Universidade Estadual de Campinas avança na área de nanomedicina

Testada em laboratório e patenteada, nova tecnologia criada por equipe do Instituto de Química permite liberação controlada de fármacos em áreas específicas do organismo de paciente com câncer

Uma equipe do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) desenvolveu uma nanopartícula capaz de transportar e liberar fármacos com ação lenta e controlada em locais específicos do corpo humano.

Assinado pelo doutorando Leandro Carneiro Fonseca e por seu orientador, o professor doutor Oswaldo Luiz Alves, ambos pesquisadores do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES), o estudo foi aprovado em teste laboratorial e a inovação tem aplicações possíveis nos segmentos farmacêutico, médico e biológico.

O trabalho acadêmico para a obtenção da nanopartícula de sílica carreadora de fármacos teve início em 2012 no IQ-Unicamp, a partir da dissertação de mestrado de Fonseca. Além dele, também participaram do projeto na área de nanomedicina os pós-doutorandos Amauri de Paula, da área de química, e Diego Martinez, de biologia.

A tecnologia originou pedido de patente de seus autores realizado por meio da Agência de Inovação Inova Unicamp no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), em dezembro de 2014, e, inclusive, foi descrita em artigo científico publicado na revista New Journal of Chemistry em julho do ano passado (ver serviço).

Além do apoio do IQ-Unicamp, o projeto da nova nanopartícula recebeu reforço federal com a cessão de bolsas de estudo e compra de materiais. Os financiamentos foram realizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligado ao Ministério da Educação (MEC), e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Materiais Complexos Funcionais (INCT – Inomat), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Diferenciais

De acordo com Fonseca, as vantagens do nanocarreador são a capacidade de ele transportar fármaco encapsulado e permitir a liberação do medicamento, por meio de sua superfície porosa, na área do tumor, no momento mais adequado do tratamento. “A expectativa futura é possibilitar aos médicos ministrarem dosagens menores de remédios e mais adaptadas às necessidades de cada paciente, em especial os de câncer, entre outros usos”, explica.

“Um dos benefícios esperados é diminuir os efeitos colaterais adversos de tratamentos como a quimioterapia: queda de cabelo, vômitos, entre outros”, observa. Outra inovação, aponta Fonseca, é a capacidade de a nanopartícula deslocar-se na corrente sanguínea para a área próxima do carcinoma. “Esse é um dos segredos industriais da pesquisa”, revela.

Outra estratégia incorporada é o fato de a nanopartícula ser ‘peguilada’, isto é, revestida por polímero sintético à base de polietilenoglicol, conhecido pelos centros de pesquisa pela sigla PEG (formado a partir do etilenoglicol). “Essa característica permite ao nanocarreador passar ‘despercebido’ dos glóbulos brancos (células de defesa responsáveis por atacar invasores) que, muitas vezes, são incapazes de diferenciar medicamentos de tecidos tumorais”, explica o doutorando.

Licenciamento

Eventuais empresas interessadas em adquirir o direito de explorar comercialmente a tecnologia (licenciamento) devem entrar em contato com a Agência de Inovação Inova Unicamp (ver serviço). “O comprador também ficará responsável pela realização de testes com animais e seres humanos antes de lançar no mercado medicamentos com essa tecnologia de transporte incorporada”, informa Fonseca.

O Instituto Nacional do Câncer – Inca assinala a ocorrência de 600 mil novos casos de câncer apenas neste ano, no Brasil, de acordo com o último estudo divulgado. Entre os tumores mais comuns no sexo masculino estão os de próstata, traqueia, brônquio, pulmão, cólon e reto. Nas mulheres, os tumores malignos de maior incidência são os de mama, cólon, reto e colo do útero.

Serviço

Agência de Inovação Inova Unicamp
Telefone (19) 3521-2624
E-mail para licenciamento: parcerias@inova.unicamp.br

Artigo científico publicado na New Journal of Chemistry
Capes
INCT – Inomat

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 06/07/2017. (PDF)

Resíduos de curtumes propiciam pesquisas e negócios na Etec Franca

Matérias-primas de alto potencial poluente recebem tratamento e rendem fertilizantes, biodiesel e pele humana artificial para enxertos ósseos e implantes dentários

Com o propósito de inovar com soluções de negócios e sustentáveis para os resíduos da produção coureiro-calçadista de Franca, a Escola Técnica Estadual (Etec) Professor Carmelino Corrêa Júnior mantém, desde 2010, linhas de pesquisa nessa área com seus alunos e docentes.

Segundo a professora Joana Félix, coordenadora de diversos desses trabalhos, a proposta é prover destinação ambiental adequada para as sete principais matérias-primas descartadas pelas fábricas e curtumes da região, e, ainda, originar novos negócios, a partir de tecnologias desenvolvidas e patenteadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

Um dos pontos de partida da integração entre a Etec agrícola com o Arranjo Produtivo Local (APL) de Franca, composto por cerca de 450 empresas, foi o pós-doutoramento de Joana. Formada em Química, com graduação, mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela iniciou em 2002 pós-doutoramento na Universidade de Harvard (Boston, Estados Unidos).

“O desafio proposto por meu orientador foi achar respostas viáveis e de baixo custo para fazer gestão ambiental. Desde então, as pesquisas com a composição e possibilidades de uso dos resíduos não pararam mais”, conta.

Em Franca, os principais descartes são os lodos de cromo, de recurtimento e de cal. Há também a serragem e as aparas do couro wet blue (que sofreu o primeiro processo de transformação no curtume), o pó de lixadeira e os retalhos. Em média, são geradas 218 toneladas diárias desses resíduos na cidade – no Brasil, são 3,5 mil toneladas por dia.

Linha de pesquisa

O trabalho pioneiro foi realizado com fertilizantes em 2012. Teve orientação do professor e agrônomo Cláudio Sandoval, diretor da Etec. Segundo ele, o passo inicial é eliminar, por meio de tratamentos laboratoriais, os contaminantes, por exemplo, cromo e corantes. Depois, cada tipo de resíduo origina um fertilizante diferente. Esse projeto recebeu prêmio em 2015 do Conselho Regional de Química do Estado de São Paulo.

Segundo Sandoval e Joana, além da sustentabilidade, esses fertilizantes têm outros diferenciais, como preço menor e menor tempo de ação no solo. “O quilo deles sai em média por R$ 0,30, enquanto o da ureia, fertilizante convencional bastante utilizado, custa R$ 1,70”, observam.

“Alface cultivada com o insumo tradicional demora cerca de dois meses do plantio até a colheita. Com o fertilizante da Etec, o prazo cai para 45 dias”, informam, destacando o fato de essa tecnologia estar sendo agora transferida a uma empresa da área de fertilizantes.

Integração

Dos 512 alunos matriculados na Etec de Franca, 15 participam ativamente dos projetos com os resíduos e são orientados por Joana, Sandoval e mais cinco professores de diversos cursos. A cada semestre, o grupo ganha novos componentes depois do Vestibulinho das Etecs. De acordo com os docentes, o critério de seleção para ingressar na equipe é ter interesse em dar continuidade à linha de pesquisa.

“Procuramos integrar o corpo acadêmico de todos os cursos nos projetos. Por exemplo, o fertilizante foi testado, a princípio, com mudas de café da estufa do curso de cafeicultura. Como essa planta é perene e ficará muito tempo no viveiro, é interessante a liberação lenta do nitrogênio presente no fertilizante, para evitar o desenvolvimento do vegetal antes do tempo recomendado”, explicam os docentes.

Biocombustível

Os retalhos coloridos de couro são a base da pesquisa com o biodiesel. Nesse processo, a primeira fase é a extração dos corantes de diversas cores, resíduos também com potencial poluente. No mercado, custam cerca de R$ 250 o quilo, e, com tecnologia adequada, podem ser reaproveitados por setores industriais, como o têxtil e o papeleiro. “Extrair o corante custa aproximadamente R$ 2 o quilo. É uma área promissora para novos negócios”, estimam.

No passo seguinte, ocorre a retirada do cromo, outro descarte com potencial poluente apto a ser reaproveitado e, finalmente, ocorre a extração dos óleos de engraxe, a base do biodiesel usado em tratores, ônibus e caminhões. Cada litro do biocombustível, feito com resíduos, sai por R$ 0,20. “Em Franca, são geradas diariamente 110 toneladas de retalhos, volume suficiente para produzir 22 mil litros de biodiesel”, informam.

Peles

Em 2009, um acidente de trabalho com ácido sulfúrico cegou e queimou 95% da pele do corpo de um funcionário de curtume. Sensibilizado com a tragédia, um colega dele questionou Joana sobre a possibilidade de reaproveitar a pele de animais em transplantes humanos. O Brasil possui apenas quatro bancos de pele para atender hospitais do País inteiro – e, em todos, a escassez de matéria-prima é recorrente.

Intrigada com a questão, Joana descobriu na pele suína 78% de biocompatibilidade com a humana, isto é, com métodos adequados seria possível eliminar os 22% restantes de rejeição ao biomaterial. “O diâmetro dos poros da pele suína é maior do que o dos humanos. Assim, fiz o fechamento do volume desses poros com colágeno, matéria-prima abundante nos resíduos e muito valorizada nas indústrias farmacêutica e cosmética”, explica Joana.

Em 2015, a pele humana artificial foi testada com sucesso na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto. Hoje, 1,5 metro dela custa, em média, R$ 85, enquanto a mesma medida da pele produzida em laboratório pode sair até por R$ 5 mil. Atualmente, uma multinacional farmacêutica negocia com a Etec o direito de produzi-la comercialmente.

Ossos e dentes

Neste ano, a pedido de médicos e dentistas, surgiu a proposta de aproveitar o colágeno usado na pele artificial para fazer reconstituição óssea, necessidade comum em implantes dentários e em pacientes com perda de tecidos. Na pesquisa desenvolvida na Etec Franca, depois de tratado, o resíduo teve seu potencial terapêutico multiplicado com a adição de hidroxiapatita (substância presente na escama do piau, peixe da fauna brasileira).

“Cada 100 gramas de hidroxiapatita sintética importada custa US$ 350. Nos pesque-pague, é possível obter grátis as escamas, considerando o fato de essa matéria-prima representar um custo para os proprietários dos estabelecimentos, por exigir descarte ambiental adequado”, informa Joana. Segundo ela, o método desenvolvido possibilita a extração da matéria-prima natural a partir de outros peixes criados para o consumo humano, como a tilápia e o pirarucu, por exemplo.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 30/05/2017. (PDF)

Tecnologia identifica até 97% de conteúdo indesejado em sites e vídeos

Desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Computação da Unicamp, aplicativo rastreia e bloqueia exibição de pornografia em celulares, tablets e televisores; inovação foi patenteada em copropriedade entre a universidade e a sul-coreana Samsung

Em busca de uma solução capaz de impedir o acesso indevido a conteúdos adultos em seus aparelhos eletrônicos, a multinacional sul-coreana Samsung, por meio de sua filial brasileira, a Samsung Research Institute Brazil, procurou, no ano de 2013, os pesquisadores do Laboratório de Pesquisa Reasoning for Complex Data (Recod), do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC-Unicamp), com o objetivo de desenvolver um meio de impedir que crianças visualizem sites pornográficos em seus celulares, tablets e televisores.

Em novembro do mesmo ano, foi firmada a parceria entre a universidade e a empresa, a qual financiou o projeto, por meio da concessão de bolsas de estudo e a cessão de equipamentos. O trabalho teve também o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O mês de janeiro de 2016 foi estabelecido em contrato como o prazo de encerramento do trabalho; no entanto, um ano antes, a equipe do IC-Unicamp, coordenada pelo professor Anderson Rocha, apresentou à Samsung diversas possibilidades de uso do software desenvolvido, batizado de Análise de Mídias Sensíveis.

Aprendizado

Também cientista da computação e integrante da equipe do professor Anderson, a pesquisadora Sandra Avila sublinha o fato de a solução desenvolvida no IC-Unicamp ser capaz de identificar mais de 97% do conteúdo pornográfico, porcentual de detecção superior às ferramentas disponíveis no mercado.

O trabalho teve ainda a participação dos cientistas Daniel Moraes, Daniel Moreira, Mauricio Perez e Siome Goldenstein, do IC-Unicamp, Eduardo Valle, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC-Unicamp); e Miguel Lizarraga e Vanessa Testoni, da Samsung Research Institute Brazil.

“Usamos abordagens recentes de inteligência artificial, como o chamado deep learning. Essa técnica de aprendizado de máquina permite localizar com precisão padrões distintos em meio a um volume imenso de dados. Assim, ao analisar em tempo real um conjunto de imagens estáticas e em movimento, o sistema aprende a compreender o que é um conteúdo sensível, isto é, algo legítimo para o acesso de um adulto, porém, impróprio para uma criança”, explica Sandra.

Patente

A tecnologia desenvolvida no IC-Unicamp é tema de artigo publicado na revista científica Neurocomputing (Volume 230, 22-3-2017, páginas 279–293), com o título “Video pornography detection through deep learning techniques and motion information” (ver serviço). O trabalho rendeu dois pedidos de depósito de patente no ano passado.

O primeiro deles, de âmbito nacional, teve seu encaminhamento feito ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) em abril; o segundo, de abrangência internacional, foi protocolado em junho, no órgão do governo dos Estados Unidos responsável por patentes e marcas comerciais, o United States Patent and Trademark Office (USPTO).

“Por se tratar de informação confidencial, a Samsung não divulga como atualmente emprega a tecnologia desenvolvida”, diz Sandra. Ela destaca o fato de a linha de pesquisa prosseguir atualmente no IC-Unicamp com outros estudos de pós-graduação. Segundo ela, diversos estudantes estão trabalhando no aprimoramento da inovação para detectar outros conteúdos sensíveis em sequências de imagens com pessoas, como, por exemplo, revelar adultos e crianças em situações de pedofilia ou ainda identificar atitudes suspeitas ou violentas de pessoas em multidões.

Metodologia

No início, os programas de computador usados para detectar pornografia buscavam primeiro tentar achar cenas de nudez para depois definir um limite de exposição física aceitável e, finalmente, classificar esse conteúdo como pornográfico ou não. Eram usadas como parâmetros algumas características da pele humana, como a cor e a textura, além de dados da geometria dos corpos. No entanto, os resultados obtidos mostravam-se insatisfatórios, filtravam menos do que o necessário ou bloqueavam indevidamente conteúdos sem sexo explícito, como lutas de vale-tudo e pessoas nadando.

Para diminuir a ambiguidade, a saída encontrada foi incorporar outro elemento de classificação: informações de movimento extraídas ao longo do tempo. Assim, quando o usuário clica em algum e-mail contendo link para um vídeo ou, ainda, caso acesse Tecnologia identifica até 97% de conteúdo indesejado em sites e vídeos algum site com janela para um vídeo, antes de sua execução o programa faz a análise por meio da extração prévia de um quadro por segundo. São, então, verificados os quadros com as imagens aplicando-se neles o método de classificação de descrições do que é tolerado e do que é pornográfico.

Abrangência

Paralelamente, o conjunto de quadros analisados fornece os elementos para sequenciar os movimentos dos objetos e pessoas presentes na cena. Dependendo do tipo de movimento, o vídeo é bloqueado. Segundo os pesquisadores, o método foi testado com sucesso por cerca de 140 horas com mil vídeos pornográficos e em outros mil não pornográficos cuja duração variava de 6 segundos a 33 minutos.

As sequências com cenas de sexo explícito tinham a participação de atores de etnias diversas e também foram considerados desenhos animados. Entre os vídeos não pornográficos havia cenas de banhistas na praia e em clubes ou combates de lutas. Foi utilizando essa metodologia que a equipe do IC-Unicamp conseguiu elevar o nível de filtragem de pornografia e chegar aos 97%.

Serviço

O artigo publicado na revista científica Neurocomputing está disponível em goo.gl/2Vpq4S

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 14/04/2017. (PDF)