USP estuda curativo orgânico para queimaduras

Membrana em desenvolvimento no câmpus de Pirassununga propõe alternativa sustentável e sem risco de rejeição às peles biossintéticas importadas usadas atualmente no tratamento

Uma matéria-prima utilizada pela indústria alimentícia para prolongar a vida útil de alimentos inspirou, em Pirassununga, uma inovação capaz de baratear e aprimorar o tratamento de queimados por fogo e água fervente. O estudo acadêmico é de autoria do pesquisador Daniel Angulo, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), da Universidade de São Paulo (USP), com orientação do professor Paulo Sobral, do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center).

Ainda em desenvolvimento, com término previsto para o fim de 2018, a tecnologia propõe um novo tipo de curativo capaz de acelerar a cicatrização da pele dos acidentados, diminuindo, assim, o sofrimento dos pacientes. A Sociedade Brasileira de Queimaduras estima que os acidentes com fogo e água fervente fazem, a cada ano, um milhão de vítimas no País. Desse total, 66% são crianças, a maioria de famílias de baixa renda.

Orgânico

A pesquisa tem por base o desenvolvimento de uma membrana orgânica produzida a partir do reaproveitamento do colágeno, proteína presente em insumos naturais de baixo custo, porém, com potencial de poluir o meio ambiente se não tiver destinação adequada. “Esse descarte inclui restos de pele, ossos, cartilagens e tendões de bovinos e suínos e também de peixes criados para o consumo humano, como salmão e truta”, explica Angulo.

O chamado curativo orgânico desenvolvido no câmpus Pirassununga tem como diferenciais ser biodegradável (absorvido pelo corpo) e biocompatível (não há rejeição pelo organismo), ter propriedades antifúngicas e antimicrobiais, além de não gerar compostos tóxicos no corpo humano. “A membrana é uma alternativa às peles biossintéticas, material de saúde caro, importado e patenteado, usado atualmente no tratamento dos acidentados”, afirma Angulo.

Além do custo 50% menor, o curativo orgânico também poderá substituir os enxertos, procedimento médico doloroso para o paciente, pois consiste em extrair pedaços de sua pele para colocação no local ferido.

A principal matéria-prima da membrana é a gelatina feita à base de colágeno, uma proteína produzida pelo organismo de todos os mamíferos e insumo comumente utilizado pela indústria alimentícia. A composição inclui ainda a quitosana (fibra natural derivada da quitina), elemento encontrado no esqueleto de crustáceos como lagosta e camarão, além de extrato vegetal de babosa (Aloe vera) e muco (a baba) de caracóis.

O trabalho é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sua origem, explica Angulo, engenheiro de alimentos natural de Santiago (Chile), foi uma chamada pública realizada em 2014 para doutores estrangeiros recém-formados. Aprovado na seleção do órgão federal, o pesquisador, de 38 anos, há um ano estuda a membrana, tema de seu curso de pós-doutorado no Brasil.

Inovação

Angulo pretende patentear a tecnologia e foi convidado a divulgar o trabalho acadêmico sobre a membrana em duas revistas científicas internacionais, a Material Research (brasileira e ibero-americana) e a Material Sciences and Engineering (norte-americana), em edições previstas para os próximos três meses.

Até o fim do ano, o pesquisador seguirá fazendo estudos com a membrana em colônias de células em laboratório, trabalho compartilhado com cientistas da área de veterinária da FZEA-USP. Em 2017, iniciará testes do material com roedores e suínos (modelo biológico) e, finalmente, em 2018, começará a avaliação com seres humanos.

O trabalho é realizado nos laboratórios do FoRC, um dos 16 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). Criado em 2013 e sediado no câmpus da USP da Cidade Universitária, na capital, o FoRC é o primeiro centro de pesquisas do Brasil dedicado exclusivamente às áreas de nutrição e alimentos.

A equipe do FoRC tem 30 cientistas de instituições privadas, como o Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), e públicas, vinculadas ao governo paulista, como USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

Com trabalhos direcionados às áreas de saúde, agricultura, indústria e comércio, entre outros, o FoRC se propõe a inovar, atuando de modo multidisciplinar em quatro áreas: Sistemas Biológicos em Alimentos; Alimentos, Nutrição e Saúde; Qualidade e Segurança dos Alimentos; e Novas Tecnologias e Inovação.

Serviço

Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – USP Pirassununga
FoRC – Food Research Center (Centro de Pesquisa em Alimentos)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 11/05/2016. (PDF)

Procon comemora hoje 40 anos de atuação

São Paulo foi o primeiro Estado brasileiro a ter um serviço exclusivo e gratuito de defesa do consumidor; em quatro décadas, somente na capital, atendimentos ultrapassaram 11 milhões

São Paulo foi o primeiro Estado do Brasil a dispor de um órgão dedicado exclusivamente à proteção e defesa do consumidor. Hoje, dia 6, a Fundação Procon-SP, responsável por esse trabalho, celebra seu 40º aniversário de criação. Atualmente, o órgão vinculado à Secretaria Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania soma, apenas na capital, 11 milhões de atendimento e registra a resolução de 94% das solicitações recebidas.

“Conciliar conflitos entre consumidores e fornecedores é apenas um dos atendimentos prestados pela fundação. Em quatro décadas, a lista de serviços oferecidos nunca parou de crescer”, destaca Carlos Estracine, diretor-executivo do Procon-SP. A entidade realiza diversas ações direcionadas ao consumo consciente e mantém programa de apoio aos superendividados, iniciativa cuja procura aumentou 400% nos últimos três meses.

Outro segmento dos serviços são as pesquisas sazonais de preços divulgadas no site da fundação (ver serviço). A proposta é permitir ao consumidor, antes de ir às compras, saber o valor médio cobrado por produtos e serviços e, assim, economizar. Por fim, o trabalho é completado com a fiscalização constante em lojas, supermercados, shoppings e comércio de rua.

“A ida dos profissionais do Procon aos pontos de venda é para verificar o cumprimento das normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei federal nº 8.078/1990”, observa Estracine. Segundo ele, essa legislação pauta todo o trabalho da fundação. O serviço de fiscalização torna-se mais amplo com operações no comércio em épocas do ano com maior apelo de consumo – volta às aulas, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças, Páscoa, Natal, etc.

Pesadelo

Precisando de R$ 10 mil para abrir um negócio com uma amiga, em janeiro de 2015 a empresária CSL recorreu a empréstimos pessoais, cheque especial e cartão de crédito. Ela usou o dinheiro destinado à pessoa física para estruturar e ter capital de giro na montagem de um serviço de co-working, aluguel de escritórios e espaço para atividades empresariais oferecidos a trabalhadores autônomos (freelancers). “Empresa com menos de um ano de abertura não tem acesso a crédito”, explicou CSL.

Ela acreditava que a receita obtida nos três meses seguintes permitiria amortizar parte da dívida. Não foi possível e seu saldo devedor não parou de crescer. Em outubro, sua mãe lhe doou R$ 13 mil para cobrir o rombo do cheque especial, mas em novembro o total de dívidas acumuladas ultrapassava os R$ 50 mil.

“Errei ao misturar gastos pessoais com as despesas do negócio”, admite CSL. “Mas o juro abusivo cobrado pelos bancos e administradoras de cartão de crédito impossibilitaram quaisquer perspectivas de pagamento”, observou. Procurando uma saída, em dezembro de 2015 inscreveu-se on-line no Programa de Apoio ao Superendividado (PAS) do Procon-SP (ver serviço).

No mesmo dia recebeu e-mail convocando-a para participar, na semana seguinte, da palestra sobre endividamento. No encontro, foi informada sobre seus direitos e deveres como inadimplente e também sobre o convênio mantido pela fundação com instituições financeiras. Em janeiro ela conseguiu acordo com os credores. As dívidas foram renegociadas e os juros, antes de 20% ao mês, baixaram para 1,5% ao mês.

“O estresse causado pelas dívidas estava acabando comigo. Posso dizer que o rápido atendimento do Procon salvou minha vida”, diz, aliviada. “Hoje, recomendo o serviço para familiares e amigos – e com a crise financeira, cada vez mais gente tem agendado encontro no PAS”, finaliza.


Fatos da história da Fundação

1976 – O Decreto nº 7.890, assinado pelo então governador Paulo Egydio Martins, institui o primeiro Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor.

1980 – O Procon produz sua primeira cartilha ao consumidor. Com tiragem de 20 mil exemplares, a publicação reúne recomendações sobre alimentos, carnes e laticínios.

1985 – O órgão passa a funcionar em novo prédio na capital, com oito andares, no Itaim Bibi. São instalados mais dois postos de atendimento: na região central e no Tatuapé.

1987 – Firma seu primeiro convênio com uma prefeitura – a de Capivari – e a partir daí os munícipes das cidades do interior passam a dispor de serviço próprio.

1990 – É instituído o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a maior conquista legal dos consumidores brasileiros.

1995 – Passa a oferecer o serviço telefônico gratuito de atendimento, o antigo 1512.

1996 – Decreto nº 41.170, assinado pelo então governador Mario Covas, cria a primeira Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Brasil, vinculada à Secretaria Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania – padrão que permanece até hoje.

Serviço

Canais de comunicação do Procon
Site
Blog
Telefones: na capital, ligar 151, de segunda a sexta-feira, das 7 às 19 horas; no interior e litoral, consultar no site do Procon o número e endereço dos Procons municipais Ouvidoria 0800 377 6266, de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas

Código de Defesa do Consumidor (CDC)

Programa de Apoio ao Superendividado (PAS)
Atendimento on-line
Presencial: Rua Barra Funda, 1.032 – Barra Funda – São Paulo – SP
De segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas. Tel. (11) 3824-7069

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 06/05/2016. (PDF)

Educação e trabalho são realidade no CDP II de Pinheiros

Unidade prisional busca preparar os detentos para o mercado profissional; Guilherme Rodrigues, diretor-geral do presídio, acumula 42 anos no serviço penitenciário e foi tema de livro

No Centro de Detenção Provisória “ASP Willians Nogueira Benjamim”, o CDP II de Pinheiros, muitos presos trabalham e, nos últimos seis anos, o local não registra fugas ou rebeliões. A unidade é uma das quatro que integram o complexo penitenciário localizado na Vila Leopoldina, zona oeste da capital e, desde 2010, está sob direção de Guilherme Silveira Rodrigues.

Organizado e bastante limpo, o presídio dispõe de agentes de segurança penitenciária (ASP) e agentes de escolta e vigilância penitenciária (Aevp) com o objetivo de assegurar o cumprimento da Lei de Execução Penal (LEP) nº 7.210/1984 e, assim, promover a ressocialização de 1,6 mil detentos. Os CDPs são unidades destinadas a internos que aguardam julgamento. O Estado tem 41 unidades dessa natureza.

Aos 70 anos, dos quais 42 dedicados ao serviço penitenciário estadual, Rodrigues atua com “postura disciplinadora, aliada ao trabalho e à capacitação do detento”. Ele diz que sempre recomenda aos presos para manterem distância das drogas e desenvolverem, durante o cumprimento da pena, alguma atividade em que haja uma dose de espiritualidade. Aos colegas e subordinados costuma sugerir que sejam líderes e chefes de si próprios “cumprindo sempre a lei com rigor”, em especial com relação aos direitos humanos dos encarcerados e de seus familiares.

Segredo

Formado em pedagogia, há sete anos Rodrigues recebeu um transplante de fígado – nem mesmo a condição de paciente com cuidados especiais o impediu de seguir no comando do CDP II. Um dos segredos de sua gestão, conta, foi ter conseguido projetar e pôr em funcionamento na unidade diversos serviços direcionados à valorização e qualificação educacional e profissional.

Construídas pelos próprios presos, as obras incluíram capela ecumênica, sala de aula e de alfabetização, biblioteca com 9 mil livros, almoxarifado, oficina de serralheria e de marcenaria, sala de informática e espaço de exposição de artesanato e de decoração, como barcos e maquetes, também feitos pelos detentos.

Reciclagem

“Não desperdiçamos nada aqui”, comentou o diretor-geral, apontando para uma das 11 cisternas para coleta e reúso da água da chuva, capazes de acumular 32 mil litros. No ambiente ao lado, mostrou um depósito de sucatas, como camas velhas e armações de ferro. “Antes descartado, esse material hoje nos permite economizar, pois, com ele, produzimos internamente janelas, portas, mesas, estantes e pilares de sustentação, entre outros móveis e equipamentos.”

De acordo com a legislação, três dias trabalhados reduzem um dia da pena. Quando um novo presidiário chega ao CDP II, passa por uma avaliação para identificar seu perfil e definir onde terá condições mais favoráveis à sua estada e ressocialização. “Também pergunto sobre a atividade profissional dele. Essa informação é muito relevante”, observa.

Desse modo, quando há alguma nova demanda no CDP, são selecionados aqueles com bom comportamento. O passo seguinte é avaliar se, de fato, ele já trabalhou como pedreiro, pintor, serralheiro, ferramenteiro, professor, etc.

Entre as opções oferecidas há tarefas simples, como limpeza, varrição e jardinagem, e outras que exigem mais conhecimentos – pintar paredes, erguer lajes, assentar azulejos, organizar livros na biblioteca, formatar computadores, dar aula de informática.

Letras

A experiência com o sistema prisional rendeu a Rodrigues capítulo exclusivo no livro Carcereiros, do oncologista Dráuzio Varella – ele e o médico trabalharam juntos na extinta Casa de Detenção do Carandiru. Uma das razões para ter sido escolhido como personagem verídico da obra foi a habilidade que desenvolveu ao longo dos anos para gerenciar crises e situações limite, como rebeliões e negociações com reféns.

Outro motivo, aponta, foi a convivência com o ex-colega e amigo Luiz Carlos Wolfman, responsável pela diretoria-geral da Casa de Detenção do Carandiru, com quem diz ter aprendido muito. A longa convivência no sistema prisional o motivou a escrever livros. O primeiro deles, Código de cela – O mistério das prisões, foi lançado em 2001. Os outros dois seguem inéditos: um dicionário com diversas gírias usadas pelos detentos (ver boxe) e outro (Às margens do Carandiru – Nossas histórias), finalizado, à espera de uma editora interessada em publicá-lo.


Carreira no sistema prisional

Natural de Borborema, no interior paulista, Guilherme Silveira Rodrigues veio morar com a família na capital aos 14 anos. Em 1974, iniciou a carreira pública como guarda de presídio na Penitenciária do Estado. Em 1980, foi transferido como assessor de diretoria-geral para a Casa de Detenção do Carandiru, zona norte da capital, cuja demolição começou em 2002 – atualmente o local abriga uma Escola Técnica Estadual (Etec) e o Parque da Juventude.

Em 1986, ingressou como professor na Escola de Administração Penitenciária (EAP). Dois anos depois retornou à Penitenciária do Estado, sendo nomeado no ano 2000 diretor-geral da instituição. Seis anos depois voltou a lecionar na EAP. Foi nomeado diretor-geral do CDP II de Pinheiros em 2010.


Algumas gírias usadas pelos detentos

Angu de caroço = bagunça
Antena ligada = estar de prontidão
Arrepio = revista na cela
Barata morta = bobo, otário
Bate chão = revista no piso da cela
Dar um pirandelo = fuga
Jambrar = trabalhar dobrado
Levar no tapa = iludir

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 27/04/2016. (PDF)