Centro Paula Souza premia a inovação e cultura empreendedora

Projetos científicos vencedores de concursos de Etecs e Fatecs reúnem condições para se transformar em negócios sustentáveis; foram avaliados 1,5 mil trabalhos

O Núcleo de Inovação Tecnológica do Centro Paula Souza divulgou os três projetos vencedores da segunda edição do concurso Desafio de Ideias e Negócios. O evento foi realizado no prédio de Administração Central do Centro Paula Souza, na capital, e celebrou o encerramento de uma disputa com quatro etapas classificatórias iniciadas em agosto de 2014.

Conhecido como Desafio, o concurso avaliou 1,5 mil projetos de alunos de 218 Escolas Técnicas (Etecs) e de 64 Faculdades de Tecnologia (Fatecs) paulistas. O projeto campeão Pele Humana para Transplantes e Testes Farmacológicos, da Etec Professor Carmelino Corrêa Júnior, de Franca, recebeu prêmio de R$ 8 mil. Em segundo lugar ficou Cadeira de Rodas Controlada por Voz, da Etec Lauro Gomes, de São Bernardo do Campo, que levou R$ 4 mil. A premiação de R$ 2 mil foi para o Virtual Band, da Fatec Baixada Santista, de Santos.

Aceitação

De acordo com o regulamento, os critérios considerados na avaliação dos trabalhos foram inovação, competitividade e viabilidade para transformar um projeto científico em um negócio sustentável. Cada projeto concorreu em um dos dez eixos tecnológicos da disputa: Produção Industrial; Produção Alimentícia; Controle e Processos Industriais; Gestão e Negócios; Turismo, Hospitalidade e Lazer; Infraestrutura; Recursos Naturais; Ambiente, Saúde e Segurança; Informação e Comunicação; Produção Cultural e Design.

O diretor da Agência Inova Paula Souza, Oswaldo Massambani, explica que o concurso anual é uma oportunidade para fortalecer a cultura empreendedora, desenvolver novos produtos e serviços e, ainda, beneficiar um ambiente favorável para investidores e incubadoras tecnológicas. “Os projetos são ideias bem estudadas do ponto de vista empresarial e todos têm boas chances de aceitação no mercado”, explicou.

Inovação

Moradora de Claraval, cidade mineira distante 17 quilômetros de Franca, Ângela de Oliveira, de 18 anos, segue estudando à noite para obter seu terceiro diploma técnico. Aluna de cafeicultura da Etec Professor Carmelino Corrêa Júnior formou-se pela instituição em dois cursos: curtimento e meio ambiente.

Da família de oito irmãos, Ângela se destaca nos estudos. Sua primeira aprovação no Vestibulinho foi no fim de 2012. Na Etec Agrícola de Franca, pode fazer aquilo de que mais gosta na vida: estudar e, de preferência, química, área para a qual vai prestar vestibular no fim do ano. Hoje, ela divide seu tempo entre o trabalho em uma empresa calçadista de Franca, as aulas noturnas na Etec e o curso de inglês aos sábados.

Pele artificial

Na Etec, a professora Joana D’Arc Felix de Souza foi responsável por sua iniciação científica. Apontou e segue indicando caminhos para Ângela avançar na área de pesquisa que escolheu para trilhar em sua carreira acadêmica: descobrir um jeito para atenuar o sofrimento de vítimas de queimaduras e de aumentar a autoestima dessas pessoas.

A opção pelo tema se deu a partir de duas situações vivenciadas pela estudante: na primeira, presenciou um acidente de trânsito e viu uma vítima com o corpo em chamas; na segunda, um trabalhador de um curtume de Franca teve 95% do corpo queimado com ácido sulfúrico. Na época, não havia pele suficiente para fazer enxerto e salvá-lo – o caso comoveu não apenas Ângela, mas todos na região do principal polo calçadista do Estado.

O Brasil possui apenas quatro bancos de pele para atender hospitais do País inteiro, localizados em São Paulo, Recife, Porto Alegre e Curitiba. Em todos, a escassez de matéria-prima é recorrente.

No processo tradicional de obtenção, o tecido humano é extraído de cadáveres e passa por tratamentos específicos para, depois, ser usado como ‘curativo biológico’ em pacientes com queimaduras. Entretanto, a pele transplantada tem ação limitada. Depois de um tempo, o enxerto tende a ser rejeitado pelo organismo do receptor, prejudicando a recuperação de pacientes com grande parte do corpo queimado.

A ideia de Ângela foi desenvolver um tipo de pele artificial reaproveitando o colágeno presente na pele suína, que é 78% similar à humana. A matéria-prima são retalhos do couro suíno wet blue, exigindo como desafio inicial a extração do colágeno presente em sua composição e, depois, com muita pesquisa e dedicação, a proposta de torná-lo um biomaterial 100% biocompatível com a pele humana.

A pele artificial desenvolvida em Franca tende a ser alternativa futura à pele sintética usada atualmente em muitas cirurgias e transplantes. Um metro e meio de pele tem custo médio de R$ 85, enquanto a mesma medida de pele produzida em laboratório e comprada pelos hospitais pode chegar a custar R$ 5 mil. O material ainda não foi testado em humanos, mas rendeu o primeiro lugar no Desafio de Ideias e Negócios do Centro Paula Souza e tem encaminhado pedidos de patentes nacional e internacional, de validade em 32 países.

Recebeu, também, três láureas adicionais: o Prêmio 2014 do Conselho Regional de Química; o Prêmio Jovem Inventor, concedido pelo programa de televisão Caldeirão do Huck; e o Prêmio de Ideias Empreendedoras, outorgado pelo Colégio Técnico da Unicamp, o Cotuca.

Tons de pele

“O trabalho não se restringe à área médica. Tem grande valor também para o meio ambiente”, explica a professora Joana. Além do colágeno, o couro wet blue contém cromo em sua composição. De acordo com a lei ambiental vigente, esse resíduo tóxico do processo produtivo dos curtumes exige tratamento antes do descarte industrial.

Ângela e Joana, a dupla afinada da Etec de Franca, explicam que o próximo passo da pesquisa com o couro de porco é sintetizar a melanina, pigmento que define a cor da pele, do cabelo e dos olhos das pessoas. Atualmente, a pele extraída de cadáveres e direcionada aos bancos de tecidos é de pessoas brancas. A proposta é estudar opções para outros tons de pele, como a dos negros e asiáticos.

Um protótipo de cadeira de rodas elétrica, controlada de modo instantâneo por comandos básicos de voz, rendeu ao grupo liderado por Daniel Braite Labriola, 23 anos, aluno de mecatrônica da Etec Lauro Gomes, de São Bernardo do Campo, o segundo lugar no concurso. Com viabilidade comprovada, a invenção foi indicada pela escola técnica para o evento e tem pedido de patente encaminhado.

Funcionando com cinco comandos (frente, pare, ré, esquerda e direita), o dispositivo usa dois motores de vidro elétrico automotivo como forma de propulsão. Esse foi o tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado em junho de 2014 pelo grupo de Daniel e poderá se transformar em meio de locomoção para idoso ou pessoa com deficiência física (cadeirante).

Comando de voz

O sistema de controle da cadeira de rodas foi adaptado de um projeto anterior de automação residencial desenvolvido por Daniel, cuja formação inclui também diploma técnico em informática. Com conceitos de inteligência artificial e um sistema embarcado de controle, o dispositivo de acessibilidade recebe as instruções através de um módulo controlado por voz. Para decodificar os comandos e executar os movimentos, o sistema compara as ordens com informações gravadas na memória do aparelho.

Filho de metalúrgico com perfil também inventor, Daniel é autodidata e, na oficina do pai, desenvolve projetos completos de software (programação) e hardware (placas e circuitos). Quando tem dificuldade em alguma etapa, busca respostas em vídeos veiculados na internet. Assim que finalizou o protótipo da cadeira de rodas, publicou vídeo no YouTube demonstrando seu funcionamento e operação (disponível no link http://goo.gl/SU0fFE).

Atualmente, Daniel segue em busca de oportunidade de trabalho em mecatrônica e tecnologia de informação. Ao mesmo tempo, faz engenharia na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). No curso, as aulas on-line de formação a distância são ministradas durante a semana e os encontros presenciais ocorrem aos sábados.

Virtual Band

Três meses de trabalho foram suficientes para o grupo de cinco calouros do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Fatec Baixada Santista Rubens Lara, de Santos, criar um programa, no segundo semestre de 2014, para facilitar o aprendizado musical. O software foi concebido para funcionar conectado à internet, com voz e instrumentos musicais (simulações foram feitas com bateria, guitarra, piano e violino, entre outros) e óculos de realidade aumentada.

Ainda não comercializado no Brasil, os óculos de realidade aumentada são um dispositivo de informática “vestível”. Permite ao usuário executar projetos em 3D, acessar sites e redes sociais e trocar e-mails, entre outras possibilidades. Tem como exemplos o Google Glass, do Google, e o HoloLens, da Microsoft, cujo comercial (em inglês) pode ser assistido no YouTube, no link http://goo.gl/T972Vg.

Ferramenta lúdica

A paixão pela música e por videogames foi o ponto de partida do projeto dos universitários de Santos, que também se inspiraram nas mais recentes e revolucionárias tecnologias para criar o Virtual Band. O projeto garantiu ao grupo a terceira colocação no Desafio de Ideias e Negócios do Centro Paula Souza.

Apresentado no plano teórico, o Virtual Band é uma plataforma de aprendizado inspirada em jogos eletrônicos, cujos controles são instrumentos musicais de brinquedo, de jogos como Rock Band, Guitar Hero e Rocksmith. Nesses títulos, de acordo com o ritmo de cada canção, é exigida destreza do jogador para apertar a sequência correta de itens que representam as notas musicais que surgem na tela vindas de diversas direções.

No Virtual Band, a brincadeira dos consoles se transforma em ferramenta educacional lúdica e dinâmica, explica a violinista, arquiteta e programadora Carla Mendanha, 25 anos. Mesmo sem ter disponíveis os óculos para os testes, a viabilidade do programa foi confirmada com similares existentes no mercado e, também, teve como base os óculos de realidade aumentada.

Em vez de só apertar botões, como ocorre nos videogames, o Virtual Band in dica com uma luz piscante qual nota deve ser executada nas “casas” do “braço” da guitarra ou nas teclas do piano cuja visualização é feita com os óculos de realidade aumentada. “Nosso próximo passo será desenvolver o aplicativo para os óculos de realidade aumentada. A patente da invenção deve ser depositada até o fim do mês e a meta é repassar a tecnologia para uma empresa de informática, podendo ser o próprio Google ou a Microsoft”, explica Carla.

O grupo da turma matutina da Etec de Santos foi orientado pelo professor João Carlos Gomes e tem como líder o pianista Matheus Fernandes, 18 anos. É integrado ainda pelos estudantes Munike Silva, 27 anos; Rodolpho Costa, 18 anos; e Hamilton Silva, 23 anos.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente nas páginas I e IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 08/04/2015. (PDF)

Fapesp apoia empresa pioneira na criação de robôs para área educacional

Sediada em São Carlos, Xbot lança o primeiro kit direcionado para educação e pesquisa do ensino técnico, graduação e pós

Criar robôs para ajudar na formação de jovens cientistas. Esta é a proposta da Xbot, a primeira fabricante nacional de robôs móveis para a área educacional e de pesquisa. Sediada em São Carlos e criada por ex-alunos da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a empresa já recebeu R$ 300 mil do programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) desde a sua criação, em 2007.

A Xbot oferece robôs para educação e pesquisa (três modelos) e entretenimento (duas opções). A linha de produtos inclui o Curumim, direcionado ao ensino médio, e o RoboDeck, lançado em 2010 e dirigido para escolas técnicas e universidades (graduação e pós).

A proposta pedagógica do equipamento é permitir ao aluno pôr em prática conceitos ensinados na sala de aula, em Matemática, Química, Física e Biologia, e ainda ser programado para executar qualquer tarefa que possibilite interatividade com o conhecimento adquirido.

Missões

O RoboDeck é elétrico (funciona com baterias recarregáveis), tem tração traseira e se desloca por todas as direções. Pode ser programado para operar de modo autônomo ou ser controlado por notebook ou telefone celular. Vem equipado com sensores digitais e analógicos (GPS, bússola, acelerômetro e temperatura), saídas USB e bluetooth, e acessa a internet a partir de conexão 3G ou wi-fi (sem fios, com roteador).

Equipado com placa-mãe semelhante à usada nos computadores de mesa e notebooks, o RoboDeck usa sistema operacional de código-fonte aberto (Linux). Vem pré-programado e possui módulos opcionais como visão, autodesempenho e garra portátil para pegar objetos. E todos os seus programas podem ser alterados de acordo com a necessidade do professor ou pesquisador, e novas tarefas podem ser acrescentadas.

O RoboDeck executa tarefas simples, como recolher objetos embaixo de uma mesa, e complexas, como detectar e desviar de obstáculos, perseguir outros equipamentos e coletar objetos a partir de técnicas de inteligência artificial. Seu principal atrativo é se integrar a outros dispositivos, tais como câmera digital (para identificar terrenos e enviar imagens em tempo real), braços robóticos, língua eletrônica (sensor capaz de identificar sabores) e sonares.


Não é brinquedo

De acordo com Antônio Valério Netto, diretor de tecnologia da Cientistas Associados, em São Carlos, os robôs da Xbot não são brinquedos ou kits educativos. Trata-se de ferramentas para aprimorar e acelerar a curva de aprendizado técnico dos alunos. Porém, seu aspecto lúdico favorece o aprendizado multidisciplinar de diversos conceitos científicos e estimula o trabalho em equipe.

“As possibilidades de uso são infinitas. O único limite é a criatividade e a disposição dos envolvidos em sempre aprender mais”, destaca.

Os criadores dos robôs e proprietários da Xbot são formados nas áreas de Computação, Engenharia Elétrica e Mecatrônica e Física. Segundo eles, o RoboDeck é uma ferramenta de aprendizado de perfil multidisciplinar, ultrapassa os limites das disciplinas de programação e lógica.

Seis pedidos do produto já foram feitos e as primeiras unidades serão entregues em março. Os compradores são a Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade de Caxias do Sul (UCS), PUC-RS, as federais de Campina Grande (UFCG) e Amazonas (Ufam) e a Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). Mais informações podem ser obtidas no site.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 13/02/2010. (PDF)

Brasil ganha rede nacional de institutos de ciência e tecnologia de ponta

A nova rede vai reunir as universidades estaduais paulistas, centros de pesquisa, instituições nacionais e internacionais, em busca de conhecimento e aprimoramento tecnológico

Com o objetivo de produzir conhecimento e inovação em áreas estratégicas, o Brasil dá os primeiros passos na formação de institutos nacionais de ciência e tecnologia. A nova rede congrega as universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e de outros Estados, instituições federais, agências de fomento e centros de pesquisa de todo o Brasil.

Essas redes vão contribuir para a formação de profissionais qualificados para atuar no meio acadêmico e no mercado. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), está investindo R$ 600 milhões no projeto.

A iniciativa substitui os antigos institutos do milênio e até agora foram criadas 112 novas unidades no País: 37 no Estado de São Paulo. Áreas estratégicas para o território nacional, como informática, comunicação, saúde, biotecnologia, meteorologia, nanotecnologia, petróleo, gás, biocombustível, espacial, nuclear, biodiversidade, recursos naturais e desenvolvimento social e agropecuário são o foco imediato da iniciativa.

Nos institutos paulistas, a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) financiou metade do investimento e é parceira do CNPq na rede nacional, que reúne docentes da USP, Unesp e Unicamp. A USP foi o centro acadêmico que mais recebeu institutos até agora. No total são 17, quatro deles instalados no campus de São Carlos.

Grupos internacionais

Um dos destaques é o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia na área de Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC). Sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos, o grupo de pesquisa foi idealizado em novembro de 2008 e reúne desde sua fundação, no mês de março, cem cientistas de universidades estaduais como USP, Unesp, PUC-RS e Maringá- PR e federais (do Amazonas, de Goiás e de São Carlos).

A coordenação dos trabalhos do INCT-SEC é do professor José Carlos Maldonado, vice-diretor do ICMC. Recém-criado, já tem parcerias firmadas com a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e acordos de cooperação científica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Até 2011, o instituto receberá R$ 4,5 milhões. Os primeiros resultados do trabalho do INCT-SEC estão previstos para o final de 2010. A proposta principal é aprofundar estudos nos chamados sistemas embarcados críticos no Brasil, firmar parcerias com grupos internacionais e dar continuidade a pesquisas em andamento no ICMC, como as experiências com veículos autônomos (aéreos e terrestres).

A primeira atividade do INCT-SEC foi um workshop realizado em abril, em São Carlos. O grupo de pesquisa está instalado nas dependências do ICMC, mas em 2012 mudará para a sede definitiva, a ser construída no Parque Ecotecnológico de São Carlos.

Cooperação alemã

O professor Dieter Rombach, diretor da área de tecnologia da informação do Instituto Fraunhofer (Alemanha), visitou São Carlos na primeira quinzena de março. Na oportunidade, conheceu as pesquisas do ICMC com sistemas embarcados críticos em veículos autônomos e anunciou, para breve, parceria com o INCT-SEC.

“Em Salvador (BA), o governo estadual aportou recursos para criar um Centro Fraunhofer na Universidade Federal da Bahia (UFBA)”, informa o professor José Carlos Maldonado. “E há forte possibilidade de se instalar uma unidade também em São Carlos”, completou o docente do ICMC, que é também presidente da Sociedade Brasileira de Computação.

O Instituto Fraunhofer foi criado em 1949. Voltado à inovação, aproxima a universidade da indústria e procura transformar o conhecimento produzido no meio acadêmico em novos serviços e produtos. A meta é conferir impacto social ao investimento feito em ciência e gerar renda e empregos para a sociedade.

No modelo de parceria proposto, o grupo europeu aporta o mesmo valor que o governo e as empresas locais nos projetos de pesquisa. Cada posto montado fora da matriz alemã tem prazo de três anos para atingir as metas. Após esse período, se a iniciativa for bem-sucedida será finalmente constituída a filial do Fraunhofer e termina o aporte estrangeiro de dinheiro na unidade, que passa a operar com recursos próprios.

No momento, o INCT-SEC procura parceiros para financiar o escritório do Fraunhofer em São Carlos. A verba a ser investida poderá vir de agências de fomento, empresas e governos municipal, estadual ou federal. “A expectativa é repetir no Brasil a experiência norte-americana: uma rede de Centros Fraunhofer bem-sucedida”, destaca o professor.

Inteligência artificial

A proposta principal dos sistemas críticos embarcados é comandar veículos (avião, carro, submarino, satélite e balão) e dispositivos eletroeletrônicos embarcados, como telefone celular, videogame, equipamentos médicos e de monitoramento remoto. Podem inclusive integrar eletrodomésticos e componentes de alta tecnologia.

Os sistemas críticos embarcados são soluções completas de informática. Incluem o projeto e o design dos componentes de hardware (placas, circuitos, dispositivos autônomos) e o desenvolvimento dos softwares (programas de computador) próprios. São capazes de tomar decisões e executar tarefas a partir de conceitos de inteligência artificial.

Os testes com os sistemas são feitos com protótipos (modelo construído em escala menor para reduzir custos e riscos). Os dois mais avançados do INCT-SEC surgiram de pesquisas do ICMC: um veículo aéreo não tripulado (Vant), projeto cuja tecnologia foi repassada à indústria e transformado em aplicação comercial e um veículo terrestre autônomo, ainda em fase de desenvolvimento.

O estudo com o Vant começou em 1999, por iniciativa do professor Onofre Trindade Junior. O avião integrou o antigo Projeto Arara (Aeronaves de Reconhecimento Assistidas por Rádio e Autônomas), parceria da USP com a Embrapa finalizada em 2005.

Ajuda do céu

Hoje, o avião tem patentes depositadas e é comercializado. Funciona sem piloto e tripulação e se orienta por satélite (GPS). Tem custo de R$ 90 mil, fotografa e filma áreas rurais em tempo real e oferece imagens em alta resolução. Voa de modo autônomo a partir de rotas predefinidas e também pode ser controlado como aeromodelo (via rádio).

O Vant é movido a gasolina de aviação convencional e pode voar até duas horas sem reabastecer. No modo autônomo é possível programar altitude, percurso e área a ser sobrevoada e fotografada.

Caso o avião atravesse uma zona de turbulência e se desvie da rota original prevista, o sistema embarcado que comanda a aeronave se orienta pelo GPS e corrige automaticamente a trajetória. É o mesmo princípio usado por mísseis teleguiados para atingir alvos intercontinentais. No voo com rota programada, o avião é calibrado para desempenhar tarefas específicas, como, por exemplo, sobrevoar e mapear plantações.

Suas imagens possibilitam ao produtor identificar quaisquer objetos entre a aeronave e o solo. E, ainda, verificar a presença de pragas, espécies invasoras, e se alguma planta cresce abaixo do padrão esperado.

A informação vinda dos céus auxilia o produtor a traçar diagnóstico preciso de seus campos e permite economizar recursos com fertilizantes e defensivos. O avião já foi usado com sucesso em lavouras de milho e soja e pode ser adaptado para atuar com outras culturas e diferentes missões.

Preservação ambiental

A decolagem do Vant é feita a partir de um carro em movimento. A aeronave fica posicionada numa base afixada na capota e, quando o veículo terrestre atinge a velocidade de 60 quilômetros por hora, um sensor especial no nariz do avião inicia a decolagem.

A autonomia de voo é de até três horas. Se for necessário o avião pode carregar até 12 quilos de peso e aterrissar com paraquedas no meio da plantação. Seu sistema de navegação inclui base que acompanha o voo e recebe em tempo real as imagens e demais dados transmitidos.

A tecnologia dos sistemas embarcados críticos do Vant foi patenteada e repassada para a AGX Tecnologia, empresa parceira sediada em São Carlos. De acordo com Luciano Néris, ex-estudante do ICMC e gerente de projetos da AGX, a aeronave recebeu o nome comercial de AGplane e está disponível para venda ou aluguel (interessados devem acessar o site da empresa – ver serviço).

“As possibilidades de monitoramento aéreo rural e urbano são muitas. A Marinha brasileira já o utiliza em exercícios de treinamento de tiro, mas é possível também fiscalizar e vigiar áreas de preservação ambiental, fronteiras e mapear recursos hídricos, geológicos e ecológicos”, informa Néris.

O Vant desenvolvido na USP tem custo de fabricação menor que os aviões convencionais que geram imagens aéreas. Outras vantagens: voar em baixas altitudes e em espaços reduzidos; e dispensar pista especial para pousar e decolar – o procedimento pode ser feito em qualquer estrada de terra. “E por não ser tripulado tem potencial de poupar a vida de pilotos em regiões de selva fechada e sujeitas à artilharia”, destaca.


Carro autônomo tem várias aplicações

Os professores Denis Wolf, Eduardo Simões e Fernando Osório são os responsáveis pelo protótipo dos veículos terrestres autônomos em desenvolvimento no ICMC. Elétrico e equipado com sensores capazes de identificar obstáculos e mapear todo o terreno ao redor com imagens tridimensionais, o veículo se desloca por todas as direções sem choques ou capotamentos.

A pesquisa foi iniciada no começo de 2009 e tem parceria de professores de Mecatrônica da Escola de Engenharia (EESC) da USP São Carlos e da Politécnica. O protótipo custou R$ 40 mil e os resultados obtidos ainda são preliminares, porém suficientes para atrair o interesse de uma montadora de carros instalada no Brasil.

A multinacional está firmando parceria com a USP de São Carlos, por meio da EESC, e doou um carro top de linha. O veículo será usado nas pesquisas desenvolvidas em parceria com os professores da EESC, do ICMC e demais pesquisadores do INCT-SEC.

Outras perspectivas de uso são adaptar os sistemas de controle inteligentes dos veículos terrestres para desenvolver uma cadeira de rodas inteligente à prova de quedas e de colisões e capaz de receber comandos de voz. Também se cogita utilizar essa tecnologia como robô, para orientar o trânsito de pedestres e carros em cruzamentos de ruas e avenidas.

Por fim, há a possibilidade de uso militar. A ideia é reaproveitar o sistema embarcado usado no carro para equipar um robô antiminas, capaz de transitar em campos com explosivos, detectar e desarmar armamentos. O objetivo é usá-lo em países assolados por conflitos. Em Angola, por exemplo, mesmo com a guerra civil terminada, a população ainda é ameaçada pelas minas enterradas na época da guerra.

Serviço

ICMC-USP
AGX Tecnologia

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 20/05/2009. (PDF)