Glicerol é aposta da USP para gerar energia limpa

Desenvolvida no câmpus de Ribeirão Preto, tecnologia dá destinação ambiental correta ao resíduo da produção de biodiesel, gera eletricidade e produz dihidroxiacetona, matéria-prima de alto valor agregado

A corrida científica mundial em busca de novas fontes de energia renováveis e sustentáveis ganhou mais um competidor: o glicerol, um dos resíduos orgânicos da produção de biodiesel. Ao propor, em Ribeirão Preto, a sua oxidação (queima) em condições especiais, a pesquisadora Lívia Palma conseguiu associar o descarte ambiental correto de um poluente com a geração de eletricidade e a produção de dihidroxiacetona, matéria-prima de alto valor usada na indústria vinícola, de bronzeadores e de produtos médicos.

“A eletricidade é obtida por meio da célula a combustível, um tipo de gerador capaz de fornecer, de modo permanente, energia para baterias de carros, notebooks, celulares, etc.”, explica Lívia, que trabalha no Laboratório de Eletroquímica e Eletrocatálise da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).

Grandes montadoras internacionais de veículos, como Honda e Toyota, também pesquisam atualmente as células a combustível. Diferentemente das baterias convencionais, feitas à base de lítio e de outros metais pesados, as equipadas com esse dispositivo inovador não precisam ser recarregadas porque têm um tanque acoplado, que possibilita o reabastecimento. “Assim, quando se esgota o combustível no tanque, basta repor”, afirma Lívia.

A célula a combustível é dividida em duas partes. A primeira, chamada de ânodo, é responsável pela condução da corrente elétrica de um sistema – nela o combustível é queimado, liberando elétrons que atravessam o circuito e acionam o funcionamento de um motor. Na segunda parte, os elétrons tem como destino o outro polo, chamado cátodo, onde o oxigênio será reduzido. “A reação de oxigênio é mais rápida em meio alcalino”, destaca a pesquisadora.

Renda

Outro mérito do estudo acadêmico de Lívia é gerar riqueza a partir da reciclagem de um resíduo de origem orgânica, abundante e com potencial poluente. O grama do glicerol custa R$ 0,70 e origina a dihidroxiacetona cujo grama vale R$ 215.

“A cada dez litros de biodiesel produzido, 10% desse volume é glicerol. O estudo propõe agora definir qual é a quantidade de glicerol necessária para produzir um grama de dihidroxiacetona (um dos resíduos da geração de eletricidade na célula a combustível)”, informa Lívia.

Prata da casa

Formada e pós-graduada em Química pela FFCLRP-USP, em seu doutorado Lívia recebeu bolsa de estudo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). Ela defendeu sua tese no ano passado, com orientação da professora Adalgisa Andrade, também do Departamento de Química, da FFCLRP. O título da tese é Desenvolvimento de células a combustível de álcoois direta: Produção de protótipos de alta potência.

Além do glicerol, o estudo acadêmico de Lívia também investigou meios de aumentar a eficiência da oxidação de outro álcool, o etanol. Em ambos os combustíveis, a reação química provocada para gerar eletricidade quebra as ligações de carbono e as transforma, entre outros produtos, em gás carbônico ou carbonato.

Desafios

Os próximos passos do estudo desenvolvido na USP Ribeirão Preto são achar meios para diminuir o uso de metais nobres (platina e paládio) necessários no processo de queima do glicerol (ou do etanol) dentro da célula a combustível. Por serem resistentes à corrosão e à oxidação, essas matérias-primas caras são inseridas em um meio alcalino (pH maior que sete) para acelerar a velocidade e a eficiência da reação química e gerar mais eletricidade em menos tempo.

Lívia destaca a existência de outras pesquisas com célula a combustível, alimentadas por hidrogênio, um gás que, embora seja abundante na atmosfera, é de difícil manipulação por ser muito volátil e trazer riscos de explosões. “A principal vantagem do glicerol é reaproveitar uma matéria-prima que costuma ser descartada. Meu desafio agora é encontrar parceiros interessados em financiar e colaborar com o desenvolvimento da tecnologia, que tem muito potencial para gerar riqueza e inovação”, finaliza.

Serviço

Departamento de Química da FFCLRP-USP
Tel. (16) 3315-3725
E-mail ardandra@ffclrp.usp.br

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 11/02/2016. (PDF)

Laboratório avalia qualidade do mel e pólen brasileiros

Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP analisam o valor nutricional dos produtos apícolas e prestam assistência a apicultores; País tem condições de aumentar produção e consumo

Avaliar a qualidade dos produtos apícolas nacionais é uma das principais tarefas de equipe do Laboratório de Análise de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP). Liderado pela professora-doutora Ligia Muradian, o trabalho, iniciado nos anos 1990, também estuda o valor nutricional dos produtos vindos da colmeia e a presença de compostos bioativos neles.

A análise das amostras avalia a composição e outras características nutricionais desejáveis do mel tradicional, produzido pela abelha africanizada (Apis melifera sp), espécie híbrida, derivada do cruzamento de raças europeias e africanas. O serviço contempla também outros produtos apícolas, como geleia real, própolis e o pólen apícola, possibilitando à comunidade científica ampliar a investigação do mel produzido por abelhas sem ferrão, ou seja, das espécies nativas brasileiras.

O pólen apícola é uma opção indicada por nutricionistas como complemento de uma alimentação saudável. Pode ser ingerido com frutas, granola, sucos, iogurtes ou com o próprio mel. É rico em proteínas, vitaminas e substâncias bioativas, de potencial antioxidante, por conterem compostos fenólicos e flavonoides, que atuam no combate aos radicais livres, responsáveis pelo envelhecimento celular e indutores de doenças como aterosclerose e alguns tipos de câncer.

Avaliações

A docente do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP explica que o serviço, além da parte didática e da pesquisa, é dividido em assessorias, consultorias e análises de amostras de alimentos, em particular os produtos apícolas. Referência nacional, a iniciativa também já auxiliou o desenvolvimento de 50 trabalhos acadêmicos da FCF-USP (ver boxe) e originou três manuais de análise, que podem ser solicitados por e-mail (ver serviço).

Além dos apicultores, outros clientes dos serviços são a indústria alimentícia e órgãos governamentais – o trabalho é balizado por normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Nas amostras de mel, a diretriz adotada é a Instrução Normativa federal nº 11, publicada em 20 de outubro de 2000.

O interessado pode contratar diversos testes laboratoriais direcionados ao controle de qualidade, tais como umidade do produto, quantidade de açúcares redutores (glicose e frutose, principalmente), sacarose aparente, minerais, acidez livre, sólidos insolúveis em água, cor, condutividade elétrica e açúcares individuais, entre outros.

No caso do pólen apícola, as avaliações de controle de qualidade seguem a Instrução Normativa federal nº 3, de 19 de janeiro de 2001. Incluem análises da umidade, cinzas (resíduo mineral fixo), lipídios, proteínas, açúcares totais, fibra bruta, acidez livre, pH, compostos fenólicos e flavonóides e vitaminas antioxidantes e do complexo B.

Relatórios

A pesquisadora destaca que muitos apicultores, ao procurarem a USP, aceitam fornecer matérias-primas e informações de interesse dos pesquisadores, como a localização de sua propriedade, condições climáticas, vegetação local, etc. Em função dessa parceria, a maioria dos serviços é feita gratuitamente para o apicultor. O laboratório também fornece laudos técnicos, que são cobrados de interessados, apicultores e indústrias alimentícias.

“Os relatórios para os apicultores evidenciam pontos favoráveis e outros a serem aprimorados na produção”, ressalta. Atualmente, o banco de dados do laboratório tem catalogadas 250 amostras de pólen apícola e 70 de méis provenientes de vários Estados brasileiros.

Consumo

O mel é o resultado da coleta do néctar das flores e da adição de secreções glandulares produzidas pelas abelhas. O pólen apícola, por sua vez, vem do pólen das flores e da mistura de néctar e substâncias salivares próprias das abelhas, sendo retido por um coletor instalado pelo apicultor na entrada da colmeia.

“Com maior preservação ambiental, oferta de flores e manejo correto, há um grande espaço para aumentar a produção e o consumo de produtos apícolas no Brasil”, observa. Dados de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam a produção anual de mel no País em 35 mil toneladas e a de pólen apícola, em 5 mil toneladas.

Pesquisa realizada em julho de 2015 pela Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), revelou ser de aproximadamente 60 gramas anuais o consumo médio nacional per capita de mel. A Suíça é o maior consumidor mundial, com 1,5 quilo anual, seguida pela Alemanha (960 gramas) e Estados Unidos (910 gramas). No mundo, a China é o maior produtor, seguida de Espanha e Argentina – o Brasil é o oitavo colocado, de acordo com o ranking de 2014 da Abemel.


Trabalhos acadêmicos pioneiros

Ambiente fértil para a pesquisa e a inovação, o Laboratório de Análise de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP abriga trabalhos acadêmicos pioneiros com os produtos apícolas. Entre eles, destacam-se as pesquisas dos nutricionistas Kelly Nascimento, mestranda, e José Augusto Sattler, doutorando, ambos estudando a área de Ciência dos Alimentos.

O trabalho de Kelly investiga a capacidade antioxidante e a qualidade de méis brasileiros, de acordo com as normas exigidas pela legislação vigente – ela defenderá dissertação até o fim do ano. Sattler, cujo trabalho deve ser finalizado em 2018, busca ampliar conhecimentos sobre as propriedades dos compostos bioativos presentes no pólen apícola.

Serviço

Laboratório de Análise de Alimentos da FCF-USP
Av. Prof. Lineu Prestes, 580 – Bloco 13A – CEP 05508-900 – São Paulo (SP)
Informações pelo e-mail ligiabi@usp.br ou pelo telefone (11) 3091-3712

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 16/01/2016. (PDF)

Unesp cria película para uso em telas planas

Produzido com bactérias e óleo de mamona, biomaterial de baixo custo desenvolvido pelo Instituto de Química de Araraquara é flexível, resistente e sustentável e pode ser alternativa ao vidro

Uma pesquisa do Laboratório de Materiais Fotônicos do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp), câmpus de Araraquara, pode representar no futuro uma alternativa às atuais telas planas de vidro usadas em celulares, tablets e televisores. O biomaterial desenvolvido é uma película produzida a partir de óleo de mamona, fonte de biomassa abundante no Brasil, e da celulose proveniente de culturas da bactéria Gluconacetobacter xylinus.

Segundo o químico Hernane Barud, um dos participantes da pesquisa, a tecnologia traz diversas vantagens na comparação com o vidro, cuja origem é a sílica, composto inorgânico encontrado na areia, que impacta o meio ambiente em seus processos de produção e de descarte. Patenteada em âmbito nacional, a película criada em Araraquara é obtida por meio de um processo “verde” e sustentável – usa celulose produzida em laboratório proveniente de fontes naturais.

A nova tecnologia dispensa o corte de árvores e a necessidade de separar a celulose de outras substâncias como a lignina e a hemicelulose, impurezas que precisam ser removidas. Barud explica que o único tratamento exigido para originar uma matéria-prima flexível, resistente e parecida com um plástico é a eliminação das bactérias depois da produção da película.

Descarte correto

Uma das vantagens é o fato de a celulose se decompor na natureza em menos de um ano e ainda colaborar para a adubação do solo, ao passo que o vidro exige descarte ambiental específico e centenas de anos para se decompor.

A película também pode ser produzida por outras fontes de carbono capazes de fornecer a glicose necessária para alimentar os micro-organismos. Já foram testados com sucesso o melaço de cana e a goma de caju, dois resíduos agroindustriais baratos, abundantes e ricos em açúcares.

O pesquisador conta que o estudo começou em 2004. Na época, uma empresa nacional solicitou ao IQ-Unesp a caracterização de um biofilme produzido a partir de mantas de celulose bacteriana. O cliente, atuante na área médica e de biotecnologia, desejava produzir curativos com a espessura de um folha de papel de seda e com propriedades terapêuticas especiais.

Concluído o pedido, o passo seguinte foi produzir, no próprio Laboratório de Materiais Fotônicos, as mantas de celulose. Na visão do grupo de pesquisadores, havia outros usos para esse biomaterial, nas áreas odontológica, de preparação de biossensores e de desenvolvimento de novos curativos, entre outras possibilidades.

Transparência

Em 2009, os cientistas de Araraquara começaram a pesquisar o uso da manta como substrato flexível para displays. A qualidade do material foi considerada satisfatória; no entanto, o composto era opaco e não representava alternativa viável ao vidro.

Entre 2010 e 2015, o desafio foi tornar transparente a celulose obtida. Com isso, o IQ-Unesp passou a fazer parte da corrida tecnológica mundial em busca de telas “orgânicas” para celulares e televisores, eletroeletrônicos com vida útil cada vez menor e a preocupação com os impactos ambientais incluídos em seus processos de produção e de descarte.

Depois de vários experimentos, a solução encontrada pelos cientistas da Unesp foi usar óleo de mamona transformado em poliuretano – processo que conferiu a transparência necessária ao material para substituir o vidro.

Além de colaborador do IQ-Unesp, Barud é docente do programa de Biotecnologia do Centro Universitário de Araraquara (Uniara). Ele conta que o trabalho teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) na modalidade Auxílio à Pesquisa, no valor de R$ 45,7 mil. Atualmente, ele busca parceiros para produzir o biomaterial em escala industrial e estruturar um novo negócio.

No IQ-Unesp, a linha de estudos com a película tem a coordenação dos professores Sidney Ribeiro e Younes Messaddeq e apoio do doutorando Robson Silva e dos doutores Maurício Palmieri e Elaine Rusgus. Participam também do trabalho o cientista Wagner Polito, da Universidade de São Paulo de São Carlos e os doutores Marco Cremona e Vanessa Calil, ambos cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) do Rio de Janeiro.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 07/01/2016. (PDF)