material de uso comum na odontologia. Sua função primordial é oferecer resistência mecânica, atuar como “alicerce” na estrutura dental para sustentar outro material, como obturação ou implante. Tem também por finalidade reter material restaurador definitivo ou seu núcleo de preenchimento, e o ideal é que não seja nem mais mole nem mais duro que o dente.

Na versão convencional, o pino é produzido à base de metal (aço inox, zircônio ou titânio) e pode trazer problemas colaterais, como oxidar, esquentar e sofrer corrosão. Já o desenvolvido no CMDMC é mais resistente, biocompatível e tem como diferencial a luminescência – capacidade de ser “atravessado” pela luz. Tem na composição 80% de fibra de vidro e 20% de resina epóxi, além de ser revestido com nanopartículas de prata e de molibdatos de cálcio e de sódio.

Depois da colocação do pino, o dentista usa o raio ultravioleta (luz azul) para endurecer o cimento. Neste processo, é liberado molibdênio, metal essencial no metabolismo de micro-organismos, como fungos e bactérias. A passagem da luz tem duas finalidades: endurecer cimento ou resina e atrair os micróbios, envenenados pela prata e eliminados em menos de 10 segundos. “A cura do dente vem com a luz”, explica Valdemir.

O pesquisador cita também outros aspectos positivos da tecnologia multifuncional para dentistas e clientes. Por ser antigerme, o pino odontológico previne retrabalhos no consultório causados por contaminações. E para o paciente, o processo fica mais rápido. Há menos intervenções em sua boca, muitas delas dolorosas, como tratamento de canal, obturação, implantes, etc.

Armadilha invisível

O desenvolvimento da “nanoarmadilha” teve a colaboração do químico Diogo Volanti, professor colaborador do IQ-Unesp. Sob a supervisão do professor Élson Longo, foi desenvolvida a morfologia ideal para a estrutura dos nanocomponentes, como os molibdatos incorporados na composição do pino odontológico – os testes foram feitos nos fornos micro-ondas adaptados do instituto.

Satisfeito com o resultado, Élson Longo destaca as novas possibilidades de síntese de materiais abertas a partir da pesquisa com sistemas de fotoluminescência, fruto de décadas de trabalho coletivo. Ele enfatiza o envolvimento de duas dezenas de profissionais e cientistas para solucionar desafios de biologia, microscopia, micro-ondas, composição química, física, materiais, luminescência, odontologia, entre outros.

Diogo faz eco às palavras do professor Élson Longo. Para a dupla de pesquisadores, as universidades públicas cumprem seu papel na área da pesquisa e “seguem abertas à indústria e à sociedade, para inovar sempre, apostando na ciência brasileira como fator chave para o desenvolvimento do País”.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 07/08/2012. (PDF)

Uma nova esperança (Unesp avança no desenvolvimento de droga contra a anemia falciforme)

Na comparação com o medicamento convencional, princípio ativo teve quatro vezes mais eficácia, com dosagem seis vezes menor

Desenvolver um princípio ativo sintético, capaz de originar um medicamento para atenuar o sintomas da anemia falciforme, a doença hereditária mais comum no Brasil e no mundo. Este é o tema da pesquisa desenvolvida pelo grupo de cientistas coordenado pela professora Chung Man Chin, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara.

O princípio ativo desenvolvido tem por função aumentar a produção de hemoglobina fetal no organismo do paciente, que dela depende para transportar oxigênio e gás carbônico pelo corpo. Iniciado em 2005, o trabalho dos pesquisadores já rendeu frutos.

Na comparação com o medicamento atualmente disponível no mercado, a molécula produzida pela Unesp tem a vantagem de ter propriedades analgésicas e não provocar tantos efeitos colaterais indesejáveis no paciente. Apresentou resultados quatro vezes mais efetivos com dosagem seis vezes menor. Os testes foram feitos com camundongos e o sucesso da avaliação preliminar fez com que seus criadores protegessem a descoberta. A patente brasileira foi depositada em 2008 e a internacional, em 2010.

Parceria e desenvolvimento

Um grupo farmacêutico brasileiro tornou-se parceiro da Unesp no projeto e vai investir R$ 5 milhões no desenvolvimento de um medicamento a partir do princípio ativo. Por  envolver sigilo industrial, o nome da droga e do fabricante ainda não pôde ser revelado. Até 2014, serão iniciados testes com seres humanos; e a expectativa é tê-la no mercado em 2020.

Além de Chung, o grupo de pesquisa comprometido com o novo princípio ativo inclui os farmacêuticos Jean Leandro dos Santos, também da FCF-Unesp; Carolina Lanaro, do Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e Lídia Moreira Lima, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E mais o médico Fernando Ferreira Costa, atual reitor da Unicamp.

Doença genética

anemia falciforme afeta mais negros e pobres e mata milhões no mundo inteiro todos os anos. Segundo a pesquisadora Chung, esta doença foi negligenciada pela ciência por ter sido pouco estudada até o final do século passado. Os fabricantes de medicamentos também sempre a deixaram de lado, por considerá-la de baixo apelo comercial.

A anemia falciforme é uma hemoglobinopatia transmitida de pais para filhos de ambos os sexos. A mazela foi descrita pela primeira vez em 1910 e seus mecanismos foram mais bem compreendidos em 1947, a partir de descobertas feitas pelo químico norte-americano Linus Pauling, detentor de dois prêmios Nobel.

Incurável, tem por característica comprometer severamente a saúde do paciente, que normalmente sofre dores crônicas em órgãos e ossos, além de fadiga, icterícia, infecções e úlceras difíceis de cicatrizar. Além das internações, pode trazer complicações como infarto, derrame e Acidente Vascular Cerebral (AVC), além de reduzir a expectativa de vida, que dificilmente ultrapassa 40 anos.

Hemoglobina fetal

A moléstia teve origem no continente africano, a partir de mutação genética ocorrida nas hemácias, células vermelhas do sangue responsáveis pelo transporte do oxigênio e gás carbônico no corpo. Foi uma defesa da espécie humana para se proteger de infestação causada pelo Plasmodium falciparum, protozoário causador da malária. O parasita usa a hemácia humana para se reproduzir.

Quando é sadia, a hemácia tem formato redondo, côncavo e flexível e carrega moléculas de oxigênio. Já no organismo do portador da anemia falciforme, adquire forma de foice, perde sua função e se acumula nas veias, entupindo-as bem como as artérias. Para sobreviver, o paciente da doença permanece com a hemoglobina fetal, produzida em menor quantidade pelo organismo, ao longo de toda a vida. A nova droga criada pela Unesp potencializa sua produção, que diminui consideravelmente após os primeiros meses de vida da criança.

Prevenção e tratamento

Segundo a avaliação do Ministério da Saúde, de cada mil bebês nascidos no País, um deles é doente. A cada ano, surgem três mil novos casos no Brasil. A detecção no recém-nascido é feita por meio do Teste do Pezinho. E a doença tem maior prevalência entre negros e afrodescendentes. Estima-se que 8% deles tenham o gene defeituoso e podem transmiti-lo para até cinco gerações. Como o povo brasileiro é bastante miscigenado, o ideal é que todo casal faça a verificação genética antes de ter filho.

Em crianças e adultos, a identificação do gene defeituoso é feita por meio do exame de eletroforese de hemoglobina. Para quem nasceu com anemia falciforme, o transplante de medula óssea é uma possibilidade de tratamento, porém não está disponível para todos os pacientes. O bebê diagnosticado com a doença deverá ser acompanhado por equipe multiprofissional por toda a vida. O serviço inclui atendimento de médico hematologista, enfermeiros, assistência social, entre outros.


Luta pela vida

Rosenício Eustáquio Nunes ingressou no curso de Farmácia da Unesp em 2004 e faleceu em fevereiro de 2012, aos 34 anos, faltando poucas disciplinas para terminar a graduação. Mineiro de Uberaba e portador da doença, já no primeiro semestre do curso procurou a professora Chung. Pretendia se formar, seguir os estudos no mestrado e colaborar com a pesquisa para uma nova substância para a anemia falciforme.

A doença muitas vezes afastou Rosenício dos bancos escolares. Enquanto viveu, viu muitos amigos morrerem por causa dela e sabia ter pouco de tempo de vida. Sua luta para aprofundar os conhecimentos da ciência em um novo princípio ativo sensibilizou a equipe de pesquisadores. A professora Chung e os cientistas dedicam a ele a criação do princípio ativo, segundo eles, a única esperança para milhões de pacientes da doença no mundo.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/06/2012. (PDF)