Centro Paula Souza premia a inovação e cultura empreendedora

Projetos científicos vencedores de concursos de Etecs e Fatecs reúnem condições para se transformar em negócios sustentáveis; foram avaliados 1,5 mil trabalhos

O Núcleo de Inovação Tecnológica do Centro Paula Souza divulgou os três projetos vencedores da segunda edição do concurso Desafio de Ideias e Negócios. O evento foi realizado no prédio de Administração Central do Centro Paula Souza, na capital, e celebrou o encerramento de uma disputa com quatro etapas classificatórias iniciadas em agosto de 2014.

Conhecido como Desafio, o concurso avaliou 1,5 mil projetos de alunos de 218 Escolas Técnicas (Etecs) e de 64 Faculdades de Tecnologia (Fatecs) paulistas. O projeto campeão Pele Humana para Transplantes e Testes Farmacológicos, da Etec Professor Carmelino Corrêa Júnior, de Franca, recebeu prêmio de R$ 8 mil. Em segundo lugar ficou Cadeira de Rodas Controlada por Voz, da Etec Lauro Gomes, de São Bernardo do Campo, que levou R$ 4 mil. A premiação de R$ 2 mil foi para o Virtual Band, da Fatec Baixada Santista, de Santos.

Aceitação

De acordo com o regulamento, os critérios considerados na avaliação dos trabalhos foram inovação, competitividade e viabilidade para transformar um projeto científico em um negócio sustentável. Cada projeto concorreu em um dos dez eixos tecnológicos da disputa: Produção Industrial; Produção Alimentícia; Controle e Processos Industriais; Gestão e Negócios; Turismo, Hospitalidade e Lazer; Infraestrutura; Recursos Naturais; Ambiente, Saúde e Segurança; Informação e Comunicação; Produção Cultural e Design.

O diretor da Agência Inova Paula Souza, Oswaldo Massambani, explica que o concurso anual é uma oportunidade para fortalecer a cultura empreendedora, desenvolver novos produtos e serviços e, ainda, beneficiar um ambiente favorável para investidores e incubadoras tecnológicas. “Os projetos são ideias bem estudadas do ponto de vista empresarial e todos têm boas chances de aceitação no mercado”, explicou.

Inovação

Moradora de Claraval, cidade mineira distante 17 quilômetros de Franca, Ângela de Oliveira, de 18 anos, segue estudando à noite para obter seu terceiro diploma técnico. Aluna de cafeicultura da Etec Professor Carmelino Corrêa Júnior formou-se pela instituição em dois cursos: curtimento e meio ambiente.

Da família de oito irmãos, Ângela se destaca nos estudos. Sua primeira aprovação no Vestibulinho foi no fim de 2012. Na Etec Agrícola de Franca, pode fazer aquilo de que mais gosta na vida: estudar e, de preferência, química, área para a qual vai prestar vestibular no fim do ano. Hoje, ela divide seu tempo entre o trabalho em uma empresa calçadista de Franca, as aulas noturnas na Etec e o curso de inglês aos sábados.

Pele artificial

Na Etec, a professora Joana D’Arc Felix de Souza foi responsável por sua iniciação científica. Apontou e segue indicando caminhos para Ângela avançar na área de pesquisa que escolheu para trilhar em sua carreira acadêmica: descobrir um jeito para atenuar o sofrimento de vítimas de queimaduras e de aumentar a autoestima dessas pessoas.

A opção pelo tema se deu a partir de duas situações vivenciadas pela estudante: na primeira, presenciou um acidente de trânsito e viu uma vítima com o corpo em chamas; na segunda, um trabalhador de um curtume de Franca teve 95% do corpo queimado com ácido sulfúrico. Na época, não havia pele suficiente para fazer enxerto e salvá-lo – o caso comoveu não apenas Ângela, mas todos na região do principal polo calçadista do Estado.

O Brasil possui apenas quatro bancos de pele para atender hospitais do País inteiro, localizados em São Paulo, Recife, Porto Alegre e Curitiba. Em todos, a escassez de matéria-prima é recorrente.

No processo tradicional de obtenção, o tecido humano é extraído de cadáveres e passa por tratamentos específicos para, depois, ser usado como ‘curativo biológico’ em pacientes com queimaduras. Entretanto, a pele transplantada tem ação limitada. Depois de um tempo, o enxerto tende a ser rejeitado pelo organismo do receptor, prejudicando a recuperação de pacientes com grande parte do corpo queimado.

A ideia de Ângela foi desenvolver um tipo de pele artificial reaproveitando o colágeno presente na pele suína, que é 78% similar à humana. A matéria-prima são retalhos do couro suíno wet blue, exigindo como desafio inicial a extração do colágeno presente em sua composição e, depois, com muita pesquisa e dedicação, a proposta de torná-lo um biomaterial 100% biocompatível com a pele humana.

A pele artificial desenvolvida em Franca tende a ser alternativa futura à pele sintética usada atualmente em muitas cirurgias e transplantes. Um metro e meio de pele tem custo médio de R$ 85, enquanto a mesma medida de pele produzida em laboratório e comprada pelos hospitais pode chegar a custar R$ 5 mil. O material ainda não foi testado em humanos, mas rendeu o primeiro lugar no Desafio de Ideias e Negócios do Centro Paula Souza e tem encaminhado pedidos de patentes nacional e internacional, de validade em 32 países.

Recebeu, também, três láureas adicionais: o Prêmio 2014 do Conselho Regional de Química; o Prêmio Jovem Inventor, concedido pelo programa de televisão Caldeirão do Huck; e o Prêmio de Ideias Empreendedoras, outorgado pelo Colégio Técnico da Unicamp, o Cotuca.

Tons de pele

“O trabalho não se restringe à área médica. Tem grande valor também para o meio ambiente”, explica a professora Joana. Além do colágeno, o couro wet blue contém cromo em sua composição. De acordo com a lei ambiental vigente, esse resíduo tóxico do processo produtivo dos curtumes exige tratamento antes do descarte industrial.

Ângela e Joana, a dupla afinada da Etec de Franca, explicam que o próximo passo da pesquisa com o couro de porco é sintetizar a melanina, pigmento que define a cor da pele, do cabelo e dos olhos das pessoas. Atualmente, a pele extraída de cadáveres e direcionada aos bancos de tecidos é de pessoas brancas. A proposta é estudar opções para outros tons de pele, como a dos negros e asiáticos.

Um protótipo de cadeira de rodas elétrica, controlada de modo instantâneo por comandos básicos de voz, rendeu ao grupo liderado por Daniel Braite Labriola, 23 anos, aluno de mecatrônica da Etec Lauro Gomes, de São Bernardo do Campo, o segundo lugar no concurso. Com viabilidade comprovada, a invenção foi indicada pela escola técnica para o evento e tem pedido de patente encaminhado.

Funcionando com cinco comandos (frente, pare, ré, esquerda e direita), o dispositivo usa dois motores de vidro elétrico automotivo como forma de propulsão. Esse foi o tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado em junho de 2014 pelo grupo de Daniel e poderá se transformar em meio de locomoção para idoso ou pessoa com deficiência física (cadeirante).

Comando de voz

O sistema de controle da cadeira de rodas foi adaptado de um projeto anterior de automação residencial desenvolvido por Daniel, cuja formação inclui também diploma técnico em informática. Com conceitos de inteligência artificial e um sistema embarcado de controle, o dispositivo de acessibilidade recebe as instruções através de um módulo controlado por voz. Para decodificar os comandos e executar os movimentos, o sistema compara as ordens com informações gravadas na memória do aparelho.

Filho de metalúrgico com perfil também inventor, Daniel é autodidata e, na oficina do pai, desenvolve projetos completos de software (programação) e hardware (placas e circuitos). Quando tem dificuldade em alguma etapa, busca respostas em vídeos veiculados na internet. Assim que finalizou o protótipo da cadeira de rodas, publicou vídeo no YouTube demonstrando seu funcionamento e operação (disponível no link http://goo.gl/SU0fFE).

Atualmente, Daniel segue em busca de oportunidade de trabalho em mecatrônica e tecnologia de informação. Ao mesmo tempo, faz engenharia na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). No curso, as aulas on-line de formação a distância são ministradas durante a semana e os encontros presenciais ocorrem aos sábados.

Virtual Band

Três meses de trabalho foram suficientes para o grupo de cinco calouros do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Fatec Baixada Santista Rubens Lara, de Santos, criar um programa, no segundo semestre de 2014, para facilitar o aprendizado musical. O software foi concebido para funcionar conectado à internet, com voz e instrumentos musicais (simulações foram feitas com bateria, guitarra, piano e violino, entre outros) e óculos de realidade aumentada.

Ainda não comercializado no Brasil, os óculos de realidade aumentada são um dispositivo de informática “vestível”. Permite ao usuário executar projetos em 3D, acessar sites e redes sociais e trocar e-mails, entre outras possibilidades. Tem como exemplos o Google Glass, do Google, e o HoloLens, da Microsoft, cujo comercial (em inglês) pode ser assistido no YouTube, no link http://goo.gl/T972Vg.

Ferramenta lúdica

A paixão pela música e por videogames foi o ponto de partida do projeto dos universitários de Santos, que também se inspiraram nas mais recentes e revolucionárias tecnologias para criar o Virtual Band. O projeto garantiu ao grupo a terceira colocação no Desafio de Ideias e Negócios do Centro Paula Souza.

Apresentado no plano teórico, o Virtual Band é uma plataforma de aprendizado inspirada em jogos eletrônicos, cujos controles são instrumentos musicais de brinquedo, de jogos como Rock Band, Guitar Hero e Rocksmith. Nesses títulos, de acordo com o ritmo de cada canção, é exigida destreza do jogador para apertar a sequência correta de itens que representam as notas musicais que surgem na tela vindas de diversas direções.

No Virtual Band, a brincadeira dos consoles se transforma em ferramenta educacional lúdica e dinâmica, explica a violinista, arquiteta e programadora Carla Mendanha, 25 anos. Mesmo sem ter disponíveis os óculos para os testes, a viabilidade do programa foi confirmada com similares existentes no mercado e, também, teve como base os óculos de realidade aumentada.

Em vez de só apertar botões, como ocorre nos videogames, o Virtual Band in dica com uma luz piscante qual nota deve ser executada nas “casas” do “braço” da guitarra ou nas teclas do piano cuja visualização é feita com os óculos de realidade aumentada. “Nosso próximo passo será desenvolver o aplicativo para os óculos de realidade aumentada. A patente da invenção deve ser depositada até o fim do mês e a meta é repassar a tecnologia para uma empresa de informática, podendo ser o próprio Google ou a Microsoft”, explica Carla.

O grupo da turma matutina da Etec de Santos foi orientado pelo professor João Carlos Gomes e tem como líder o pianista Matheus Fernandes, 18 anos. É integrado ainda pelos estudantes Munike Silva, 27 anos; Rodolpho Costa, 18 anos; e Hamilton Silva, 23 anos.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente nas páginas I e IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 08/04/2015. (PDF)

Mobilidade para todos

Desde 2010, os trabalhos de conclusão do curso de Projetos Mecânicos da Etec Itatiba são dirigidos para pessoas com deficiência e idosos

Os estudantes da Escola Técnica Estadual (Etec) Rosa Perrone Scavone, de Itatiba, venceram pelo terceiro ano consecutivo o prêmio Construindo a Nação, na categoria Dispositivos Técnicos para Mobilidade Humana. Na sua 12ª edição, o concurso de abrangência nacional, disputado por 7 mil alunos, é promovido desde o ano 2000 pelo Instituto da Cidadania Brasil, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

A premiação foi direcionada para três protótipos desenvolvidos na Etec Itatiba, a única da cidade. Trabalharam neles os 27 formandos do curso de Projetos Mecânicos, com orientação do professor Geraldo de Moraes. De modo geral, o objetivo do trio é facilitar a locomoção de cadeirantes, idosos e pessoas com dificuldade de movimentos. A lista inclui a cadeira de rodas (Unitran), a muleta articulada (Art Crucht) e o andador (Evolution).

Design e tecnologia

São criações artesanais de baixo custo, cujo orçamento não excede R$ 500 – as despesas são bancadas pelos próprios alunos. Os projetos inovam em design, tecnologia, materiais usados e na aplicação dos conceitos científicos aplicados.

Na fabricação e montagem, são usados materiais fáceis de serem encontrados. A lista é extensa e não há limite para a criatividade. Inclui pneus, manoplas e manetes de bicicletas, canos de alumínio e tecidos de náilon usados em cadeiras de praia e, ainda, sucata descartada em ferro-velho, entre outros materiais.

Os protótipos são desenvolvidos durante os dois últimos semestres do curso técnico em Projetos Mecânicos. Na Etec Itatiba, a formação oferece 40 vagas no curso noturno, tem duração de um ano e meio, e a seleção é feita por meio de vestibular semestral.

Patente requerida

Anderson Sanfins, diretor da Etec, observa que nenhum dos três dispositivos premiados chegou a ser 100% finalizado por serem protótipos. Entretanto, os três foram testados e aprovados por usuários e serão doados para asilo e para a Apae da cidade. E tiveram pedido de propriedade intelectual encaminhado para a agência de inovação do Centro Paula Souza, o Inova Paula Souza.

“Se houver interesse de alguma empresa em aproveitar a tecnologia desenvolvida, basta entrar em contato com o Inova Paula Souza (ver serviço). Sabemos que é possível aprimorar a tecnologia criada e diminuir custos de produção, a partir da produção em escala industrial”, destacou Anderson.

Apelo social

Desde 2010, o professor Geraldo de Moraes orientou todos os 15 Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) com propostas voltadas à auxiliar a vida de pessoas com deficiência e de idosos. Desses, seis foram premiados. Engenheiro e pedagogo, Geraldo também ministra as disciplinas de Desenho Técnico, Metrologia e Tecnologia Mecânica.

Relembra que a relação da Etec com as pessoas com deficiência começou em 2010. Naquele ano, uma caloura do município mineiro de Extrema, distante 80 quilômetros de Itatiba, relatou a seus colegas de Projetos Mecânicos a condição de um rapaz carente, de sua cidade, que sofria de esclerose múltipla. A doença degenerativa e progressiva o impedia de sair de casa e obrigava a mãe a carregá-lo pelos cômodos para fazer atividades simples, como tomar banho e se alimentar.

A história comoveu a turma, que foi desafiada pelo professor a melhorar a qualidade de vida de mãe e filho. Desde o início, a Apae de Itatiba participou como parceira no projeto e deu suporte nas áreas de saúde, fisiologia e fisioterapia. O trabalho conjunto resultou em uma cadeira de rodas com elevação vertical – e permitiu à mulher erguer o menino com menos esforço e mais agilidade.

Este projeto multidisciplinar mudou a vida de ambos e rendeu o primeiro prêmio da Etec Itatiba na área de acessibilidade. A partir daí, todos os TCCs do curso de Projetos Mecânicos passaram a ser direcionados em benefício de pessoas com deficiências e de idosos.


Art Crucht muleta articulada

Oferecer um descanso para quem usa muleta e precisa enfrentar filas, muitas vezes em pé, era o que faltava. Não falta mais! Esta é a proposta da Art Crucht, muleta dobrável com conceitos de ergonomia incorporados. Leve e construída em alumínio, se transforma em poucos segundos em um assento do tipo banquinho, e é capaz de suportar uma pessoa de até 120 quilos.

De acordo com seus idealizadores, a muleta é exemplo aplicado de diversos conteúdos transmitidos ao longo da formação técnica. Além do trabalho em equipe, contempla conhecimentos de torno, de usinagem, cálculos de resistências de materiais, de desenho, Computer Aided Design (CAD), projetos de máquinas e de ferramentas, LPT e ética, entre outros.


Unitran transporte único

Inovadora e funcional, a cadeira de rodas criada na Etec Itatiba tem muitas novidades, dois eixos, e é parecida com um triciclo. Usa três rodas em vez de duas e é acionada para frente e para trás por meio de duas alavancas, conduzidas por uma das mãos. Elas incluem manetes com freios a disco nas pontas – adaptação inspirada em breques de bicicletas. Batizada de Unitran, a cadeira de rodas “triciclo” permite ao condutor se movimentar e parar o veículo em rampas e fazer pausas para descansar. Outra vantagem é poder se deslocar sem precisar sujar as mãos por causa do contato com as rodas.


Evolution andador ergonômico

Inspirado nas cadeiras de praia, o andador ergonômico surgiu do relato de uma senhora com queixas de fadiga muscular e desconforto no uso do equipamento convencional. A primeira inovação do protótipo é um sistema de amortecimento com regulagens de altura, capaz de diminuir os impactos causados no corpo do usuário durante o movimento. A outra novidade do andador é o assento propriamente dito. Quando se cansa, o usuário pode se sentar no próprio aparelho e descansar pernas e coluna.

Serviço

Se alguma empresa quiser aproveitar a tecnologia desenvolvida na Etec Itatiba deve acessar o site da Etec Rosa Perrone Scavone ou Agência Inova Paula Souza.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 13/04/2013. (PDF)