Paciente “informado” pelo Google, um desafio para os médicos

Profissionais da Associação Paulista de Medicina alertam: diagnóstico só pode ser fechado após consulta presencial

Na era digital, em que a informação é difundida na velocidade da luz, muitos pacientes chegam aos consultórios “informados” pelo Google. Esse até não seria um problema, exatamente, se a fonte oficial de consulta fosse um ensaio clínico randomizado com uma amostra significativa, por exemplo. Mas não é o que ocorre geralmente.

Guido Tsuha

O ortopedista e médico do esporte Guido Felloni Tsuha, de 47 anos, atua desde 2001, e comenta ser comum pacientes chegarem ao consultório com muitas informações obtidas na internet, em sites aleatórios. Na avaliação dele, essa é uma questão bastante atual, recorrente e natural em uma sociedade cada vez mais tecnológica e hiperconectada.

Porém também se trata de um desafio adicional para os profissionais da área da saúde. Muitos pacientes chegam, inclusive, a sugerir exames específicos para tratar o seu problema. “Acreditar no diagnóstico dado pelo Google é um erro, assim como se automedicar é outro costume equivocado”, ressalta.

Natural de Araraquara, Dr. Guido é integrante de uma família com mais dois irmãos médicos também nascidos na Morada do Sol e atuantes na cidade: os anestesiologistas Gustavo Felloni Tsuha e Luiz Tsuha Junior.

Opinião semelhante tem o ginecologista Antônio Fernando Longo Vidal, de 63 anos, formado há 39 anos na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu. Para ele, o paciente deve sempre considerar o diagnóstico dado pelo médico especialista no consultório.

“O Google traz muitos resultados e, muitas vezes, os dados encontrados são contraditórios. Além disso, os pacientes são, em sua maioria, leigos e não têm como interpretar corretamente as informações”, observa o Dr. Vidal.

Desinformação

Antônio Fernando Longo Vidal – crédito foto Rogério Mascia Silveira

O uso da telemedicina se expandiu rapidamente com a pandemia de Covid-19, mas segundo o Dr. Vidal, na área de ginecologia, esse recurso é limitado. “Serve apenas para debater resultados de exames e jamais pode ser utilizado em um contato inicial”, explica.

Como exemplo dos desencontros atuais, ele cita o caso de uma paciente com suspeita de endometriose, cujo exame de sangue apontou valores alterados.

“Ela leu os resultados, pesquisou na internet e me perguntou como deveria tratar o câncer de ovário”, destaca. “No consultório, esclareci se tratar de endometriose, explicando que, de fato, ambas as doenças apresentam alterações no exame, porém em escalas de valores distintas”, relata.

Para ele, depois do diagnóstico do médico, o paciente até pode complementar sua consulta e pesquisar a respeito do seu quadro na internet.

Sites de referência

Na visão de Dr. Guido, o fato de o paciente se informar pode até ser positivo, desde que consulte sites de referência na área de medicina, como por exemplo, as bases de dados da Pubmed e da Cochrane Library, também utilizadas por ele para se reciclar e adquirir novos conhecimentos.

“Quem quer saber mais sobre seu o problema pode pesquisar, entretanto, deve recorrer sempre a fontes confiáveis”, esclarece.

Contudo, para fechar um diagnóstico, nada substitui o contato do médico com o paciente, mesmo tendo à disposição exames sofisticados e valiosos, como, a ressonância magnética, entre outros. “Em algumas situações, uma radiografia é suficiente para identificar o problema e avançar no tratamento”, observa.

Contato humano

No mesmo diapasão do Dr. Guido, o Dr. Vidal destaca o fato de que a tecnologia é benéfica e amplia as possibilidades da medicina, assim como ele entende que é natural o paciente ficar ansioso e querer saber mais sobre o seu problema.

Ele concorda com o colega de profissão: “é fundamental o médico especialista examinar o paciente, identificar seu histórico, conversar e realizar exames clínicos, para somente assim concluir o diagnóstico”, aponta.

“Essa interação presencial com o paciente segue fundamental. Foi ela que me possibilitou, inclusive, ter identificado diversos casos fora da minha área de especialidade, como apendicite, verminoses, tuberculose e diverticulite, entre outras doenças”, ilustra o Dr. Vidal.

Novos conhecimentos

Para reciclar o conhecimento, o Dr. Vidal participa todo ano de três a quatro congressos médicos a fim de conhecer e discutir novos casos. Ele também lê o jornal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e a revista médica mensal da entidade, a Femina.

Na avaliação do Dr. Guido e do Dr. Vidal, ambos associados à Associação Paulista de Medicina (APM), assim como em muitas profissões, os médicos precisam seguir sempre estudando ao longo de sua carreira.

O caminho é fazer cursos de aprimoramento e participar de congressos, onde há compartilhamento de experiências e apresentação das mais recentes inovações.

Para a dupla de doutores, é um grande desafio se manter atualizado em um mundo cujas transformações são cada vez mais rápidas, até mesmo para conseguir oferecer respostas conclusivas aos questionamentos cada vez mais direcionados dos pacientes nos consultórios.

Reportagem publicada originalmente no site da APM Araraquara.

Autonomia médica: direito do profissional e necessidade para o paciente

O presidente da regional Araraquara da APM alerta: tratamento precoce deve ser adotado e quanto antes for iniciada a terapia, maiores as chances de cura

Sidney Antônio Mazzi – crédito foto Rogério Mascia Silveira

A autonomia médica é uma das grandes polêmicas atuais presentes na sociedade brasileira. Sem fugir do debate, o Dr. Sidney Antônio Mazzi, presidente da regional Araraquara da Associação Paulista de Medicina (APM), esclarece: o direito de decidir os rumos do tratamento é prerrogativa fundamental do profissional da área da saúde, posição também compartilhada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

“Sem ferir a ética, o médico precisa ter total liberdade para fazer o tratamento que julgar necessário”, explica o Dr. Sidney, 68 anos, ginecologista e também especialista em Medicina do Trabalho e em Perícia Médica. Segundo ele, a politização atual sobre a questão da autonomia médica é fruto de vaidade exagerada e deve ser relevada, porque só atrapalha.

“Não é papel de deputados e jornalistas questionar o trabalho dos médicos na pandemia, pois cada profissão deve cumprir a sua função na sociedade”, comenta. Um exemplo disso, aponta, foi o constrangimento sofrido pela oncologista Nise Yamaguchi, entre outros convocados na CPI da Covid-19, impossibilitados de se expressar adequadamente.

Tratamento precoce

“Em todas as patologias, o tratamento precoce deve ser adotado. Este raciocínio vale para câncer e também para Covid-19, isto é, quanto antes for iniciada a terapia, maiores as chances de cura”, salienta o Dr. Sidney, formado na Faculdade de Medicina de Marília (Famema) em 1977 e há mais de 40 anos em atuação em Araraquara.

“0 fundamental no tratamento é o profissional se pautar pela ciência, na medicina por evidência e mais, fazer valer sua experiência com casos anteriores e centrar forças no seu relacionamento com o paciente”, destaca.

“Com relação a qual medicação será utilizada na terapia, vale o mesmo princípio de autonomia total. O importante é a proximidade do médico com o paciente, de acordo com a evolução de cada caso. Salvo raríssimas exceções, a maior alegria do médico é a recuperação do seu paciente”, analisa.

Telemedicina

De acordo com o Dr. Sidney, a pandemia trouxe mortes e risco de contágio para muitos profissionais da área da saúde, além de ter ampliado a busca por serviços à distância, inclusive dos médicos.

Nesse sentido, ele aponta a psiquiatria como a única especialidade médica passível de funcionar a contento por telemedicina. Na avaliação dele, o ideal é sempre o paciente fazer uma primeira consulta presencial.

“Muitas vezes é preciso examinar o paciente, isto é, ver se está febril, auscultar coração e pulmão, checar abdômen, conferir se o fígado e o baço estão aumentados, se tem dor, alergia, reação renal, entre outras alterações possíveis”.

“Um uso eficiente da telemedicina é quando o paciente conversa com o médico para comentar os resultados de seus exames”. Para o Dr. Sidney, o ideal é o paciente fazer exames clínicos adequados, de modo que os complementares sirvam para confirmar as hipóteses diagnósticas – “aí a telemedicina se encaixa bem”, finaliza.

Reportagem publicada originalmente no site da APM Araraquara.