Ensino de geometria ganha novo aliado – um robô

Ferramental tecnológico facilita o aprendizado, complementa a prática pedagógica tradicional e torna as aulas mais interativas e interessantes para os alunos

Desde 2012, um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), da Universidade de São Paulo (USP), câmpus de São Carlos, estuda a utilização de novas tecnologias e recursos pedagógicos para serem usados em sala de aula.

A coordenadora dos trabalhos e docente do ICMC-USP Roseli Romero explica que a proposta é reforçar o aprendizado e tornar as aulas mais interativas e interessantes para os alunos, complementando o ferramental tradicional do professor (lousa, giz, cadernos, exercícios e atividades expositivas e em grupo).

Atualmente, o grupo de robótica educacional tem a participação de dois alunos de pós-graduação e oito de graduação (iniciação científica). Entre os projetos, dois foram baseados em um robô modelo NAO para transmitir conceitos de geometria.

Fabricado pela empresa francesa Aldebaran, esse autômato dispõe de aplicação própria, permitindo ao educador programar as falas e movimentos do robô para responder às interações dos alunos. O equipamento pesa 5 quilos, tem 60 centímetros de altura, funciona com bateria e pode ser colocado em cima da mesa do professor.

A unidade NAO de São Carlos foi a primeira do País. Chegou em 2010 e pertence ao Laboratório de Aprendizado de Robôs (LAR) do ICMC-USP, tendo sido adquirida com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). Hoje, esse tipo de robô é usado em mais de 50 universidades ao redor do mundo. Também é aproveitado para interações com crianças autistas, por permitir imitar e reconhecer movimentos, além de atividades de entretenimento.

Aceitação

De acordo com a professora Roseli, a robótica educacional vem sendo muito bem recebida pelos jovens de todas as classes sociais, em diversos cenários de pesquisa: “Optamos por trabalhar conceitos matemáticos, mas é possível programar robôs para ensinar física, geografia ou português. Aliás, também temos usado essas máquinas para contar histórias para crianças em idade pré-escolar”.

A intenção segundo a docente, não é substituir o professor, mas propor novas opções de trabalho em sala de aula com o uso da tecnologia. Nesse sentido, no segundo semestre do próximo ano, o Centro de Robótica de São Carlos (CROB) oferecerá curso de difusão sobre robótica educacional para preparar professores da rede pública estadual. Eventuais interessados em participar deverão se informar no site do ICMC (ver serviço) a partir do mês de julho.

Experiências

A primeira experiência acadêmica com o NAO foi o mestrado do pesquisador Adam Moreira, defendido em fevereiro do ano passado. Nele, 62 estudantes de 13 e 14 anos das redes pública e privada de ensino de São Carlos foram desafiados a descobrir o nome de uma figura geométrica a partir de dicas fornecidas pelo robô. Se a resposta está certa, ele abre os braços para o alto e pisca as luzes de seus olhos. Com a errada, NAO abaixa a cabeça e fica com os olhos vermelhos. “As reações dele foram programadas para criar empatia com os jovens”, explica Moreira, hoje cursando doutorado.

Em outra atividade, o estudante segurava nas mãos a imagem de um gato feito com peças de um quebra-cabeça do tipo tangram. A proposta era que o aluno adivinhasse a quantidade de triângulos da figura. Ele, então, digitava o que acreditava ser o número em um teclado ligado ao robô. Em caso de resposta errada, NAO disparava dicas. Se houvesse acerto, ele ficava feliz. No entanto, a persistência do erro provocava ‘desânimo’ em sua feição.

No final das atividades, Moreira aplicou um questionário sobre figuras geométricas para os estudantes – os alunos que participaram das aulas com o NAO tiveram mais acertos (84,61%) na comparação com aqueles que não tiveram contato com o robô (60%).

Interação

Em março último, o então mestrando Daniel Tozadore programou NAO para reconhecer figuras geométricas em 3D e receber as respostas dos alunos por meio de voz. Participaram do estudo alunos entre 10 e 14 anos do Projeto Pequeno Cidadão – programa pós-escola desenvolvido pela USP com aulas de reforço, artes e atividades esportivas para estudantes da rede pública.

Para efeito de comparação, a turma foi dividida. Com o primeiro grupo, o robô foi programado para ser mais simpático – cumprimentava as crianças, perguntava o nome e fazia um “toca-aqui” quando o aluno acertava. Já com a resposta errada, o robô mudava a cor de seus olhos e abaixava a cabeça.

Com o segundo grupo, NAO pouco interagia. Apenas dava boas-vindas aos alunos e fazia o reconhecimento das figuras. “Quando comparados, os jovens que tiveram contato com o robô mais interativo se sentiram mais motivados a estudar para as próximas sessões, além de demonstrarem maior capacidade de concentração e assimilação do conteúdo”, explica Tozadore. Atualmente fazendo doutorado no ICMC-USP, ele sublinha que continua sendo “indispensável a presença do ser humano em sala de aula”.

Serviço

ICMC-USP
Centro de Robótica de São Carlos (CROB)
Vídeo com o robô da USP São Carlos

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 27/09/2016. (PDF)

Financiamento da Fapesp dobra capacidade de startup

Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) concede até R$ 1,2 milhão para empresa sediada no Estado; recurso deve ser utilizado no desenvolvimento de produto, processo industrial ou serviço

Criado em 1997, o Pipe-Fapesp financia, a fundo perdido, negócios novos ou já estabelecidos com até 250 empregados dos 645 municípios paulistas. Esse programa estadual de estímulo à tecnologia e inovação realiza quatro chamadas anuais – e já apoiou cerca de 1,3 mil projetos concluídos. Atualmente, há 240 financiados em andamento.

O engenheiro elétrico doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da BrPhotonics, Júlio César de Oliveira, submeteu projeto ao Pipe-Fapesp na primeira chamada do programa de 2015.

O pedido de financiamento de R$ 1 milhão para a empresa especializada em desenvolver dispositivos usados em redes de fibras ópticas em todo o mundo foi aprovado e, hoje, com o recurso, a empresa consegue desenvolver dois tipos de laser simultaneamente, em vez de apenas um.

“O Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) nos possibilita realizar pesquisas na vanguarda da tecnologia e, assim, concorrer com empresas estrangeiras”, conta o dirigente da startup com sede em Campinas.

Inovação

O professor Lúcio Angnes, docente da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do Pipe-Fapesp, explica que a empresa solicitante não precisa apresentar contrapartida no pedido. Segundo ele, esse tipo de financiamento tem apelo social, visa ao surgimento de novas tecnologias e à geração de emprego e renda no País.

O principal pré-requisito é o solicitante desenvolver algum produto, serviço ou processo industrial com base em tecnologia e inovação em qualquer área do conhecimento. Além da viabilidade, o projeto deve ter potencial de retorno comercial e fortalecer a cultura de inovação permanente. Todo o conjunto de regras, prazos e cronogramas do Pipe-Fapesp fica disponível para consulta no site do programa (ver serviço).

Etapas

O Pipe-Fapesp pode financiar uma ou duas das fases de um projeto, sem exceder o teto de R$ 1,2 milhão, com a pesquisa aplicada obrigatória devendo ser realizada diretamente nas instalações da empresa. Na primeira fase, é exigido estudo de viabilidade e o valor solicitado pode chegar a R$ 200 mil, para ser usado em até 9 meses.

Na fase 2, o limite é R$ 1 milhão, sendo exigido plano de negócio, com o período de execução se estendendo para 24 meses. Nessa etapa do auxílio, o proponente pode pleitear diretamente a segunda fase, justificando o motivo da dispensa do período inicial. A submissão do projeto da BrPhotonics foi feita com base nessa regra.

Oliveira tinha experiência prévia em inscrever projetos para submissão em órgãos de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério das Comunicações. Dessa forma, não precisou da consultoria científica e mercadológica prestada pela coordenação do Pipe quando um projeto não é aprovado. “Esse auxílio indica ao empreendedor quais pontos deve aprimorar em seu negócio”, observa o professor.

Destinação

O dinheiro do Pipe-Fapesp pode ser utilizado na compra de materiais permanentes, como equipamentos para pesquisa e itens de consumo (insumos e reagentes). As regras preveem concessão de bolsas de pesquisa para os participantes e a contratação de serviços de terceiros – consultoria, testes, desenvolvimento de temas paralelos ao projeto, entre outros.

O programa atende também negócio em fase de formalização. No entanto, exige vínculo formal de um cientista empregado na empresa proponente ou, ainda, algum pesquisador associado. Esse profissional não precisa ter graduação completa, mas deverá comprovar conhecimento e competência técnica sobre o tema do projeto – e precisará dedicar no mínimo 24 horas semanais ao trabalho.

Fibras ópticas

Em 2014, Oliveira fundou a BrPhotonics. Na época, a empresa associou-se à GigOptix, multinacional norte-americana fornecedora de componentes semicondutores de alta velocidade para fibras ópticas. Na sequência, empregou Luís Carvalho, outro pioneiro da empresa com currículo parecido com o seu: paraibano, engenheiro elétrico formado pela Universidade Federal de Campina Grande (PB) e pós-graduado pela Unicamp. No início do ano passado, com a empresa em funcionamento, a dupla recorreu ao Pipe-Fapesp.

A oportunidade de empreender, conta Oliveira, surgiu no final de 2013, a partir da proposta de desenvolver e comercializar dispositivos fotônicos e microeletrônicos para possibilitar a transmissão de dados em alta capacidade e velocidade em fibras ópticas. Antes, ele trabalhava como pesquisador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações de Campinas (CPqD) e atuava em projetos de criação e repasse de tecnologia óptica para empresas.

Exportação

Com 19 patentes internacionais depositadas na United States Patent and Trademark Office (USPTO) e quatro nacionais, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), a BrPhotonics hoje exporta para os Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e mercado europeu. Iniciado com cinco funcionários, o negócio tem atualmente 23 colaboradores, dois deles trabalhando no escritório da empresa em Seattle, Estados Unidos.

A BrPhotonics monta moduladores de raios laser com fotônica integrada. O presidente da empresa diz que se trata de um produto tecnológico com alto valor agregado – alternativa mais barata aos transmissores ópticos de 100 gigabits, mais utilizados. “Outras vantagens são gastar menos energia e oferecer potência de transmissão superior. Em breve, pretendemos vender nossos moduladores de laser e soluções para empresas brasileiras”, conta.

Serviço

Programa Pipe Fapesp
Telefone (11) 3838-4216
CPqD
BrPhotonics

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/08/2016. (PDF)

USP estuda curativo orgânico para queimaduras

Membrana em desenvolvimento no câmpus de Pirassununga propõe alternativa sustentável e sem risco de rejeição às peles biossintéticas importadas usadas atualmente no tratamento

Uma matéria-prima utilizada pela indústria alimentícia para prolongar a vida útil de alimentos inspirou, em Pirassununga, uma inovação capaz de baratear e aprimorar o tratamento de queimados por fogo e água fervente. O estudo acadêmico é de autoria do pesquisador Daniel Angulo, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), da Universidade de São Paulo (USP), com orientação do professor Paulo Sobral, do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center).

Ainda em desenvolvimento, com término previsto para o fim de 2018, a tecnologia propõe um novo tipo de curativo capaz de acelerar a cicatrização da pele dos acidentados, diminuindo, assim, o sofrimento dos pacientes. A Sociedade Brasileira de Queimaduras estima que os acidentes com fogo e água fervente fazem, a cada ano, um milhão de vítimas no País. Desse total, 66% são crianças, a maioria de famílias de baixa renda.

Orgânico

A pesquisa tem por base o desenvolvimento de uma membrana orgânica produzida a partir do reaproveitamento do colágeno, proteína presente em insumos naturais de baixo custo, porém, com potencial de poluir o meio ambiente se não tiver destinação adequada. “Esse descarte inclui restos de pele, ossos, cartilagens e tendões de bovinos e suínos e também de peixes criados para o consumo humano, como salmão e truta”, explica Angulo.

O chamado curativo orgânico desenvolvido no câmpus Pirassununga tem como diferenciais ser biodegradável (absorvido pelo corpo) e biocompatível (não há rejeição pelo organismo), ter propriedades antifúngicas e antimicrobiais, além de não gerar compostos tóxicos no corpo humano. “A membrana é uma alternativa às peles biossintéticas, material de saúde caro, importado e patenteado, usado atualmente no tratamento dos acidentados”, afirma Angulo.

Além do custo 50% menor, o curativo orgânico também poderá substituir os enxertos, procedimento médico doloroso para o paciente, pois consiste em extrair pedaços de sua pele para colocação no local ferido.

A principal matéria-prima da membrana é a gelatina feita à base de colágeno, uma proteína produzida pelo organismo de todos os mamíferos e insumo comumente utilizado pela indústria alimentícia. A composição inclui ainda a quitosana (fibra natural derivada da quitina), elemento encontrado no esqueleto de crustáceos como lagosta e camarão, além de extrato vegetal de babosa (Aloe vera) e muco (a baba) de caracóis.

O trabalho é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sua origem, explica Angulo, engenheiro de alimentos natural de Santiago (Chile), foi uma chamada pública realizada em 2014 para doutores estrangeiros recém-formados. Aprovado na seleção do órgão federal, o pesquisador, de 38 anos, há um ano estuda a membrana, tema de seu curso de pós-doutorado no Brasil.

Inovação

Angulo pretende patentear a tecnologia e foi convidado a divulgar o trabalho acadêmico sobre a membrana em duas revistas científicas internacionais, a Material Research (brasileira e ibero-americana) e a Material Sciences and Engineering (norte-americana), em edições previstas para os próximos três meses.

Até o fim do ano, o pesquisador seguirá fazendo estudos com a membrana em colônias de células em laboratório, trabalho compartilhado com cientistas da área de veterinária da FZEA-USP. Em 2017, iniciará testes do material com roedores e suínos (modelo biológico) e, finalmente, em 2018, começará a avaliação com seres humanos.

O trabalho é realizado nos laboratórios do FoRC, um dos 16 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). Criado em 2013 e sediado no câmpus da USP da Cidade Universitária, na capital, o FoRC é o primeiro centro de pesquisas do Brasil dedicado exclusivamente às áreas de nutrição e alimentos.

A equipe do FoRC tem 30 cientistas de instituições privadas, como o Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), e públicas, vinculadas ao governo paulista, como USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

Com trabalhos direcionados às áreas de saúde, agricultura, indústria e comércio, entre outros, o FoRC se propõe a inovar, atuando de modo multidisciplinar em quatro áreas: Sistemas Biológicos em Alimentos; Alimentos, Nutrição e Saúde; Qualidade e Segurança dos Alimentos; e Novas Tecnologias e Inovação.

Serviço

Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – USP Pirassununga
FoRC – Food Research Center (Centro de Pesquisa em Alimentos)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 11/05/2016. (PDF)