Coração artificial aumenta sobrevida de pacientes à espera de transplante

Equipe de pesquisadores do Instituto Dante Pazzanese pretende iniciar testes em humanos até o final de 2005; uma das inovações do dispositivo é usar apenas uma bomba para irrigar os dois ventrículos

A equipe de profissionais do Instituto de Cardiologia Dante Pazzanese, coordenada pelo engenheiro biomédico Aron Andrade, comemora o sucesso de projeto iniciado em 1999: um coração artificial auxiliar. O dispositivo criado pelo grupo é inovador e, quando ficar pronto, vai aumentar a sobrevida de pacientes que aguardam transplante cardíaco. A expectativa é iniciar os testes com seres humanos até o final de 2005 e, depois, lançar o equipamento no mercado. O hospital é ligado à Secretaria Estadual da Saúde.

Aron informa que o Brasil é um dos quatros países que já produzem oxigenadores e equipamentos biomédicos de última geração, exportados para a América Latina e a Europa. Ele explica que mil pacientes no mundo já utilizam bombas de um só ventrículo, e que o protótipo desenvolvido no Instituto Dante Pazzanese vai operar com duas câmaras de bombeamento, sem substituir o órgão original. Testes bem-sucedidos, realizados com carneiros em 2001, possibilitaram o início da experiência com bezerros em 2002. O aparelho funcionou bem, porém o implante de duas câmaras duplicava as dificuldades com o design das peças do aparelho.

“Para facilitar o estudo, optamos por finalizar a experiência com um só ventrículo. Além disso, há um grande número de pacientes que apresentam problemas somente no ventrículo esquerdo. Depois de terminados os testes com um só ventrículo, será mais simples realizar o implante do coração auxiliar com os dois ventrículos”, explica Aron.

Uma das inovações do dispositivo é utilizar uma bomba única para irrigar as duas cavidades cardíacas. Além disso, a máquina aproveita a capacidade natural de bombeamento do paciente, mesmo que seja fraca e insuficiente. Um duto recebe o sangue, que, ao passar pelo dispositivo, é devolvido para o corpo com a pressão ideal. A medida evita a falência futura do órgão, causada pelo trabalho excessivo, e o coração passa a trabalhar menos, ampliando assim as possibilidades de recuperação do tecido muscular doente.

Como o coração auxiliar fica alojado dentro do tórax, na região do peritônio, outra vantagem é reduzir o procedimento invasivo provocado pela operação. A cirurgia de implantação do dispositivo artificial é menos agressiva do que o procedimento de transplante do órgão, que apresenta ainda o problema adicional da rejeição. Quando o dispositivo estiver pronto para o uso em seres humanos, a expectativa é atender, de imediato, 200 pacientes que estejam aguardando transplante cardíaco. “Mas o total de usuários beneficiados com a novidade supera duas mil pessoas no Brasil”, informa Aron.

Equipe diversificada

A equipe do pesquisador é multidisciplinar, formada por médicos, enfermeiros, torneiros, engenheiros eletrônicos, mecânicos e técnicos de diversas especialidades. No Dante Pazzanese trabalham dois cirurgiões, dois residentes, um veterinário, um anestesista, um médico que estuda a coagulação do sangue no aparelho e atendentes de enfermagem que cuidam dos animais. “A idéia é utilizar a mesma equipe envolvida na pesquisa com animais no trabalho com pessoas, porque já tiveram o treinamento e o aprendizado necessários”, explica Aron.

Além desses profissionais, o projeto contou com a colaboração de professores e alunos da Unicamp e da Universidade São Judas; de estagiários da Fatec; de um mestrando da USP de São Carlos, que ajudou a desenvolver as baterias do coração auxiliar; e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde foi projetado o sistema de controle do coração artificial.

Carneiros e bezerros

O médico explica que os primeiros testes de pressão arterial foram realizados com carneiros, por ser difícil simular a experiência em laboratório. Na avaliação, o aparelho ficava fora do corpo do animal. O objetivo era analisar somente como o equipamento respondia ao ser sincronizado com o órgão natural. “O ovino tem corpo pequeno e o implante é difícil, porque se trata de animal de comportamento arredio. E a caixa torácica de um carneiro de 50 quilos, embora seja grande, equivale ao corpo de uma pessoa de 70 quilos”.

Concluída essa etapa, chegou-se à fase atual de desenvolvimento do projeto, que é a realização de testes com bezerros de 90 quilos em média, para simular um paciente humano com peso semelhante. “O filhote de bovino é o animal mais acessível. Para efeito de comparação, são utilizadas fêmeas saudáveis e da mesma raça. Na verdade, um teste mais próximo seria com porcos, e o ideal com chimpanzés, que têm anatomia parecida com a do ser humano, mas é impossível colocar equipamentos em macacos e mantê-los imóveis”, comenta Aron.

Preparo criterioso

As peças do coração artificial são produzidas com materiais leves. O corpo do equipamento é de alumínio e as placas internas e os rolamentos, que se movimentam ininterruptamente, são de aço inoxidável. A parte do diafragma que entra em contato com o sangue é feita de poliuretano – material biocompatível que não rasga nem endurece e é antitrombogênico – para impedir a coagulação e a aderência do sangue às paredes da peça.

O conjunto do coração artificial é totalmente revestido com malha de poliéster. A ideia é que o tecido vivo cresça sob o poliéster e garanta, assim, a fixação do dispositivo dentro do corpo. Outra vantagem do dispositivo é não se movimentar dentro do corpo, e impedir o acúmulo de líquido em espaços vazios, fator que poderia provocar infecções.

O pesquisador informa que sua equipe leva, em média, um mês para realizar uma cirurgia de implante. É preciso tempo para preparar o ambiente, o animal e também reunir todos os profissionais envolvidos na operação. “O procedimento cirúrgico é simples. As maiores dificuldades são conseguir conciliar as agendas de todos os integrantes da equipe e colocar em prática as sugestões passadas”.

Para facilitar o estudo, o coração auxiliar está sendo alimentado por baterias e controladores externos. O equipamento definitivo porém, ficará totalmente alojado dentro do corpo. “Hoje o paciente utiliza uma bateria presa no cinto, que se interliga ao dispositivo por meio de fios. O único risco é de infeccionar a região aberta”, explica.

Custo-benefício

Equipamento similar ao que está sendo desenvolvido tem custo de R$ 300 mil para o paciente. Já o aparelho em desenvolvimento no Dante Pazzanese terá, segundo Aron, o custo aproximado de R$ 40 mil. Com a implantação, esse custo atingirá R$ 120 mil, computadas também as despesas com os procedimentos cirúrgicos.

O pesquisador afirma ser possível ainda reaproveitar peças internas utilizadas em outros equipamentos. “O parafuso que avança e recua para os dois lados, por exemplo, custa U$ 1,5 mil. O motor que gira é de alta potência e eficiência e vale U$ 2 mil”. Além disso, ele diz que as peças são projetadas para funcionar sem problemas durante cinco anos e que a vida útil do parafuso é de vinte anos. “Pode-se reaproveitar componentes e, para baratear mais, é preciso estimular o surgimento de fornecedores de peças capazes de produzi-las em escala industrial, diminuindo assim o custo por peça”.

E conclui, afirmando que uma medida importante seria a de tornar o tratamento gratuito para a população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que paga hoje R$ 40 mil por um marca-passo e gasta a mesma quantia para adquirir um desfibrilador importado. “Mesmo que, no Brasil, o paciente pagasse um terço desse valor, não seria capaz de arcar com o custo total”, esclarece.

Equipe afinada

O dr. Aron Andrade é formado em Engenharia Mecânica. No terceiro ano da graduação, foi contratado como estagiário do Dante Pazzanese e nunca mais deixou o Instituto. Prestou concurso como engenheiro e, na defesa de tese de mestrado, criou uma máquina que simulava um coração e testava o funcionamento das válvulas cardíacas.

Em 1992, o biomédico desenvolveu uma bomba de sangue com fluxo contínuo, para ser utilizada durante cirurgias. Na época, seu pai foi vítima de um infarto fatal, mas a trágica ocorrência fez com que se tornasse ainda maior a sua motivação para prosseguir nas pesquisas. “Se um dia o dispositivo que inventei puder salvar a vida de pelo menos um paciente, não terá sido em vão todo meu esforço”, lembra emocionado.

Em 1995, aperfeiçoou seu experimento depois de uma estadia de dois anos nos Estados Unidos. Na volta, reassumiu no Dante Pazzanese as pesquisas e estudos com protótipos. No dia 14 de dezembro, Aron foi laureado com o título “Personalidade da Tecnologia 2004”, honra concedida pelo Sindicato dos Engenheiros do Estado.

José Carlos dos Santos é mecânico do centro técnico de experimentos do Dante Pazzanese. Ele auxiliou a produzir a carcaça do coração auxiliar, utilizando materiais de grande resistência como a resina acrílica, substância sintética capaz de suportar o peso do motor e os mecanismos do coração artificial.

Operador de torno no hospital há 13 anos, Pérsio Aníbal conta que o maior desafio é reproduzir no torno, com exatidão, os moldes dos componentes. “Muitas peças solicitadas estão fora da especificação da máquina que opero, já defasada no mercado. Mas o resultado final dos protótipos tem sido muito satisfatório”.

Para o Brasil e exterior

O engenheiro Eddie Luiz Alonso é um dos líderes da Divisão de Bioengenharia do Dante Pazzanese. Ele conta que as exportações de itens eletromédicos e instrumentais tiveram início em 1999, em decorrência das encomendas feitas por cirurgiões de outros países que faziam estágio no instituto. “Eles ficavam muito satisfeitos com a praticidade, o custo e a eficiência de nossos produtos”, lembra Alonso.

Segundo ele, a Divisão exporta bombas infusoras, monitores cardíacos, oxímetros, monitores para coagulação ativa e uma grande variedade de instrumentos para cirurgias cardíacas. “Para usar nossos produtos, o cliente precisa passar pelo treinamento específico que oferecemos. Além disso, damos assistência pós-venda para todos os clientes”.

Atualmente a equipe fabrica sete tipos de produtos eletromédicos e 40 tipos de instrumentais para cirurgia, entre eles um desfibrilador cardíaco, dispositivo usado para reanimar vítimas de infarto.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 25/12/2004. (PDF)

Saúde conclui reforma e ampliação do Hospital Psiquiátrico da Água Funda

Reestruturação contempla a enfermaria central, o setor de marcação de consultas e a central de esterilização; centro médico ocupa uma área de 33 mil metros quadrados, próxima ao Zoológico

A Secretaria Estadual da Saúde (SES) concluiu, ontem, as obras de reforma e ampliação do Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental (Caism) Dr. David Capistrano da Costa Filho, conhecido como Hospital Psiquiátrico da Água Funda, localizado na zona sul da capital. A partir de agora, o complexo psiquiátrico oferecerá os serviços do Núcleo de Atenção Continuada, que consiste na internação integral e acompanhamento permanente, depois da alta, para psicóticos agudos.

A psiquiatra e diretora do Centro, Maria Áurea Gallo, informa que a nova proposta terapêutica é parte do projeto do governo estadual em 2003 e torna o tratamento mais eficiente. Diminui o tempo de internação e acelera o processo de recuperação depois de crises agudas. O paciente dorme na própria casa e vai todos os dias para o hospital, sozinho ou acompanhado por familiares, de acordo com sua capacidade e a evolução do seu quadro.

“A idéia é que, progressivamente, ele retorne menos vezes. No início, são três visitas por semana, depois duas e assim por diante”, explica. “Durante a terapia, os profissionais do Hospital da Água Funda mantêm contato permanente com psiquiatras de centros de saúde públicos próximos da residência do paciente. O objetivo é transferi-lo com a garantia de que ele não abandonará o tratamento”, explica Áurea.

“Dessa forma, evita-se a desistência do tratamento e se fortalece o vínculo familiar, que é de fundamental importância para a ressocialização. Com a auto-estima reforçada, ele se sente seguro para avançar no tratamento e fazer atividades triviais, como tomar um ônibus sozinho, trocar de roupa sem a ajuda de alguém, ou mesmo fazer a sua higiene. E continua recebendo, em local próximo da sua residência, a medicação e o atendimento psiquiátricos”.

A reforma do hospital contemplou a enfermaria central, o setor de marcação de consultas e a central de esterilização. Redes hidráulica e elétrica, pisos e telhado foram substituídos. Hoje, a unidade estadual recebe mil internações por ano e dispõe de 225 profissionais da Saúde. Do quadro funcional participam terapeuta ocupacional, enfermeiro, psiquiatra, dentista, farmacêutico, psicólogo, assistente social e nutricionista, entre outros. O Centro atende a pacientes em quatro grandes programas: Atenção a dependentes químicos, Atenção ao psicótico, Hospital-Dia e Lares Abrigados. O complexo fica numa área verde de 33 mil metros quadrados, na Avenida Miguel Stéfano, 3.030 – Água Funda, próximo ao Zoológico.

Em 49 anos, complexo fez 70 mil atendimentos

O complexo hospitalar foi criado em 1955 e atendeu 70 mil pacientes. Recebe somente pessoas do sexo masculino maiores de 18 anos. A faixa etária média é de 40 anos e a patologia mais comum é a esquizofrenia, seguida de dependência química mista – álcool em combinação com outras drogas. Com a reforma, o Caism passará a oferecer 145 vagas. São 80 leitos para pacientes agudos; 35 vagas nos chamados lares abrigados (para doentes crônicos que perderam a referência familiar e social) e outras 30 no serviço conhecido como Hospital-Dia, que é uma semi-internação, de segunda a sexta-feira – o usuário chega por volta das 8 horas e permanece até as 17 horas.

Nessa modalidade, ele passa por consulta médica individual, participa de grupos terapêuticos duas vezes por semana e de atividades de ressocialização. São oferecidas orientação para a família e práticas internas e externas que estimulam o convívio coletivo, como oficinas artístico-culturais e visitas a museus, cinemas e parques. Existem dez oficinas terapêuticas, que incluem reciclagem de papel, corte e costura, culinária, restauro de móveis, confecção de bijuterias, lavagem de carros, entre outras. São ministradas por psicólogos, terapeutas ocupacionais e profissionais de diversas especialidades.

Universidades parceiras

O Centro de Atenção mantém parceria com instituições de ensino universitário como as universidades São Marcos e Santo Amaro, Faculdade de Medicina do ABC, entre outras. Elas enviam turmas de professores que coordenam aulas práticas para grupos de dez alunos. A enfermeira Josiane Cristiane Pedroso da Silva trabalha no hospital. “Meu maior desafio é propiciar ao paciente seu retorno sadio à sociedade. Outro dia encontrei no supermercado um antigo interno e foi gratificante saber que está trabalhando”, lembra a profissional. Para Josiane, o Caism tem infra-estrutura adequada para o atendimento, que inclui a distribuição de medicamentos de alto custo. “A maior necessidade é a ampliação do número de funcionários. Com mais gente, seria possível atender a outras patologias”, comenta.

A médica Flávia Fongaro é coordenadora do núcleo de oficinas terapêuticas. “Quando o paciente assimila bem a terapia, adora participar das ações desenvolvidas. Por meio da atividade lúdica, ensinamos valores básicos do convívio comum, como respeitar aos colegas, pedir licença para se expressar, tomar emprestado ferramentas do trabalho proposto e devolvê-las depois”, explica Flávia. A terapeuta ocupacional Luciana Marques, responsável pela oficina de mosaicos, diz que as peças são inspiradas em revistas especializadas. “Muitas vezes, os próprios doentes desenham os moldes, que podem se transformar em porta-retratos, quadros e itens de decoração.”

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 14/12/2004. (PDF)

Saúde forma primeira turma do Programa Jovens Acolhedores

A Secretaria da Saúde promoveu, terça-feira, a formatura dos primeiros 310 universitários do Programa Jovens Acolhedores, no Centro de Convenções Rebouças, na capital. Os estudantes receberam treinamento e, durante um ano, prestarão serviço em 29 hospitais estaduais da Grande São Paulo, onde serão responsáveis por recepcionar os pacientes, apoiá-los e indicar locais de atendimento.

O Programa Jovens Acolhedores é resultado da parceria entre a secretaria e 17 instituições de ensino superior. A Saúde pagará bolsa de estudos de R$ 350 para os acadêmicos durante o período do contrato e as instituições de ensino repassarão o restante da mensalidade. Outra turma entre 120 e 150 estudantes será formada após a primeira experiência. Os alunos trabalharão cinco horas por dia, cinco dias por semana.

Durante o tempo do contrato, os participantes do programa receberão treinamentos direcionados à área da saúde e da cidadania. Também serão supervisionados por equipes multidisciplinares da secretaria. “O paciente precisa de cuidados médicos e de atenção. Sua aflição diminui quando é informado sobre o seu estado clínico e a que horas será atendido, por exemplo”, afirma Luiz Roberto Barradas, secretário da pasta.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 03/09/2004. (PDF)