Resíduos de curtumes propiciam pesquisas e negócios na Etec Franca

Matérias-primas de alto potencial poluente recebem tratamento e rendem fertilizantes, biodiesel e pele humana artificial para enxertos ósseos e implantes dentários

Com o propósito de inovar com soluções de negócios e sustentáveis para os resíduos da produção coureiro-calçadista de Franca, a Escola Técnica Estadual (Etec) Professor Carmelino Corrêa Júnior mantém, desde 2010, linhas de pesquisa nessa área com seus alunos e docentes.

Segundo a professora Joana Félix, coordenadora de diversos desses trabalhos, a proposta é prover destinação ambiental adequada para as sete principais matérias-primas descartadas pelas fábricas e curtumes da região, e, ainda, originar novos negócios, a partir de tecnologias desenvolvidas e patenteadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

Um dos pontos de partida da integração entre a Etec agrícola com o Arranjo Produtivo Local (APL) de Franca, composto por cerca de 450 empresas, foi o pós-doutoramento de Joana. Formada em Química, com graduação, mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela iniciou em 2002 pós-doutoramento na Universidade de Harvard (Boston, Estados Unidos).

“O desafio proposto por meu orientador foi achar respostas viáveis e de baixo custo para fazer gestão ambiental. Desde então, as pesquisas com a composição e possibilidades de uso dos resíduos não pararam mais”, conta.

Em Franca, os principais descartes são os lodos de cromo, de recurtimento e de cal. Há também a serragem e as aparas do couro wet blue (que sofreu o primeiro processo de transformação no curtume), o pó de lixadeira e os retalhos. Em média, são geradas 218 toneladas diárias desses resíduos na cidade – no Brasil, são 3,5 mil toneladas por dia.

Linha de pesquisa

O trabalho pioneiro foi realizado com fertilizantes em 2012. Teve orientação do professor e agrônomo Cláudio Sandoval, diretor da Etec. Segundo ele, o passo inicial é eliminar, por meio de tratamentos laboratoriais, os contaminantes, por exemplo, cromo e corantes. Depois, cada tipo de resíduo origina um fertilizante diferente. Esse projeto recebeu prêmio em 2015 do Conselho Regional de Química do Estado de São Paulo.

Segundo Sandoval e Joana, além da sustentabilidade, esses fertilizantes têm outros diferenciais, como preço menor e menor tempo de ação no solo. “O quilo deles sai em média por R$ 0,30, enquanto o da ureia, fertilizante convencional bastante utilizado, custa R$ 1,70”, observam.

“Alface cultivada com o insumo tradicional demora cerca de dois meses do plantio até a colheita. Com o fertilizante da Etec, o prazo cai para 45 dias”, informam, destacando o fato de essa tecnologia estar sendo agora transferida a uma empresa da área de fertilizantes.

Integração

Dos 512 alunos matriculados na Etec de Franca, 15 participam ativamente dos projetos com os resíduos e são orientados por Joana, Sandoval e mais cinco professores de diversos cursos. A cada semestre, o grupo ganha novos componentes depois do Vestibulinho das Etecs. De acordo com os docentes, o critério de seleção para ingressar na equipe é ter interesse em dar continuidade à linha de pesquisa.

“Procuramos integrar o corpo acadêmico de todos os cursos nos projetos. Por exemplo, o fertilizante foi testado, a princípio, com mudas de café da estufa do curso de cafeicultura. Como essa planta é perene e ficará muito tempo no viveiro, é interessante a liberação lenta do nitrogênio presente no fertilizante, para evitar o desenvolvimento do vegetal antes do tempo recomendado”, explicam os docentes.

Biocombustível

Os retalhos coloridos de couro são a base da pesquisa com o biodiesel. Nesse processo, a primeira fase é a extração dos corantes de diversas cores, resíduos também com potencial poluente. No mercado, custam cerca de R$ 250 o quilo, e, com tecnologia adequada, podem ser reaproveitados por setores industriais, como o têxtil e o papeleiro. “Extrair o corante custa aproximadamente R$ 2 o quilo. É uma área promissora para novos negócios”, estimam.

No passo seguinte, ocorre a retirada do cromo, outro descarte com potencial poluente apto a ser reaproveitado e, finalmente, ocorre a extração dos óleos de engraxe, a base do biodiesel usado em tratores, ônibus e caminhões. Cada litro do biocombustível, feito com resíduos, sai por R$ 0,20. “Em Franca, são geradas diariamente 110 toneladas de retalhos, volume suficiente para produzir 22 mil litros de biodiesel”, informam.

Peles

Em 2009, um acidente de trabalho com ácido sulfúrico cegou e queimou 95% da pele do corpo de um funcionário de curtume. Sensibilizado com a tragédia, um colega dele questionou Joana sobre a possibilidade de reaproveitar a pele de animais em transplantes humanos. O Brasil possui apenas quatro bancos de pele para atender hospitais do País inteiro – e, em todos, a escassez de matéria-prima é recorrente.

Intrigada com a questão, Joana descobriu na pele suína 78% de biocompatibilidade com a humana, isto é, com métodos adequados seria possível eliminar os 22% restantes de rejeição ao biomaterial. “O diâmetro dos poros da pele suína é maior do que o dos humanos. Assim, fiz o fechamento do volume desses poros com colágeno, matéria-prima abundante nos resíduos e muito valorizada nas indústrias farmacêutica e cosmética”, explica Joana.

Em 2015, a pele humana artificial foi testada com sucesso na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto. Hoje, 1,5 metro dela custa, em média, R$ 85, enquanto a mesma medida da pele produzida em laboratório pode sair até por R$ 5 mil. Atualmente, uma multinacional farmacêutica negocia com a Etec o direito de produzi-la comercialmente.

Ossos e dentes

Neste ano, a pedido de médicos e dentistas, surgiu a proposta de aproveitar o colágeno usado na pele artificial para fazer reconstituição óssea, necessidade comum em implantes dentários e em pacientes com perda de tecidos. Na pesquisa desenvolvida na Etec Franca, depois de tratado, o resíduo teve seu potencial terapêutico multiplicado com a adição de hidroxiapatita (substância presente na escama do piau, peixe da fauna brasileira).

“Cada 100 gramas de hidroxiapatita sintética importada custa US$ 350. Nos pesque-pague, é possível obter grátis as escamas, considerando o fato de essa matéria-prima representar um custo para os proprietários dos estabelecimentos, por exigir descarte ambiental adequado”, informa Joana. Segundo ela, o método desenvolvido possibilita a extração da matéria-prima natural a partir de outros peixes criados para o consumo humano, como a tilápia e o pirarucu, por exemplo.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 30/05/2017. (PDF)

USP Ribeirão Preto terá primeiro centro de estudos de canabidiol

Vinculada à Faculdade de Medicina, a unidade fará pesquisas pré-clínicas e clínicas com pacientes, além de desenvolver princípios ativos e medicamentos a partir da substância; inauguração está prevista para o fim do ano

Até o fim deste ano, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) abrigará em seu câmpus o primeiro Centro de Pesquisas em Canabinoides do País. A criação da unidade é resultado de convênio firmado em janeiro do ano passado com a indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi para desenvolver princípios ativos e medicamentos a partir do canabidiol (CBD) e de outras substâncias derivadas da maconha, nome popular da planta Cannabis sativa.

Coordenador do projeto, o professor Antonio Waldo Zuardi, do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP-USP, prevê inaugurar o centro, uma ampliação do prédio da Saúde Mental, até o fim do ano. Segundo ele, o investimento inicial para a construção do prédio será de R$ 3 milhões e a licitação da obra já foi aprovada.

Há 40 anos, Zuardi e a equipe de Ribeirão Preto lideram o volume brasileiro de publicações científicas sobre o canabidiol. Atualmente, mais oito instituições e 18 subcentros nacionais e estrangeiros dedicam-se a esse tipo de pesquisa.

Alternativa

As operações na unidade serão divididas em duas alas, as quais serão dedicadas a estudos pré-clínicos e clínicos. A primeira delas estará centrada na pesquisa básica laboratorial; e a segunda terá como núcleo atividades com pacientes e voluntários saudáveis.

O grupo de pesquisas com canabinoides da FMRP-USP recebeu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o estudo clínico com o CBD e fará testes em mais de 120 crianças e adolescentes com epilepsia refratária, pacientes cujo quadro não melhorou após o uso da medicação convencional.

“A meta primordial é criar produtos farmacêuticos, que consigam obter seu registro como medicamentos produzidos à base de canabidiol, inclusive custeando os ensaios clínicos necessários”, explica o coordenador. Na etapa seguinte, observa o professor, o objetivo é avançar em estudos com alguns dos cerca de 400 canabinoides presentes na maconha, além de testar o potencial do próprio canabidiol nas doenças que exigem tratamentos efetivos, como doença de Parkinson, esquizofrenia e câncer.

Terapêutico

O grupo de estudos sobre canabinoides da FMRP-USP integra o Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-TM) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Essa iniciativa é coordenada pelos professores Jaime Hallak, também da USP Ribeirão Preto, e Flavio Kapzinski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O time nacional de pesquisadores aposta no canabidiol por ser uma droga com múltiplas ações no sistema nervoso central. A substância interfere não apenas no sistema endocanabinoide, mas em outros afins, como o serotonérgico e o vaniloide. Entretanto, ainda é desconhecida a forma como ocorre sua ação antiepilética. Com a ampliação dos estudos, há a expectativa de melhora da qualidade de vida de pacientes e seus familiares.

“Aguardamos autorização da Anvisa para realizar ensaio clínico com as crianças portadoras de epilepsia refratária. Elas serão recrutadas nos ambulatórios do Hospital das Clínicas da FMRP-USP”, informa Zuardi. Segundo ele, o canabidiol pode abrir novas frentes no tratamento da doença, tendo em vista o fato de 30% dos pacientes não reagirem à medicação convencional disponível.

“Para avançar, essas pesquisas dependem do registro do CBD como medicamento pelas agências reguladoras. A expectativa é obtê-lo a partir dos resultados conseguidos nas experiências entre os pacientes do centro de pesquisa”, informa.

Descoberta

O efeito antiepilético do CBD foi descoberto por um grupo de pesquisadores brasileiros liderado pelo professor Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na década de 1970. Esse fato científico foi ignorado por mais de 30 anos e recuperado no fim de 2013, por pais de filhos com epilepsia refratária. No ano passado, foi publicado o primeiro estudo acadêmico do tipo duplo-cego com um número elevado de crianças e ficaram comprovados, na prática, os efeitos benéficos do canabidiol em pacientes infantis.

Serviço

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 16/03/2017. (PDF)

Método experimental da USP-RP controla diabetes tipo 2 pela dieta

Voluntários interessados em participar da pesquisa devem enviar e-mail para o Departamento de Clínica Médica da Divisão de Endocrinologia da FMRP-USP

A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP) busca 33 voluntários, de ambos os sexos, para integrarem um protocolo de pesquisa em andamento. Iniciada em 2016 com resultados promissores, a técnica mostrou-se capaz de reverter, sem usar insulina, quadros desfavoráveis de seis pacientes de diabetes tipo 2.

Baseado em uma dieta alimentar, o trabalho acadêmico é coordenado pelo doutorando Rafael Ferraz e pela professora doutora Maria Cristina Foss-Freitas, ambos do Departamento de Clínica Médica da Divisão de Endocrinologia da FMRP-USP.

Para participar, o voluntário precisa ter entre 30 anos e 60 anos, nunca ter usado insulina, ter glicemia acima de 150 mg/dL e colesterol e triglicérides acima de 200 mg/dL, além de aceitar ficar 27 dias internado no Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Nesse período, receberá dieta balanceada com macronutrientes (lipídeos, proteínas e carboidratos) nas proporções identificadas pelos pesquisadores como ideais para o seu organismo.

Segundo Ferraz, o conceito é fazer uma redução calórica abaixo do gasto energético basal, isto é, o paciente passa a receber diariamente a alimentação mínima necessária para o funcionamento do seu organismo.

Benefícios

O biomédico sublinha o fato de esse novo tratamento possibilitar a perda de 5% a 10% do peso, reduzir níveis de colesterol e glicemia e ampliar a qualidade de vida do paciente, sem perder de vista o foco principal do trabalho, que é controlar a diabetes. “Evita-se, assim, sobrecarregar as células do pâncreas do paciente, além de retardar, ao máximo, a ingestão da primeira dose de insulina”, explica o doutorando.

Interessado em participar do protocolo deve manifestar interesse pelo e-mail endocrinodiabetesfmrp@gmail.com. O médico informa responder em até 48 horas se convocará ou não o paciente para entrevista pessoal. “Esse canal de comunicação está aberto também para esclarecer dúvidas sobre a doença ou para quem quer mais informações sobre a metodologia em desenvolvimento na USP Ribeirão Preto”, explica.

Tipo 2

Com mais de 2 milhões de novos casos identificados a cada ano no Brasil, a diabetes tipo 2 é uma enfermidade crônica que afeta o processamento (quebra) das moléculas de açúcar (glicose) no sangue. Tem como sintomas sede excessiva, vontade de urinar frequente, ganho de peso, fome, fadiga e visão embaçada, e, em alguns casos, pode ser assintomática.

“O diagnóstico precoce é fundamental para evitar a progressão da doença, efeitos colaterais e outras doenças associadas. Assim, é fundamental fazer exame semestral de sangue para verificar a taxa de açúcar no sangue”, recomenda.

Depois de diagnosticada, a diabetes tipo 2 tem tratamento, embora exija do paciente disciplina e regramento, além de acompanhamento médico. Essa assistência deve ser prestada por endocrinologista, para tratar distúrbios metabólicos e hormonais e por nutricionista, para observar a dieta e a alimentação.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 21/02/2017. (PDF)