Inovação abre novas perspectivas para a produção de memórias de alta capacidade para CDs, DVDs e computadores
Descoberta da equipe de pesquisadores do Laboratório de Materiais Fotônicos do Instituto de Química (IQ) da Unesp, campus de Araraquara, abre novas perspectivas para a indústria de componentes optoeletrônicos: a possibilidade de gravação tridimensional de informações no interior do vidro.
O grupo de estudos é coordenado pelo pesquisador dr. Younes Messaddeq e o vidro especial é parte do trabalho de pós-doutorado de Gaël Poirier, aluno francês especialista em química dos materiais. Há dois anos, ele estuda um vidro especial, composto a partir de uma mistura de óxido de tungstênio, polifosfato de sódio e fluoreto de bário.
Em um dos testes no laboratório, Gaël percebeu que quando irradiava o vidro com raio laser azul ficavam gravadas manchas escuras na altura, largura e no comprimento do pedaço de vidro. Além disso, o pesquisador confirmou que o efeito fotossensível podia ser “apagado”, ou seja, por meio de tratamentos térmicos apropriados, as manchas desapareciam, evidenciando que o efeito é reversível, o que possibilita fazer novas gravações sobre o mesmo material.
“Atualmente, muitas pesquisas em andamento em todo o mundo visam à gravação tridimensional, contudo, a novidade foi conseguir atingir este objetivo utilizando um vidro à base de tungstênio como matéria-prima. O segredo do composto aqui desenvolvido está nos elementos químicos adicionados em pequenas quantidades”, explica Gaël.
O vidro especial tem coloração amarela e, quando irradiado com o laser, muda de cor. O composto é fotossensível, altera suas propriedades quando exposto a luzes especiais. Gaël ressalta, entretanto, que a mancha produzida na experiência não é uma informação digital e somente ilustra, na prática, a possibilidade da gravação tridimensional.
Albert Einstein
Parceria entre o Laboratório de Materiais Fotônicos do IQ e o Instituto de Estudos Avançados do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos permitiu nova demonstração da experiência. A pedido da equipe do IQ-Unesp, os profissionais do CTA gravaram de modo tridimensional a face do físico Albert Einstein numa amostra de vidro de um centímetro de largura por três de altura.
A variedade especial de vidro abre, também, perspectivas para a pesquisa de novos componentes miniaturizados, capazes de substituir CDs regraváveis, DVDs e cartões de memória utilizados, por exemplo, em câmeras fotográficas digitais e celulares.
“Um dos próximos passos será preparar uma película fina de alguns mícrons (a milionésima parte do metro) desse material e verificar se o efeito é o mesmo observado no vidro. Esta película fina seria capaz de substituir a que atualmente é utilizada em CDs e DVDs”, aponta Gaël.
Outro modo de armazenar informações em três dimensões emprega o uso de técnica especial: a holografia, que permite ampliar ainda mais a capacidade de armazenamento de dados por centímetro cúbico de material.
O aluno de pós-doutorado dr. Marcelo Nalin, que desenvolve sua pesquisa no Instituto de Física da Unicamp em Campinas, sob a orientação da cientista Lucila Cescato, trabalha em parceria com os doutores Gaël e Younes. São os únicos pesquisadores, no Brasil, a estudar o fenômeno de fotossensibilidade em vidros de tungstênio, usando a técnica holográfica.
Produção e investimento
Gaël não recebeu investimento específico para a pesquisa, somente sua bolsa de pós-doutorado, que é mantida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp). Nas experiências, utilizou a infra-estrutura de equipamentos do IQ e contou com o auxílio financeiro da Fapesp para a compra de reagentes de partida e cadinhos de óxido de alumínio e platina, usados para a fusão das substâncias.
A temperatura de fusão no cadinho depende da composição inicial do material e varia entre mil e 1.600°C. Depois da síntese do vidro, a amostra é submetida a um recozimento que demora quatro horas. Em seguida, resfriada gradualmente até chegar à temperatura ambiente.
A fase final do processo de fabricação é o polimento nas superfícies, passo importante para assegurar a qualidade óptica do material. Para confirmar o estado vítreo da amostra, o material é submetido a técnicas de caracterização: difração de raios X, análise térmica e observação visual.
Patente solicitada
O vidro fotossensível de Gaël já tem pedido de patente encaminhado ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e será estendido, no ano que vem, para os Estados Unidos, Japão, Inglaterra, França, Alemanha, Suécia, Itália, Austrália e China. Depois da obtenção da patente definitiva, o novo material sintetizado será apresentado em congressos científicos. Até o momento, a única apresentação no exterior ocorreu durante workshop sobre materiais avançados, realizado em junho do ano passado, na Universidade de Münster, na Alemanha.
Agora, o desafio da equipe do IQ é aperfeiçoar ainda mais o material e encontrar parceiro comercial. Ele precisará investir na tecnologia, adaptar o vidro para ser capaz de receber e processar informações digitais e, também, dispor de um gravador capaz de escrever e apagar os dados nas três dimensões.
O volume de informações que pode ser gravada por centímetro cúbico do vidro ainda não foi estimado. Porém, a equipe do Laboratório de Materiais Fotônicos prevê que a capacidade de armazenamento seja superior à dos CDs e DVDs atuais. “O limite teórico é de 1,6 terabytes, que corresponde a 1,6 mil gigabytes de dados. Um DVD suporta 4,7 gigabytes”, explica Gaël.
Outra vantagem do vidro fotossensível é ser uma matéria-prima limpa, barata e reciclável. A variedade obtida por Gaël é mais cara que os vidros tradicionais, produzidos à base de silicato (areia). Entretanto, seu custo é inferior ao utilizado atualmente nos CDs regraváveis, produzidos com calcogenetos, elementos tóxicos e com preços mais altos de produção.
Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 02/07/2005. (PDF)