Penas alternativas são opção de ressocialização em São Paulo

Instituída há 20 anos, a punição com viés educativo e sem encarceramento auxilia na reinserção social

Neste ano, em setembro, o Estado de São Paulo completará 20 anos da adoção de penas e medidas alternativas em seu território. Neste período, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP) encaminhou 150 mil infratores para cumprirem esse tipo de sentença.

Conhecidas pelo nome técnico de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), as penas alternativas são opção recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao encarceramento. Elas podem ser prescritas nas Varas de Execução Penal para delitos de menor gravidade, sem violência e dolo. Instituídas pela Lei federal nº 7.209/1984 (ver serviço) fortalecem, entre outras questões, a ressocialização dos condenados e a preservação de seus vínculos familiares.

Segundo Márcia Antonietto, da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da SAP, aproximadamente 137,5 mil apenados já cumpriram suas sentenças. Hoje, 12,5 mil trabalham em hospitais, escolas, asilos, hemocentros, repartições públicas, igrejas, organizações não governamentais (ONGs), etc. “Deixando o preconceito de lado, cerca de 4,9 mil instituições cadastradas na SAP os colocam para atuar com o seu pessoal e se beneficiam do empenho deles”, analisa.

Pioneirismo

O juiz Paulo Sorci é um dos pioneiros na adoção de penas de PSC no Estado. Em 2002, ele e o desembargador Miguel Marques e Silva criaram a primeira Central de Penas e Medidas Alternativas (CPMA) da capital, sediada no Fórum da Barra Funda, zona oeste. Na avaliação do magistrado, embora sejam educativas e úteis à sociedade, as penas de PSC servem apenas para delitos de baixo potencial ofensivo, como falsificações, furtos, pichações, entre outros ilícitos.

Sorci sublinha o fato de não existirem no Brasil estudos consolidados sobre a reincidência de quem cumpre pena de PSC, porém constata ser “muito baixa a tendência de eles virem a cometer delitos novamente”, observa. Uma das explicações, segundo o magistrado, é o fato de a SAP possibilitar à Justiça acompanhar e fiscalizar o cumprimento da pena semanalmente. “A união de todos os elos do Estado com os da sociedade é fundamental e decisiva para o sucesso das penas de PSC”, avalia.

Integração

Diretora do Departamento de Penas e Medidas Alternativas da SAP, Márcia coordena o trabalho das 67 CPMAs do Estado, cuja distribuição geográfica atende a todas as regiões paulistas. As centrais são integradas por equipes com assistentes sociais e psicólogos e, além de identificar habilidades, procuram indicar ao apenado uma instituição próxima de sua residência. Depois de encaminhado, cada apenado se apresenta na entidade e não precisa informar a ninguém qual delito cometeu.

“Cerca de 82% deles são homens e a maioria não tem curso superior. Assim, acabam sendo direcionados para serviços gerais, como de limpeza, pintura, cozinha, escritório, atendimento, manutenção hidráulica, predial, etc.”, observa Márcia. Se faltar ao compromisso da PSC, o apenado deve apresentar justificativa prévia e não pode fazer isso mais do que duas vezes. Em ambas, a falta deve ser reposta.

Segundo ela, o site da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania traz contatos (telefone, e-mail, endereço) de todas as CPMAs. Juiz interessado em pedir a instalação de uma central em sua comarca pode solicitar à SAP estudo técnico de viabilidade.

Os representantes legais de ONGs ou de instituições dispostas a receber condenados para trabalhar em suas atividades devem comparecer à CPMA mais próxima de seu endereço para se informar a respeito. O cadastramento pode ser concluído em menos de uma semana (ver serviço).

Surpresa

Desde janeiro de 2015, o ex-motoboy Carlos Nunes (*), de 46 anos, morador do Campo Belo, zona sul da capital, cumpre pena de 1,1 mil horas (3,5 anos) de PSC em um hospital público municipal do bairro vizinho, Jabaquara. Punido por adulterar a placa de sua moto, ele foi detido em flagrante em 2002. Foi julgado e condenado em 2014. Por ser réu primário, pôde cumprir PSC em vez de ser preso.

Toda terça-feira, das 9 às 16 horas, Nunes auxilia na triagem e recepção de pacientes do centro de saúde. “A vizinhança é muito carente, muitas famílias têm nesse hospital a única opção de atendimento”, diz. Hoje, habituado à atividade, conta ter tido apoio e compreensão do antigo patrão no cumprimento da decisão judicial. “Ele foi solidário, até me confidenciou ter familiares que também haviam cumprido PSC.”

Voluntário

Em dois anos, Nunes fez diversas amizades no hospital, com ortopedistas, enfermeiros e outros apenados como ele, como um dono de padaria (condenado por causa de peças de mortadela apreendidas pela Vigilância Sanitária) e um pastor evangélico (envolvido em uma briga de trânsito). Nesse período, também mudou de profissão e trabalha, agora, como auxiliar veterinário, ajudando a castrar cães, gatos, coelhos e pequenos animais domésticos.

Na unidade de saúde, J.H.K. nunca escondeu o motivo pelo qual estava lá. Ele cumpriu mais de um terço da pena e já pode solicitar indulto, isto é, a suspensão da PSC. Mas nem pensa em fazer isso. “Por estar cumprindo a penalidade, não consegui o cadastro na prefeitura para trabalhar como taxista. Gosto muito do trabalho, aprendi demais no centro de saúde. Quando acabar o período legal, quero continuar atuando como voluntário”, observou.

(*) Nome fictício

Serviço

Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP)
Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da SAP
Telefone (11) 3107-1113

Lei federal nº 7.209/1984

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 31/01/2017. (PDF)