Tecnologia permite produzir biogás a partir de vinhaça

Renovável e sustentável, tecnologia desenvolvida por meio de parceria da Fatec e Unesp de Jaboticabal aproveita o resíduo orgânico para gerar combustível de uso doméstico, automotivo e industrial

Estudo da Faculdade de Tecnologia do Estado (Fatec) com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), ambas de Jaboticabal, apresenta solução sustentável e inovadora para a vinhaça. Em andamento, a pesquisa revelou a viabilidade de reaproveitar, por meio de reatores anaeróbios, o resíduo orgânico da produção de açúcar e etanol. O resultado do trabalho é o biogás, combustível cuja queima fornece energia térmica (calor) ou eletricidade.

De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), em 2014 foram gerados no Brasil cerca de 280 bilhões de litros de vinhaça. Atualmente, a produção de um litro de álcool gera de 10 litros a 15 litros do resíduo – o total depende da tecnologia empregada em cada usina sucroalcooleira. Assim, há no País grande potencial para a produção de biogás, podendo o biocombustível ser direcionado para uso doméstico, automotivo ou industrial.

Tendo como base tecnologias de alto rendimento para produção de biogás (reatores anaeróbios de alta taxa), o estudo prossegue no Laboratório de Saneamento Ambiental da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp. É coordenado pelo engenheiro agrônomo Roberto Alves de Oliveira, também professor do Departamento de Engenharia Rural; e tem autoria compartilhada com a engenheira química Rose Maria Duda, docente do curso de Biocombustíveis da Fatec.

Biogás e adubo

Orientada por Oliveira nos cursos de mestrado, doutorado e pós-doutoramento na Unesp, Rose informa que a pesquisa com a vinhaça começou em 2011. Na época, ela concluiu sua formação acadêmica e foi aprovada no processo seletivo da Fatec Jaboticabal, escola vinculada ao Centro Paula Souza.

A professora conta que o estudo com o biogás dá continuidade a diversas linhas de pesquisas iniciadas na década de 1990, em Jaboticabal, direcionadas ao reaproveitamento de subprodutos da indústria canavieira. Participam diversos pesquisadores, além de quatro estudantes do curso de Biocombustíveis da Faculdade de Tecnologia e mais três alunos de pós-graduação da Unesp, um de mestrado e dois de doutorado.

A pesquisadora da Fatec aponta também como fator favorável à tecnologia desenvolvida, o fato de se evitar o descarte incorreto no solo e nas águas da vinhaça, insumo vegetal também conhecido como vinhoto ou garapão. Escura e com forte odor, essa matéria-prima é rica em potássio – nutriente importante para o desenvolvimento vegetal. “Depois da geração do biogás, é possível aproveitar o restante da vinhaça como fertilizante na plantação de cana-de-açúcar”, explica Rose.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Antônio Sérgio de Souza, aluno do curso de Biocombustíveis da Fatec, sublinha a relevância do trabalho, por apresentar nova opção de energia renovável e sustentável. “Sem contar que essa tecnologia abre nova janela científica e profissional para mim e muitos outros pesquisadores”, observa o estudante.

Parceiros

O professor Oliveira informa que, desde o ano 2000, o grupo de pesquisa de Jaboticabal recebeu apoio como bolsas de estudo e investimento de R$ 1 milhão. Os recursos foram repassados pela Unesp, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Atualmente, o biogás gerado possui 75% de gás metano, seu principal combustível. O restante da composição é formado por dióxido de carbono e outros gases em pequenas quantidades. A técnica desenvolvida rendeu à Fatec Jaboticabal o primeiro lugar na categoria Ciências Biológicas e Agrárias, na 9ª edição da Feira Tecnológica do Centro Paula Souza (Feteps), realizada em 2015.

Próximos passos

A pesquisa prossegue agora com os cientistas tentando aumentar a quantidade de biogás produzido e a sua concentração de metano. “Procuramos parceiros públicos e privados para a pesquisa evoluir. Se possível, pretendemos patentear e transferir a tecnologia desenvolvida,” ressalta Oliveira.

Outra ação complementar, explica o professor, é convidar pesquisadores, de todos os Estados do Brasil e estrangeiros, para participar da seleção nos cursos de pós-graduação e pós-doutoramento ligados à Unesp de Jaboticabal, em especial o de Microbiologia Agropecuária, berço da pesquisa com o biogás.

Além da vinhaça, o grupo de 23 pesquisadores dedica-se também a atividades agropecuárias afins – microbiologia agrícola, ambiental, zootécnica e veterinária. A seleção para a pós-graduação em Jaboticabal é realizada duas vezes por ano: em março e agosto. Atualmente, seguem abertas as inscrições até o dia 31 para a formação em Microbiologia Agropecuária no site da FCAV (ver serviço), que informa também sobre o programa do curso.

Serviço

Fatec Jaboticabal

Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV – Unesp)
E-mail oliveira@fcav.unesp.br
Telefone (16) 3209-8099

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 19/03/2016. (PDF)

Estado simplifica cobrança do ICMS das usinas

Nova regra facilita o planejamento e a operação do setor sucroenergético. Cogeração de energia também será beneficiada

Publicado no dia 4, no Diário Oficial, o Decreto nº 61.104/2015 alterou as regras do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o setor sucroenergético. Sem renúncia fiscal, a medida simplificou a cobrança do tributo estadual para as 180 usinas sediadas em território paulista.

A principal mudança é a época de pagamento do ICMS pelas usinas, que foi diferido (prorrogado). Antes, todas as operações de venda de matérias-primas e de subprodutos eram tributadas nas etapas intermediárias da cadeia produtiva. Com o decreto, essas operações passaram a ser cobradas após a comercialização do produto final – venda do açúcar, do álcool e da eletricidade provenientes da cogeração.

Além da cana, o adiamento do pagamento do ICMS foi estendido para outras matérias-primas usadas pelo setor sucroalcooleiro – milho, eucalipto, sorgo sacarino, palha, cavaco e outros resíduos da colheita. A nova regra, com a cobrança posterior, abrange também outros subprodutos dos processos industriais de produção de açúcar, álcool e geração de energia limpa a partir de biomassa, como o melaço e o bagaço de cana.

Tributação unificada

O Estado de São Paulo é o maior produtor de cana, açúcar e etanol do mundo. Em 2014, o setor sucroenergético respondeu por 0,66% (R$ 787 milhões) dos R$ 119 bilhões arrecadados pelo Fisco estadual com o ICMS no período. O supervisor de combustíveis e sucroenergéticos da Secretaria Estadual da Fazenda, agrônomo Luís Cláudio Rodrigues de Carvalho, explica que o conceito principal da mudança é facilitar o planejamento e a operação de todo o setor.

“Todas as atividades realizadas internamente por uma usina devem, agora, ser centralizadas em um único documento fiscal, cujo prazo de vencimento é até o quinto dia útil do mês seguinte”, informa. Esse documento, observa Rodrigues, registra e discrimina operações triviais das usinas, como compra de matérias-primas (combustível, lubrificante e insumos agrícolas), contratação de transportadoras, abastecimento de frota própria e prestação de serviço por empresas agropecuárias e de logística afins à cadeia produtiva, entre outras.

Municípios atendidos

A medida também beneficia as 154 cidades paulistas com usinas instaladas em seus territórios ou com atividades econômicas ligadas ao setor. Possibilitou tornar mais precisa a identificação da atividade econômica de cada cidade ao restaurar o método de cálculo do custo adicionado da produção de açúcar e álcool. O valor adicionado é uma das variáveis que compõem o Índice de Participação dos Municípios (IPM), parcela do ICMS repassada às prefeituras.


Mais eletricidade

A formulação do Dec. nº 61.104/2015 teve a participação da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade representativa do setor, e de empresas ligadas à cadeia sucroenergética: Copersucar, São Martinho, Raízen, Bunge, Biosev, Noble, Odebrecht, Guarani e Zilor.

O diretor-técnico da Unica, Antônio de Pádua Rodrigues, comenta que a medida atende às necessidades do setor. É resultante, segundo ele, de trabalho desenvolvido durante um ano e meio pela Secretaria da Fazenda e a Unica. O objetivo foi atualizar a legislação tributária, que estava defasada com relação às atividades executadas no campo atualmente.

“A cana segue como principal matéria-prima do setor, mas hoje também produzimos etanol a partir de sorgo sacarino, milho, palha e bagaço de cana. Esses insumos também passaram a ter a cobrança diferida do ICMS”, observa Rodrigues.

Ciclo da energia

Além do açúcar e do álcool, o novo modelo favorece a cogeração de eletricidade pelas usinas. Atualmente, 55% da energia usada no Estado vêm de matrizes ‘limpas’. Em 2012, o Executivo paulista se comprometeu a elevar essa porcentagem para 69% até 2020, incentivando o uso do etanol em veículos e da bioeletricidade em bairros e cidades vizinhas das usinas.

A cogeração também foi beneficiada. No processo industrial da usina, a cana é moída para produzir a sacarose, e o bagaço, principal subproduto, é queimado na caldeira. No processo de combustão do bagaço, o calor gerado libera vapor de água e é direcionado ao gerador para produzir eletricidade. Depois, o mesmo vapor é canalizado e direcionado com pressão mais baixa para turbinas, obtendo energia mecânica e elétrica, tornando permanente o ciclo de energia na instalação industrial. O maquinário segue em operação ininterrupta durante todo o período da safra, que no Estado vai de maio a novembro.

O conceito de aproveitar a palha e o bagaço de cana para gerar eletricidade foi adotado pelo setor sucroenergético nos anos 1970. Das 380 usinas atualmente em operação no País, a maioria tem condições de vender energia excedente para a rede elétrica, por meio de leilões de contratos de fornecimento futuro. “O maior desafio atualmente”, comenta Rodrigues, “é o preço pago nos leilões que muitas vezes não compensa o investimento da usina para interligar sua rede elétrica com a fiação dos bairros e cidades vizinhas”.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 14/02/2015. (PDF)

Bagaço da cana-de-açúcar pode ser o futuro energético do País, diz estudo

Pesquisa que está sendo desenvolvida na Esalq pretende dobrar em cinco anos a produção de açúcar e álcool sem aumentar áreas de plantio

Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) avançou mais um passo na corrida pela hidrólise enzimática (ver glossário) com o bagaço de cana. Esse processo biológico é objeto de interesse de diversos centros de pesquisa no Brasil e visa a permitir nova fermentação da matéria-prima vegetal, após a moagem da cana na usina para produzir açúcar e álcool.

A pesquisa foi iniciada há três anos em Piracicaba. Consiste em introduzir fungos da classe dos basidiomicetos para fazer a hidrólise enzimática e reaproveitar a celulose contida no bagaço. Segundo a professora Sandra Cruz, coordenadora do estudo, os resultados obtidos no laboratório têm sido promissores. A experiência está em fase inicial, mas pretende dobrar a produtividade da cana sem aumentar as áreas de plantio, quando for concluída.

Abundante e barato

Da moagem de uma tonelada de cana, a usina produz, em média, 153 quilos de melaço (açúcar e etanol), 165 quilos de palha e 276 quilos de bagaço. Essa matéria-prima é abundante, de baixo custo e está disponível em grandes quantidades no País. Em comparação com outras biomassas existentes no Brasil, como a soja e o dendê, o bagaço de cana é o mais rico em celulose e essa propriedade desperta grande interesse científico e empresarial.

Desde a década de 70, as usinas brasileiras queimam o bagaço para gerar eletricidade. A energia obtida impulsiona as turbinas e o complexo industrial da propriedade. Torna, assim, a usina autossuficiente em energia na época da safra (abril a novembro), período que coincide com o de baixos níveis de água nos reservatórios das hidrelétricas.

Técnica multiúso

A pesquisadora  Sandra é química e iniciou em 2004 o estudo com os fungos. Hoje, coordena o grupo formado por dois professores do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq, uma pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP), alunos de mestrado e estagiários de iniciação científica.

A ideia surgiu de um projeto paralelo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), que tinha o objetivo de clarear, com os fungos, o melaço – matéria-prima rica em açúcar.

“A hidrólise enzimática pode ampliar o uso do bagaço sem prejudicar a geração de eletricidade”, avalia Sandra. “Essa matéria-prima é usada para produzir ração animal. No futuro, irá atender aos diversos segmentos industriais, como polímeros (plásticos especiais) e à alimentação humana”, prevê.

Sandra explica que um desdobramento do estudo será estender a técnica aplicada ao bagaço para outras biomassas. Outro efeito possível será retardar o avanço do canavial e outras culturas ligadas aos biocombustíveis sobre áreas de preservação – Pantanal, cerrado e região amazônica.


Processo de hidrólise

A pesquisadora Sandra observa que a barreira tecnológica da hidrólise já foi vencida em alguns laboratórios de empresas brasileiras e estrangeiras. A técnica emprega enzimas produzidas nos Estados Unidos e na Dinamarca, principal produtora. Todavia, o custo de importação encarece e dificulta sua disseminação no Brasil.

“Seguimos um caminho paralelo ao já obtido. Nos dois processos, o fungo sintetiza as enzimas. No entanto, em vez de usar o material importado, introduzimos no bagaço colônias inteiras dos micro-organismos, produzidos na Esalq. A partir daí, um processo biológico dos fungos degrada a lignina e libera as moléculas de glicose existentes”, explica Sandra.

“Os basidiomicetos são fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal. Para evitar que consumam todo o açúcar disponível, são mortos com elevação da temperatura (calor). Possibilita-se, então, uma nova fermentação do bagaço, que também já está esterilizado, sem riscos ambientais. Outra opção é queimá-lo novamente na caldeira para gerar eletricidade”, observa.

Parceiros

“A perspectiva é repassar às usinas, em até cinco anos, a tecnologia. O primeiro desafio é reduzir o período de 20 dias da hidrólise (contato dos fungos com o bagaço). Depois, será preciso patentear a metodologia e finalizar os testes em escala laboratorial, piloto e industrial”, explica.

“A meta agora é encontrar um parceiro privado para investir cerca de R$ 300 mil em equipamentos e bolsas de estudo para os alunos. Esse valor é baixo ante as possibilidades da descoberta. Interessados em colaborar devem procurar a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) ou a Fapesp”, anuncia.


Glossário
(Fonte: Wikipedia)

Hidrólise enzimática do bagaço – Reação microbiana que permite a liberação dos açúcares utilizados na fermentação

Biomassa – Toda matéria-prima animal ou vegetal renovável que pode ser aproveitada como matriz energética (combustível). Exemplo: cana, lenha, gordura bovina, soja, milho, mamona, dendê, girassol, canola, pinhão-manso, madeiras e resíduos orgânicos e de indústrias agrícola e alimentícia.

Lignina – Polímero tridimensional sem forma encontrado nas plantas terrestres, associado à parede celular. Sua função é conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais.

Glicose – As células usam este carboidrato como fonte de energia. É um dos principais produtos da fotossíntese.

Basidiomicetos – Fungos que têm por característica degradar matéria-prima vegetal.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 10/11/2007. (PDF)