Pesquisa da USP Ribeirão Preto demonstrou evidências científicas da eficiência dessa terapia como complemento ao tratamento clínico
Um grupo de pesquisadores do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) comprovou, por meio de protocolo científico inédito, a eficiência da fisioterapia como terapêutica complementar capaz de diminuir as dores e os transtornos causados pela enxaqueca. O estudo também revelou seu potencial de uso em pacientes acometidos pela doença neurológica crônica, desde que com acompanhamento médico.
De todas as dores de cabeça (cefaleias) existentes, a enxaqueca é a mais incapacitante. Pode ter origens hereditárias e adquiridas e aflige 15% da população brasileira. Acomete mais as mulheres, que são 80% dos pacientes e, nos casos mais severos, prejudica a vida social e profissional. Provoca fortes dores e náuseas, com os sintomas podendo ser aumentados se houver exposição à luz, sons e cheiros.
Coordenado pela docente da FMRP-USP e fisioterapeuta Débora Grossi, o estudo multidisciplinar foi feito no período de 2011 a 2014. Os testes foram realizados no Ambulatório de Cefaleia e Algias Craniofaciais do Hospital das Clínicas (HC) da FMRP-USP com 50 voluntárias com idades de 18 a 55 anos. “Pela experiência clínica, acreditamos que, se o estudo fosse com homens, os resultados obtidos seriam muito semelhantes”, conta Débora.
A pesquisa foi a tese de doutoramento da fisioterapeuta Maria Cláudia Gonçalves, com orientação da professora Débora. O atendimento aos pacientes com cefaleia teve início em 2005 no ambulatório, com a diminuição da dor e da sensibilidade à dor após sessões de fisioterapia – todos receberam tratamento gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O estudo comprovou, com evidências científicas, os motivos da analgesia. Os resultados do trabalho foram repassados aos profissionais da área da saúde e outros cientistas.
Menos dor
A pesquisa permitiu aperfeiçoar técnicas manuais, como massagens específicas aplicadas no pescoço dos pacientes. Possibilitou também divulgar, em congressos de âmbito nacional, o tratamento da enxaqueca associado à técnica complementar: “Um fisioterapeuta devidamente habilitado não tem dificuldade em aprender o método e colocá-lo em prática”, observa Débora.
Em 2009, ao regressar do pós-doutorado em Nova York, a professora Débora continuou trabalhando em parceria com o neurologista Marcelo Eduardo Bigal, pesquisador brasileiro, momento em que foi delineado o ensaio clínico. No mesmo ano, o projeto recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), com financiamento de US$ 40 mil para a compra de um equipamento importado dos EUA, capaz de avaliar a extensão da dor de cada paciente, e mais três bolsas de estudo de doutorado e uma de pós-doutorado.
Em 2015, os ensaios clínicos com as voluntárias foram finalizados – e o trabalho obteve repercussão acadêmica internacional, ao ser tema de artigo publicado na revista científica norte-americana Archives of physical medicine and rehabilitation (ver serviço), no final do ano passado.
Pontos-gatilho
A metodologia adotada (protocolo científico) consistiu de oito sessões de fisioterapia manual de 50 minutos, realizadas duas vezes por semana durante 30 dias. A avaliação comparou os resultados obtidos após o primeiro e o segundo mês.
Nos 15 minutos iniciais de cada sessão, é realizado treino respiratório, para reensinar o paciente a relaxar e respirar corretamente, de modo a diminuir a tensão no pescoço; nos 5 minutos seguintes, mobilização e tração na coluna cervical; 15 minutos depois, uma massagem libera a rigidez da musculatura do pescoço e da face e, assim, são identificados os chamados pontos-gatilho da dor, de modo que, nos 15 minutos finais, eles são desativados, e a sessão é encerrada com exercícios de alongamento.
Dois grupos
As pacientes avaliadas na pesquisa foram divididas aleatoriamente em dois grupos: o primeiro recebeu medicação e passou por atendimento fisioterápico durante 30 dias; o outro ficou restrito ao tratamento convencional com analgésicos. No final, os resultados demonstraram que as pacientes submetidas à fisioterapia tiveram 4,5 dias a menos com dores de cabeça no mês.
No mesmo período, o grupo tratado apenas com medicação reduziu em 3,7 dias o problema da enxaqueca. No segundo mês do estudo, as voluntárias submetidas a sessões de fisioterapia tiveram 5,2 dias a menos de enxaqueca; aquelas que fizeram tratamento com medicação conseguiram uma redução de 4,6 dias. “Comprovamos os benefícios da fisioterapia já no primeiro mês”, finaliza Débora.
“Resultados indiscutíveis”
Residente em Ribeirão Preto, a esteticista Andreia Girodo, de 27 anos, foi uma das participantes da pesquisa. Filha de paciente com queixas de enxaqueca, ela teve sua primeira crise aos 9 anos de idade. Na adolescência, as dores cessaram, mas aos 18 anos reapareceram com mais frequência e maior intensidade.
De cada sete dias da semana, Andreia tinha enxaqueca em pelos menos cinco. Com as crises, descobriu ter hipersensibilidade à claridade, fator de agravamento das dores. “Em datas comemorativas, como aniversários, não conseguia receber convidados. A enxaqueca me atrapalhava a fazer atividades simples, como assistir à TV e ler livros”, relatou.
Diagnosticada com a doença aos 19 anos, foi encaminhada para o setor de Neurologia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP e direcionada para tratamento complementar no Ambulatório de Cefaleia e Algias Craniofaciais. Seu quadro passou a ser monitorado e ela começou a fazer exercícios físicos, acompanhados de analgésicos e antidepressivos.
Ao ser convidada para integrar a pesquisa, aceitou na hora. “Foi uma grande sorte ter exatamente o perfil de paciente pretendido”, revela. “Os resultados obtidos com fisioterapia e massagens no pescoço são indiscutíveis”, festeja Andreia. Há um ano ela não precisa aplicar analgésicos na veia e teve suas crises de enxaqueca restritas a três dias da semana.
Serviço
Hospital das Clínicas da USP Ribeirão Preto
Telefone (16) 3602-1000
O artigo publicado na Archives of physical medicine and rehabilitation pode ser acessado aqui.
Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial
Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 04/03/2016. (PDF)