Código genético mapeado

Parceria InCor e PM analisa DNA dos ingressantes na corporação para a prática esportiva, atividade policial e prevenção de doenças

Desde 2008, parceria do Laboratório de Genética do Instituto do Coração (InCor) com a Polícia Militar (PM) vem possibilitando mapear partes do código genético (DNA e RNA) de alguns ingressantes na corporação. O estudo integra protocolo de pesquisa conjunto entre as instituições. Visa, primariamente, a entender como genes regulam o ganho de capacidade física, além de avaliar o potencial físico e esportivo dos futuros PMs e identificar doenças cardiovasculares.

No InCor, órgão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP), o trabalho é coordenado pelo cientista Rodrigo Gonçalves Dias, fisiologista e professor de educação física e pós-doutor em genética e ciência do esporte. A iniciativa congrega mais 15 pesquisadores, entre eles o capitão José Ribeiro Lemes Junior, responsável da Polícia Militar pelo projeto, e também pós-graduando do InCor e docente para a formação de novos policiais da Escola Superior de Soldados da PM.

A cada semestre, 900 recrutas ingressam na corporação; e a adesão ao protocolo é voluntária. São oferecidas 40 vagas e os selecionados pelos pesquisadores têm características comuns: são sedentários, não fumantes, não obesos e sem quadro de doenças cardíacas.

Antes do trabalho físico com os recrutas, são realizados exames detalhados. Além da coleta do sangue, para extração do DNA, são feitos diagnósticos por imagem (ecocardiografia), entre outros como pletismografia, ergoespirometria, composição corporal – a maioria na Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício do InCor.

O banco de dados do protocolo tem 350 registros armazenados. Quem está cadastrado e segue na corporação atualiza seus dados anualmente. Segundo os responsáveis, em 2013 a expectativa é ampliar de 40 para 500 o número de recrutas participantes a cada semestre.

Grupo favorável

Os responsáveis pela pesquisa explicam que a PM é um agrupamento humano bastante favorável a estudos genéticos. A explicação é que, nos pelotões, os escolhidos para o protocolo têm a mesma faixa social, econômica e etária (18 a 31 anos), se alimentam nos mesmos locais (quartéis) e são submetidos a níveis equivalentes de estresse.

O treinamento tem duração de 18 semanas. Neste período, após as aulas de formação, inclusive as de condicionamento físico e o expediente no quartel, cada recruta corre três vezes por semana, independentemente das condições climáticas.

Além da evolução no condicionamento, os recrutas conseguem aumentar, além das notas ao longo do treinamento, o seu preparo físico para a atividade policial.

O conjunto de dados apurados pelos pesquisadores permite elaborar programas de longo prazo para melhorar ainda mais a qualidade de vida de toda a corporação.

Genes e exercícios

Do ponto de vista científico, o principal objetivo do estudo é avaliar como os genes regulam as adaptações sofridas pelo organismo quando se faz exercício. Esta novidade é um desdobramento do trabalho realizado por Rodrigo ao longo de sua vida acadêmica. O cientista de 35 anos teve sua primeira descoberta ao identificar uma alteração no código de um gene que interfere no potencial de dilatação dos vasos sanguíneos quando se faz atividade física.

A descoberta tem aplicações nas áreas de cardiologia e esporte de alto rendimento. Integra estudo que lhe rendeu o Prêmio Jovem Cientista 2012, na categoria Graduado, intitulado Avanços em Genômica para diagnósticos moleculares no esporte. O trabalho foi feito durante doutorado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp).

“Trabalhamos com um chip de DNA, uma ‘plataforma exploratória’, que permite estudar o genoma por completo num único experimento em laboratório. Uma das próximas metas será avaliar o funcionamento de 2.445 genes dos 25 mil que compõem o genoma humano. Já sabemos que o exercício físico altera a velocidade de funcionamento” deles no organismo”, explica Rodrigo.

Trabalho satisfatório

O soldado Éttore ingressou na PM em 2010 e participou do estudo no InCor no início de 2011. Conta que sempre gostou e praticou esportes, mas nunca tinha tido a oportunidade de fazer um programa completo de condicionamento físico.

“Tínhamos aula de segunda a sexta-feira e corríamos sempre três vezes por semana, em dias alternados. Era bastante cansativo, mas o resultado final compensou. Desde então, nunca mais perdi o pique. Além de colaborar com a pesquisa, participar do protocolo me permitiu saber mais sobre minha constituição corpórea e seus limites físicos”, revela o recruta.

Cooperação acadêmica

A parceria PM e InCor surgiu como reflexo da Lei nº 10.366/2008, depois regulamentada em definitivo pela Lei Complementar nº 54.911/2009. Quem informa é o Coronel Arruda, diretor de Ensino e Cultura da Polícia Militar. Segundo ele, a legislação trouxe grande alteração na estrutura de ensino, para uma formação mais global, e aproximou ainda mais os agentes da sociedade.

“Com cooperações acadêmicas como esta, a PM deixou de ser mero objeto de pesquisa e passou a ser protagonista e produtora de conhecimento científico”, observou. “A preparação, acompanhamento e cotidiano de 100 mil profissionais na ativa e 40 mil inativos são um campo fértil para a pesquisa”, conclui.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 21/12/2012. (PDF)

A fada do dente

Pesquisa da USP amplia conhecimento sobre o autismo e auxilia teste com novas drogas

Pesquisa do Laboratório de Células-Tronco da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ/USP) abre novas luzes na compreensão dos fenômenos biológicos que envolvem o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Iniciado em 2008, o projeto A Fada do Dente coleta, estuda e armazena dentes de leite de pacientes autistas. É realizado em conjunto com a Universidade da Califórnia (UCSD), de San Diego (Estados Unidos).

O objetivo é aprofundar conhecimentos biológicos e genéticos sobre os transtornos do espectro autista reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De modo geral, a doença é caracterizada pelas dificuldades de comunicação, de interação social e de alterações comportamentais, como, por exemplo, a estereotipia (repetição de gestos e movimentos). Nos Estados Unidos, a incidência é de um caso a cada 88 nascimentos, e acomete cinco vezes mais meninos do que meninas. No Brasil, não há estatísticas oficiais, mas estima-se que os números sejam próximos dos norte-americanos.

Um dos grandes desafios do autismo é a dificuldade no diagnóstico, que é apenas clínico. Não há um marcador biológico (genético) exclusivo para a doença. Atualmente, é impossível prevenir sua incidência. Além disso, a confirmação de um caso depende de avaliação conjunta de equipe multiprofissional especializada no tratamento, incluindo fonoaudiólogo, médico, psiquiatra, neuropsicólogo, etc.

Máquina do tempo

O trabalho na FMVZ-USP é inédito no País. Abre possibilidades para testar novas drogas para combater a doença, descrita pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra Leo Kanner. Para haver avanços no tratamento e prevenção, a ciência precisa descobrir exatamente quais genes estão diretamente envolvidos com a doença – o espectro da incidência genética é muito variado – e em quais situações são ativados.

A dupla de biólogos Patrícia Beltrão Braga e Alysson Muotri partiu da similaridade entre os quadros clínicos de pacientes e lançou mão da técnica de reprogramação celular. O método consiste em extrair e analisar a polpa do dente de autistas, material orgânico que contém células-tronco. Depois, no laboratório, promover uma “volta ao passado” do tecido celular por um processo de diferenciação da célula até uma célula embrionária.

A partir daí, essas células são novamente diferenciadas e produzem células encontradas nos tecidos cerebrais, os neurônios. É nessas células que a ciência centraliza esforços para saber mais sobre o autismo.

Líder do projeto no Brasil, a pesquisadora Patrícia Beltrão Braga recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) para realizar o primeiro projeto de reprogramação celular. Nele, usou apenas dentes de crianças sem autismo para aprimorar a técnica. Pretende, agora, solicitar novo financiamento, para bancar pesquisa somente com dentes de leite de autistas.

Novas possibilidades

Não invasiva, a técnica da FMVZ-USP amplia o universo tradicional da pesquisa. Complementa, por exemplo, mutirões de coleta de sangue de pacientes e de seus pais feitos nos Estados Unidos para descobrir mais sobre a doença. Favorece também a comparação, em laboratório, de tecidos cerebrais de cadáveres com os neurônios de autistas, considerando que estes seguem vivos e têm histórico de vida conhecido. Melhoram, assim, a abordagem do trabalho.

De natureza multidisciplinar e internacional, a pesquisa teve também a colaboração do psiquiatra Marcos Mercadante, falecido em 2011. Envolve mais os biólogos Graciela Pignatari e Fabiele Russo, a farmacêutica Isabella Fernandes e também médicos psiquiatras, psicólogos, dentistas, neuropsicólogos, entre outros especialistas.

Etapa intermediária

Nas crianças, a substituição da dentição de leite para a definitiva ocorre em média entre os seis e os dez anos de idade. O projeto da USP consiste em comparar a polpa de dentes de autistas com a de não portadoras da doença. Para explicar o processo, a cientista Graciela Pignatari traça um paralelo com o desenvolvimento de uma árvore.

“Imagine a célula embrionária como se fosse uma semente. A muda seria a etapa intermediária no seu desenvolvimento, e a árvore, o organismo adulto. Assim, dentro do dente de leite do autista há células-tronco, que ainda não sofreram transformação definitiva. Por estar no meio do “caminho”, é possível estudar diversos aspectos”, explica Graciela.

Inspiração oriental

A ideia foi concebida a partir de pesquisa de 2006 do cientista Shinya Yamanaka. Ele propôs experiência semelhante com a pele humana, tecido terminalmente diferenciado, que já concluiu o último estágio da transformação. “Na USP, pegamos um atalho. Fazemos a reprogramação celular no meio do processo. E avançamos mais rápido nos resultados”, observa Patrícia.

Outra novidade: a pesquisa original exige ida do paciente ao laboratório para que seja colhida amostra de sua pele por meio de procedimento doloroso. Já na técnica da USP, a coleta é indolor, dispensa viagens e reaproveita dentes que cairão espontaneamente.

Instruções para remessa

Pais de autistas interessados em colaborar podem encaminhar o dente pelo correio, em caixa de isopor especial cedida pela USP. Pode ser de qualquer tipo: molar, canino, pré-molar, etc. O acervo atual conta com 50 amostras. O passo inicial é enviar e-mail para projetoafadadodente@yahoo.com.br. Na mensagem, precisa solicitar o kit de acondicionamento desenvolvido na USP. Receberá, então, gratuitamente, em sua residência, o material de coleta, contendo o termo de doação, o telefone de contato do pesquisador responsável e as instruções para remessa.

O envio, com o documento assinado, deve ser feito em no máximo 48 horas após a queda. A única despesa para a família do doador será pagar a postagem do Sedex no correio. O ideal é pedir o kit quando o dente começar a amolecer, para haver tempo hábil de remessa e devolução do material coletado.

Depois de receber o kit, basta colocar o frasco com o líquido rosa na geladeira e o gelo reciclável no congelador. Quando o dente cair, a recomendação é colocá-lo rapidamente no frasco, guardá-lo na geladeira e ligar para o pesquisador para orientar a coleta. Estes cuidados aumentam as chances de manter as células-tronco vivas – e permitirão, assim, a extração das mesmas no laboratório.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 15/08/2012. (PDF)

Como a Ciência entra pela boca

Pesquisa desenvolvida com apoio da Fapesp chega à produção de um tipo de pino que representa avanço na área dentária

Cientistas do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), ajudaram a empresa paranaense Angelus a produzir um pino odontológico inovador. Trata-se de um composto translúcido, com propriedades inéditas, como impedir contaminações e “endurecer” cimentos e resinas em menos de 10 segundos.

O pino odontológico é um composto vitrocerâmico. Surgiu como desdobramento da tese de doutorado do químico-físico Valdemir dos Santos, defendida em 2011 na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Neste trabalho, iniciado em 2007, e ao longo de sua vida acadêmica, o pesquisador foi orientado pelo professor Élson Longo, docente do Instituto de Química (IQ), da Unesp, e diretor do CMDMC, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp.

Atualmente, Valdemir é pesquisador júnior da Angelus. E seu trabalho conjunto com os cientistas do CMDMC permitiu também a criação de uma embalagem “inteligente” para o pino, com propriedades antimicrobianas. A parceria rendeu patentes no Brasil e exterior.

Hoje, o pino odontológico é carro-chefe de vendas da empresa e tem preço equivalente aos materiais convencionais. A caixa com cinco unidades do produto custa, em média, R$ 80. O conjunto pode ser encontrado em revendedores nacionais de material odontológico e em mais 80 países para onde é exportado.

Resistente e biocompatível

O pino é material de uso comum na odontologia. Sua função primordial é oferecer resistência mecânica, atuar como “alicerce” na estrutura dental para sustentar outro material, como obturação ou implante. Tem também por finalidade reter material restaurador definitivo ou seu núcleo de preenchimento, e o ideal é que não seja nem mais mole nem mais duro que o dente.

Na versão convencional, o pino é produzido à base de metal (aço inox, zircônio ou titânio) e pode trazer problemas colaterais, como oxidar, esquentar e sofrer corrosão. Já o desenvolvido no CMDMC é mais resistente, biocompatível e tem como diferencial a luminescência – capacidade de ser “atravessado” pela luz. Tem na composição 80% de fibra de vidro e 20% de resina epóxi, além de ser revestido com nanopartículas de prata e de molibdatos de cálcio e de sódio.

Depois da colocação do pino, o dentista usa o raio ultravioleta (luz azul) para endurecer o cimento. Neste processo, é liberado molibdênio, metal essencial no metabolismo de micro-organismos, como fungos e bactérias. A passagem da luz tem duas finalidades: endurecer cimento ou resina e atrair os micróbios, envenenados pela prata e eliminados em menos de 10 segundos. “A cura do dente vem com a luz”, explica Valdemir.

O pesquisador cita também outros aspectos positivos da tecnologia multifuncional para dentistas e clientes. Por ser antigerme, o pino odontológico previne retrabalhos no consultório causados por contaminações. E para o paciente, o processo fica mais rápido. Há menos intervenções em sua boca, muitas delas dolorosas, como tratamento de canal, obturação, implantes, etc.

Armadilha invisível

O desenvolvimento da “nanoarmadilha” teve a colaboração do químico Diogo Volanti, professor colaborador do IQ-Unesp. Sob a supervisão do professor Élson Longo, foi desenvolvida a morfologia ideal para a estrutura dos nanocomponentes, como os molibdatos incorporados na composição do pino odontológico – os testes foram feitos nos fornos micro-ondas adaptados do instituto.

Satisfeito com o resultado, Élson Longo destaca as novas possibilidades de síntese de materiais abertas a partir da pesquisa com sistemas de fotoluminescência, fruto de décadas de trabalho coletivo. Ele enfatiza o envolvimento de duas dezenas de profissionais e cientistas para solucionar desafios de biologia, microscopia, micro-ondas, composição química, física, materiais, luminescência, odontologia, entre outros.

Diogo faz eco às palavras do professor Élson Longo. Para a dupla de pesquisadores, as universidades públicas cumprem seu papel na área da pesquisa e “seguem abertas à indústria e à sociedade, para inovar sempre, apostando na ciência brasileira como fator chave para o desenvolvimento do País”.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 07/08/2012. (PDF)