Como a Ciência entra pela boca

Pesquisa desenvolvida com apoio da Fapesp chega à produção de um tipo de pino que representa avanço na área dentária

Cientistas do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), ajudaram a empresa paranaense Angelus a produzir um pino odontológico inovador. Trata-se de um composto translúcido, com propriedades inéditas, como impedir contaminações e “endurecer” cimentos e resinas em menos de 10 segundos.

O pino odontológico é um composto vitrocerâmico. Surgiu como desdobramento da tese de doutorado do químico-físico Valdemir dos Santos, defendida em 2011 na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Neste trabalho, iniciado em 2007, e ao longo de sua vida acadêmica, o pesquisador foi orientado pelo professor Élson Longo, docente do Instituto de Química (IQ), da Unesp, e diretor do CMDMC, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp.

Atualmente, Valdemir é pesquisador júnior da Angelus. E seu trabalho conjunto com os cientistas do CMDMC permitiu também a criação de uma embalagem “inteligente” para o pino, com propriedades antimicrobianas. A parceria rendeu patentes no Brasil e exterior.

Hoje, o pino odontológico é carro-chefe de vendas da empresa e tem preço equivalente aos materiais convencionais. A caixa com cinco unidades do produto custa, em média, R$ 80. O conjunto pode ser encontrado em revendedores nacionais de material odontológico e em mais 80 países para onde é exportado.

Resistente e biocompatível

O pino é material de uso comum na odontologia. Sua função primordial é oferecer resistência mecânica, atuar como “alicerce” na estrutura dental para sustentar outro material, como obturação ou implante. Tem também por finalidade reter material restaurador definitivo ou seu núcleo de preenchimento, e o ideal é que não seja nem mais mole nem mais duro que o dente.

Na versão convencional, o pino é produzido à base de metal (aço inox, zircônio ou titânio) e pode trazer problemas colaterais, como oxidar, esquentar e sofrer corrosão. Já o desenvolvido no CMDMC é mais resistente, biocompatível e tem como diferencial a luminescência – capacidade de ser “atravessado” pela luz. Tem na composição 80% de fibra de vidro e 20% de resina epóxi, além de ser revestido com nanopartículas de prata e de molibdatos de cálcio e de sódio.

Depois da colocação do pino, o dentista usa o raio ultravioleta (luz azul) para endurecer o cimento. Neste processo, é liberado molibdênio, metal essencial no metabolismo de micro-organismos, como fungos e bactérias. A passagem da luz tem duas finalidades: endurecer cimento ou resina e atrair os micróbios, envenenados pela prata e eliminados em menos de 10 segundos. “A cura do dente vem com a luz”, explica Valdemir.

O pesquisador cita também outros aspectos positivos da tecnologia multifuncional para dentistas e clientes. Por ser antigerme, o pino odontológico previne retrabalhos no consultório causados por contaminações. E para o paciente, o processo fica mais rápido. Há menos intervenções em sua boca, muitas delas dolorosas, como tratamento de canal, obturação, implantes, etc.

Armadilha invisível

O desenvolvimento da “nanoarmadilha” teve a colaboração do químico Diogo Volanti, professor colaborador do IQ-Unesp. Sob a supervisão do professor Élson Longo, foi desenvolvida a morfologia ideal para a estrutura dos nanocomponentes, como os molibdatos incorporados na composição do pino odontológico – os testes foram feitos nos fornos micro-ondas adaptados do instituto.

Satisfeito com o resultado, Élson Longo destaca as novas possibilidades de síntese de materiais abertas a partir da pesquisa com sistemas de fotoluminescência, fruto de décadas de trabalho coletivo. Ele enfatiza o envolvimento de duas dezenas de profissionais e cientistas para solucionar desafios de biologia, microscopia, micro-ondas, composição química, física, materiais, luminescência, odontologia, entre outros.

Diogo faz eco às palavras do professor Élson Longo. Para a dupla de pesquisadores, as universidades públicas cumprem seu papel na área da pesquisa e “seguem abertas à indústria e à sociedade, para inovar sempre, apostando na ciência brasileira como fator chave para o desenvolvimento do País”.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 07/08/2012. (PDF)

Tecnologia sustentável irá alimentar faróis e painéis em ruas e rodovias

Unesp pesquisa material capaz de gerar eletricidade com fluxo de veículos na via; seu uso está previsto para 2015

Nos laboratórios da Universidade Estadual Paulista (Unesp) está surgindo um nanomaterial capaz de aproveitar a força mecânica gerada pelo tráfego de veículos em uma via para obter eletricidade. A inovação poderá ter muitas aplicações e seu primeiro uso, previsto para estar disponível até 2015, será a criação de ruas e rodovias autossuficientes em energia, com semáforos e painéis alimentados pela passagem dos carros e caminhões.

Do ponto de vista do processo produtivo, a tecnologia gera energia limpa, renovável e sustentável. O método empregado é nanométrico – nele o pesquisador manipula a arquitetura e as propriedades de átomos e moléculas com o objetivo de produzir materiais novos sob medida, com características especiais, podendo ser físicas, químicas, térmicas, mecânicas, etc.

Na pesquisa em questão, o nanomaterial foi desenvolvido a partir da integração de um polímero com nanopartículas cerâmicas de titanato zirconato de chumbo, identificado no meio científico pela sigla PZT. É um compósito flexível, uniforme, capaz de suportar temperaturas de até 360 graus Celsius. Seu diferencial é ser piezoelétrico, ou seja, tem a capacidade de liberar elétrons a partir do peso e compressão dos veículos sobre o asfalto das ruas.

Frio e água

Para gerar energia, o material não precisa ficar na superfície. E para funcionar, basta receber a pressão (peso mais velocidade) do carro ou caminhão que estiver passando sobre ele. Em tese, opera até em temperaturas abaixo de zero e em enchentes, funcionando a partir do peso da água e da correnteza.

O estudo é de autoria dos cientistas Walter Sakamoto, do Departamento de Física e Química da Faculdade de Engenharia (FE) de Ilha Solteira, e de Maria Aparecida Zaghete, do Departamento de Bioquímica e Tecnologia do Instituto de Química (IQ) de Araraquara.

A dupla explica que a propriedade piezoelétrica do nanomaterial tem origem em sua estrutura. O segredo da pesquisa foi encontrar o tamanho e a disposição ideais para as partículas cristalinas de PZT serem integradas no compósito. Pequeninas e espalhadas, elas influenciam diretamente a qualidade da resposta elétrica a partir da deformação mecânica causada no material pela passagem do carro sobre ele.

Mais econômico

Idealizador do projeto, o pesquisador Sakamoto estuda há anos sensores para serem usados para detectar o porcentual de umidade de solo e radiação, entre outras finalidades. Neste projeto específico, conta com o auxílio da professora Maria Aparecida para produzir pó cerâmico capaz de substituir o material importado, de alto custo e mais difícil de se obter distribuição homogênea quando integrado na matriz polimérica para originar o nanomaterial.

A possibilidade de gerar eletricidade a partir do nanomaterial foi comprovada com um experimento. Nele, o pesquisador Sakamoto pressiona o nanomaterial e um LED (diodo emissor de luz) conectado ao sistema acende.

De acordo com o professor Sakamoto, não é possível estimar o custo do material, produzido em pequena quantidade para ser usado nos testes laboratoriais. Ele salienta que o próximo passo é encontrar pesquisadores ou empresas interessados em fabricar um capacitor para armazenar a carga elétrica recebida. E prevê que o principal desafio para construir o dispositivo será criar outro nanomaterial, com a propriedade primordial de acumular grande quantidade de energia tendo tamanho reduzido.

Aplicações infinitas

De acordo com os pesquisadores, há outros usos possíveis para o material, como em implantes para detectar o crescimento ósseo e vazamentos de Raios X no ambiente. E citam, ainda, o exemplo de um shopping no Japão cujo piso gera eletricidade a partir da passagem dos clientes. Segundo eles, a atual pesquisa é parte de uma corrida mundial da ciência em busca de novas fontes de energia, de preferência limpas. A meta é substituir, de modo sustentável, os atuais combustíveis.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 12/02/2010. (PDF)

Município de São Carlos é sede da primeira fábrica nacional de semicondutores

Filial instalada no País produzirá memórias e chips, etapa inicial para desenvolver a indústria brasileira de informática e eletroeletrônica

Referência nacional em pesquisa e inovação tecnológica, a cidade de São Carlos, no interior paulista, abrigará a primeira fábrica de semicondutores do País. O projeto de construir a filial brasileira da multinacional Symetrix Systems é uma parceria da empresa norte-americana com a prefeitura local, Secretaria Estadual do Desenvolvimento e Grupo Encalso-Damha.

A fábrica tem investimento inicial de US$ 250 milhões e sua construção começará em julho de 2009, no Parque Eco-Tecnológico Damha, localizado em terreno vizinho ao da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Fica a 230 quilômetros da capital e tem previsão de entrar em operação em 2011. Até lá, a expectativa é receber aportes de até US$ 1 bilhão.

O estudo de materiais semicondutores é o passo inicial para instalar uma indústria local de eletroeletrônica e informática. De tamanho microscópico, o semicondutor ajuda a transmitir e a controlar a passagem da corrente elétrica em placas e circuitos. É usado em pentes de memória e processadores (chips) de computador. Está presente em aparelhos como telefone celular, câmera fotográfica digital, TV de alta definição e tocador de MP3.

Expectativas

No cenário mais otimista, a fábrica brasileira objetiva reproduzir em São Carlos o fenômeno do Vale do Silício, na Califórnia, berço da indústria de informática dos Estados Unidos. A expectativa é produzir 100 milhões de chips por ano e atender à demanda da indústria brasileira, que atualmente os importa da China e de países asiáticos.

A área do Vale do Silício paulista começa na Região Metropolitana de Campinas (RMC), segue nas margens das rodovias Anhanguera (SP-330) e Bandeirantes (SP-348), passa por Ribeirão Preto e vai até São José do Rio Preto pela Washington Luiz (SP-310).

Promete gerar empregos, renda e impostos e formar, nos municípios vizinhos de São Carlos, uma cadeia paulista de fornecedores de produtos e serviços tecnológicos para atender às demandas da filial brasileira da Symetrix. Pretende, ainda, transformar parte dos oito mil alunos que concluem estudos na região a cada ano em empresários, assim como estreitar seus vínculos com universidades e prefeituras.

Opção paulista

A Symetrix Systems foi criada na década de 1980 no Estado norte-americano do Colorado pelo brasileiro Carlos Paz de Araújo. Ao decidir por São Carlos, o empresário potiguar deixou de lado municípios concorrentes nos Estados do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Um dos motivos da sua escolha é o fato de a cidade abrigar uma das duas sedes do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC).

Trata-se de um dos principais Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O CMDMC é coordenado pelos professores Élson Longo e José Arana Varela, do Instituto de Química (IQ) da Unesp. A dupla também lidera um grupo de 120 cientistas de instituições públicas como USP São Carlos, UFSCar e Unesp.

Nanotecnologia tupiniquim

O Centro concentra em Araraquara e em São Carlos grande parte da pesquisa brasileira em nanotecnologia. É uma área científica multidisciplinar, ainda desconhecida de grande parte da população e promissora para gerar empresas e pesquisas.

A nanotecnologia propõe alterar, com fins específicos, as propriedades de átomos e moléculas para obter novas funcionalidades e materiais. Suas aplicações integram a fabricação de componentes para computadores, medicamentos, materiais odontológicos, cosméticos, espelhos telescópicos, pilhas, tintas, panelas e plásticos.

O CMDMC faz pesquisa básica e aplicada, porém não cria nem vende produtos. Transfere tecnologia para empresas por meio de convênios e atende a demandas específicas, com soluções sob medida. Exemplo: melhorar as propriedades físicas, químicas ou mecânicas de um composto ou processo usado pelo semicondutor.

Com a Symetrix o convênio está previsto para ser assinado até o final do ano. Em contrapartida, o CMDMC envia alunos e pesquisadores para estagiar nas empresas e reinveste os recursos financeiros obtidos na formação de pessoal e compra de equipamentos.


O fim das caixas registradoras

O professor Élson Longo, um dos coordenadores do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, destaca o pioneirismo do grupo multidisciplinar na pesquisa internacional com materiais ferroelétricos. Ele explica que a inovação substitui as memórias magnéticas convencionais com muitas vantagens.

A memória ferroelétrica suporta regravações infinitas, tem menor custo de produção, capacidade de armazenamento 250 vezes maior e permite leitura sem contato mecânico ou físico com a superfície em até seis metros de distância. Por exemplo, em um supermercado o atendente não precisará mais aproximar cada produto do leitor de código de barras. Ao chegar ao caixa, o sistema mostrará na tela quais itens o cliente colocou no carrinho e o total da conta.

A nova fábrica de São Carlos produzirá também chips para Smart Card, o cartão recarregável já usado no transporte público da capital (Bilhete Único), em prontuários médicos e na telefonia celular.

Por reunir várias funcionalidades num único material, a memória ferroelétrica também é alternativa pesquisada por diversas empresas no mundo para processar informações em alta velocidade. De acordo com Longo, esta necessidade vem crescendo com a expansão de dispositivos sem fio, como computadores de mão e celulares, que operam em baixa voltagem e exigem capacidade cada vez maior de processamento e armazenamento de informações.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 25/10/2008. (PDF)