Google premia projetos brasileiros de inovação tecnológica

Programa de pesquisa da empresa norte-americana concedeu bolsas para 12 trabalhos acadêmicos; Brasil teve oito projetos contemplados, sendo quatro da USP e um da Unicamp

Lançado em 2015, o programa de Bolsas de Pesquisa do Google para a América Latina tem por proposta identificar e apoiar trabalhos acadêmicos em áreas de tecnologia ligadas aos serviços prestados pela multinacional norte-americana. A empresa divulgou, em seu blog (ver serviço), no dia 24, a lista com os 12 projetos premiados.

Dos oito projetos científicos brasileiros classificados no concurso, cinco são de instituições públicas de ensino superior mantidas pelo Estado de São Paulo. Um deles é da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); quatro da Universidade de São Paulo (USP), dos quais três do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), de São Carlos, e um da Escola Politécnica, da capital.

Julgamento

Para avaliar os trabalhos, o Google constituiu uma comissão julgadora formada por 15 engenheiros com experiência em pós-graduação. Como critérios de julgamento foram considerados três quesitos: impacto, originalidade e qualidade. Os 12 vencedores representaram menos de 5% do total de inscritos; e os premiados receberão, durante um ano, bolsa mensal de US$ 1,2 mil. Os professores-orientadores dos projetos também serão contemplados com bolsa anual de US$ 750.

“A inovação tecnológica está presente em todas as áreas do conhecimento. Os projetos vencedores mostram a importância da pesquisa para resolver problemas reais e cotidianos da sociedade”, observa Berthier Ribeiro-Neto, diretor de engenharia do Google América Latina.

Novos algoritmos

A área de aprendizado de máquina teve dois projetos vencedores com estudos de algoritmos, que se trata de uma sequência linear de etapas para realizar uma tarefa, que podem ser executadas por um computador, robô ou ser humano. Cada algoritmo apresenta instruções claras, com um tempo específico e um esforço predeterminado para a resolução de cada etapa.

O projeto Aprendizado de máquina sobre dados cifrados utilizando criptografia homomórfica, de autoria do pesquisador Diego Aranha, foi o vencedor da Unicamp. Esse trabalho acadêmico pretende aprimorar versões de dois algoritmos de amplo uso: a Análise de Componente Principal (Principal Component Analysis – PCA) e o KNearest Neighbors (K-NN).

O trabalho Melhorando a aprendizagem por reforço aprofundada por meio da transferência de conhecimento, da professora Anna Costa, da Escola Politécnica da USP, na zona oeste da capital, também foi premiado. A finalidade desse projeto é melhorar o desempenho de agentes em Aprendizagem por Reforço Aprofundada (Deep Reinforcement Learning – DRL) com o uso de abstrações, generalizações e Transferência de Conhecimento (Transfer Learning – TL).

Alzheimer

O Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos liderou a classificação acadêmica com mais projetos premiados. O primeiro deles é da pesquisadora do Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional (NILC), Sandra Aluísio, e tem o título de ANAA – Dementia: Aplicação de testes neuropsicológicos automatizados para acompanhamento de cidadãos brasileiros durante o percurso de uma vida.

A proposta é criar um avaliador neuropsicológico pessoal automatizado e acessível pela internet ou por dispositivos mó veis, para detectar demências, tais como o comprometimento cognitivo leve (CCL). Esse indicador é considerado o estágio pré-clínico do mal de Alzheimer, em que a doença ainda é reversível.

“Diagnosticar o Alzheimer é um desafio médico em todo o mundo”, comenta Sandra. A confirmação do quadro vem após vários exames, cujo objetivo é também identificar as áreas cerebrais afetadas pela doença, incluindo memória, orientação, linguagem e resolução de problemas.

“É comum o profissional da área da saúde contar uma história para o paciente e pedir para ele recontá-la duas vezes. A primeira, tão logo ele termina de ouvi-la e, a outra, após um período maior de tempo. A principal dificuldade, nesse caso, é que essa tarefa é aplicada manualmente e depende da avaliação subjetiva de quem relatou a história”, afirma a professora.

“Propus um método computacional para automatizar e uniformizar a avaliação”, explica. O projeto terá colaboração da Faculdade de Medicina da USP e pretende identificar os primeiros sinais de CCL sem, contudo, substituir o trabalho de psicólogos e fonoaudiólogos.

Dengue

A dupla André Maletzke (doutorando) e Gustavo Batista (pesquisador), do Laboratório de Inteligência Computacional, do ICMC, há quatro anos estuda meios para diminuir a proliferação do Aedes aegypti, causador da dengue. A meta é definir os locais onde se concentram focos do mosquito nas cidades e intensificar as ações de combate.

O trabalho originou um sensor capaz de identificar, com precisão de 96,1%, as espécies e o sexo dos insetos. O dispositivo facilita o controle da proliferação dos mosquitos, considerando que apenas as fêmeas transmitem a doença. “Nosso objetivo agora é transformar a criação em uma armadilha inteligente, cujo preço para o consumidor não ultrapasse R$ 200”, diz Batista.

Tradução

Outra dupla do ICMC, Edilson Corrêa Júnior (doutorando) e Diego Amâncio (professor), está aprimorando novo método para tradução e classificação automática de textos na internet. “Nossa proposta é reduzir a ambiguidade e atenuar o problema recorrente de uma palavra ter mais de um sentido ou significado, fator que prejudica a qualidade da resposta oferecida pelo sistema”.

A técnica utilizada atualmente considera todo o conjunto de palavras vizinhas no mesmo parágrafo. “Nossa proposta é criar um meio complementar, capaz de também considerar todos os significados de um termo em toda a estrutura de um texto. Assim, o objetivo é melhorar a eficiência dos tradutores on-line, como o oferecido pelo Google”, esclarece o professor Diego.

Serviço

Os 12 projetos selecionados pelo Google

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Denise Casatti
Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP São Carlos

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 01/10/2015. (PDF)

Supercomputador reforça pesquisa em SP

Adquirido pela Fapesp e instalado na USP de São Carlos, equipamento foi batizado de Euler e poderá ser utilizado por outras instituições e universidades paulistas

A ciência nacional dispõe, agora, de um supercomputador de alto desempenho para processar cálculos complexos. Com velocidade 4,7 mil vezes maior que a de um computador doméstico, o sistema computacional (cluster) tem capacidade de processamento simultâneo de simulações com grandes volumes de dados – previsão do tempo, lançamento de foguetes, escoamento de fluidos, como petróleo e gás, entre outras aplicações.

Enquanto um computador comum processa 10 bilhões de operações matemáticas básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão) por segundo, o supercomputador é capaz de executar 47 trilhões delas no mesmo espaço de tempo. Foi batizado de Euler em homenagem ao matemático e físico suíço Leonhard Paul Euler (1707-1783), estudioso de temas sobre teoria dos números, astronomia, mecânica de fluidos, óptica, análise e matemática aplicada.

Investimento

Importado dos Estados Unidos, o Euler é o mais rápido já instalado em universidades paulistas. Seu projeto e sua instalação, em ambiente climatizado e com gerador de energia, custaram cerca de R$ 4,5 milhões, financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A administração e o uso do cluster foram repassados ao Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) – sediado em um prédio do câmpus I da USP São Carlos. O CeMEAI é um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) mantidos pela Fapesp.

O centro é estruturado para favorecer o uso de ciências matemáticas (matemática aplicada, estatística e ciências da computação) como recurso industrial. Com abordagem multidisciplinar, atua nas áreas de otimização aplicada e pesquisa operacional, mecânica de fluidos computacional, avaliação de risco, inteligência computacional e engenharia de software.

Ensaios

Operando em rede de alta velocidade, o Euler reúne 104 computadores processando em paralelo a mesma aplicação, cada um com dois chips de dez núcleos. Em março, começou a ser usado de modo experimental pelo CeMEAI em parceria com a Petrobras, em simulações de refino e combustão de petróleo, e também com o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) da Aeronáutica, em avaliações do Satélite de Reentrada Atmosférica (SARA), que tem lançamento por foguete previsto para até o final do ano.

“Uma das propostas do cluster é aprimorar tecnologias ainda incipientes no Brasil e não repassadas por outros países por motivos estratégicos, como o lançamento de satélites na órbita terrestre, cujos custos de projetos começam em US$ 100 milhões”, explica José Alberto Cuminato, diretor do centro e docente do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos.

“O equipamento está à disposição de cientistas do Brasil vinculados a instituições paulistas de pesquisa. A ideia é que seja usado em disponibilidade permanente, 24 horas por dia, 7 dias por semana”, comentou o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, durante a solenidade de inauguração do supercomputador, realizada no dia 14, no câmpus da universidade, em São Carlos.

Serviço

Informações sobre o equipamento e pedidos de uso devem ser solicitados no site do CeMEAI. Outras informações, ligue (16) 3373-8159.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 23/07/2015. (PDF)

Tecnologia reproduz movimentos humanos

Aluno da USP de São Carlos cria braço mecânico com tecnologia que capta e imita ações a distância e em tempo real; pesquisa conquistou prêmio internacional

Vinícius Fernandes, aluno do curso de Engenharia Mecatrônica, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), desenvolveu protótipo inédito de sensoriamento de movimentos. Laureada com prêmio internacional, a tecnologia é capaz de identificar com precisão movimentos humanos realizados em qualquer direção e intensidade – e reproduzi-los, de modo imediato e natural, em um braço robótico equipado com uma garra mecânica na ponta.

Batizada de Wearable Interface for Teleoperation of Robot Arms (WITRA), a ferramenta tem, a princípio, aplicações nas indústrias aeronáutica, automotiva e em linhas de montagem de diversos tipos de equipamentos. A garra pode ser manejada a distância, permitindo ao operador, por exemplo, levantar e transportar peças ou componentes para locais predeterminados. Ela também consegue memorizar e reproduzir sequências de movimentos.

Produzida em dez meses, a invenção foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Vinícius, de 22 anos, que está se formando. A pesquisa aborda diversos conceitos da Mecatrônica, ao mesclar técnicas das engenharias de computação, elétrica e mecânica. Ela foi desenvolvida com orientação do docente do Departamento de Engenharia Mecânica da EESC-USP, Glauco Caurin.

Simplificação

O trabalho rendeu a Vinícius o segundo lugar e um prêmio no valor de US$ 10 mil na Toradex Design Challenge, concurso mundial de desenvolvimento de componentes mistos de informática e robótica – promovido por um fabricante suíço de computadores. O estudante recebeu o cheque simbólico em solenidade realizada no mês passado, na sede da Agência USP de Inovação, na capital.

Com sensores fixados no braço, antebraço e mão do operador, o WITRA é um scanner de corpo com interface intuitiva, concebido para usuários destros ou canhotos. O dispositivo ‘vestível’ captura movimentos do ombro, cotovelo e punho e os retransmite, sem fio e em tempo real, para o braço mecânico. “A meta foi simplificar ao máximo a operação, ‘escondendo’ do usuário a programação e oferecendo-lhe total liberdade de movimentos”, explica o universitário.

Eficácia

O dispositivo possibilita a criação de padrões recomendados para a execução de uma tarefa específica. Como exemplos, Vinícius cita a inclinação e a pressão ideal para a aplicação de um ponto de solda em uma chapa ou, ainda, o encaixe da fuselagem de um avião em seu corpo e mais a quantidade ideal de voltas a serem dadas na fixação de um parafuso por uma chave de fenda robótica.

“Outro conceito incorporado é o de aproveitar o talento e a perfeição humana para realizar uma tarefa com o máximo de eficácia e assim definir um padrão de execução para o procedimento – e depois usar a inteligência artificial embarcada para repeti-lo infinitamente nas linhas de montagem”, observa.

Ex-intercambista da Universidade de Nova York, o estudante Vinícius pretende patentear seu dispositivo vestível e avançar no projeto de montar uma start-up, tendo a mecatrônica como área tecnológica básica de sua empresa. Ele informa que a descrição técnica e a operação do WITRA podem ser conferidas em vídeos (em inglês) que ele mesmo apresenta no YouTube e também no site da competição (ver links em serviço).

Ilimitado

Coordenador do Laboratório de Manipulação Robótica da EESC-USP, o professor Caurin apresentou a Vinícius diversos cenários possíveis para o desenvolvimento do dispositivo vestível. Ele credita ao universitário o mérito pelo trabalho, “por sua capacidade de compreender rapidamente questões complexas e por sua habilidade para achar e propor soluções possíveis”, destacou.

Na sua avaliação, o estudo integra a nova tendência da robótica mundial cuja proposta é aumentar a segurança e produtividade dos projetos e, ao mesmo tempo, diminuir riscos para operadores, máquinas e instalações. “A maioria dos robôs funciona hoje cercada por grades, pelo fato de ‘desconhecerem’ o que há a sua volta. Assim, ao oferecer controle total ao operador, a pesquisa avança mais um passo”, esclarece.

Reabilitação

Caurin aponta mais usos para o dispositivo vestível, como a recuperação de pacientes com perdas da capacidade de movimento. O conceito da ‘fisioterapia do futuro’ é o mesmo de um jogo de videogame. Os exercícios iniciais de reabilitação com o equipamento, assim como as primeiras fases do game, são simples e a máquina auxilia a execução.

“Gradativamente, com a recuperação da capacidade muscular, os desafios para o paciente vão ficando mais complexos – a máquina deixa então de ajudar e passa a atrapalhar, como quando se deixa de usar uma tipoia ou muleta”, explica.

O professor cita mais possibilidades, como, por exemplo, aproveitar a tecnologia em robôs antibombas, neutralizar artefatos suspeitos a distância. Ou, ainda, utilizá-la em outras situações de risco – fazer reparos em altos-fornos (em siderúrgicas) ou em estruturas submarinas, como plataformas de extração de petróleo e de pré-sal, localizadas em profundidade superior a 200 metros, local impossível de ser atingido com segurança por um mergulhador.

Serviço

Wearable Interface for Teleoperation of Robot Arms (WITRA)
Toradex Design Challenge

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 01/07/2015. (PDF)