Com entrada franca, feira na Poli-USP acaba hoje, às 19 horas; em exposição, 331 trabalhos científicos de alunos do ensino básico, médio e técnico de todo o País
Hoje é o último dia para conferir no estacionamento da Escola Politécnica (Poli) da USP, as invenções e novidades da 12ª Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), a maior do gênero da América Latina. O evento, que começou no dia 18, é organizado pelo Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP (LSI-Poli).
Nesta edição, a Febrace apresenta 331 projetos de estudantes do ensino fundamental, médio e técnico de todo o País. Os trabalhos – apresentados anteriormente em feiras afiliadas realizadas em território nacional – foram selecionados entre 1,8 mil inscritos e concorrem a 200 prêmios em sete categorias: Ciências Exatas e da Terra; Biológicas; Saúde; Agrárias; Sociais Aplicadas; Humanas; e Engenharia.
Amanhã e sábado a comissão julgadora da Febrace anunciará os nomes dos vencedores. Os trabalhos mais bem avaliados ganharão troféus e medalhas; e seus autores serão contemplados com bolsas de estudo e oportunidades para estágios. Além disso, concorrerão a uma das nove vagas reservadas para o Brasil na Feira Internacional de Ciências e Engenharia da Intel (Intel ISEF), que neste ano ocorrerá de 11 a 16 de maio, em Los Angeles, nos Estados Unidos. O País já tem 34 premiações nessa feira.
O ninho da ciência
Segundo a professora Roseli de Deus Lopes, da Poli-USP, coordenadora da Febrace, a feira abre espaço para o surgimento de talentos para a ciência nacional, provenientes de todas as regiões brasileiras. Ao longo dos três dias do evento, os alunos apresentam seus projetos para os visitantes e se aproximam de colegas e professores de outras localidades, ampliando assim a rede de contatos profissionais.
Aprendem também sobre como obter recursos nos principais órgãos de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico disponíveis, como Capes, CNPq e Fapesp. “Iniciação científica é fundamental para formar novos quadros para as universidades. Ela também colabora para o surgimento de novos negócios, a partir de soluções inovadoras criadas em salas de aula e laboratórios escolares”, observa Roseli.
Etecs paulistas: presente!
Dos 331 projetos em exposição na Febrace, 27 foram desenvolvidos por alunos de 13 Escolas Técnicas Estaduais (Etecs). Os trabalhos classificados são de Etecs das cidades de Franca (6), Itanhaém (1), Jacareí (1), Limeira (4), Monte Mor (1), Osasco (1), Piedade (2), Ribeirão Pires (3), Santa Bárbara D’Oeste (1), São Paulo (4) e Suzano (3).
As Etecs são mantidas pelo Centro Paula Souza, entidade vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. Atualmente, há 214 delas distribuídas em 157 municípios paulistas.
Nem fogo nem água
A estudante Natyeli Silva, do curso técnico de Curtimento, da Etec Professor Carmelino Corrêa Júnior, de Franca, desenvolveu um novo modelo de botas para uso do Corpo de Bombeiros. Quatro vezes mais barato que o calçado convencional, tem solado e revestimento de couros especiais, pois impedem que o material incendeie se exposto a chamas. Além disso, também repele a água, mantendo seco os pés do agente em ocorrências com incêndios e ambientes alagados.
A ideia do Equipamento de Proteção Individual (EPI) foi da professora Joana D’Arc de Souza, da disciplina de Couros e Peles. Docente do único curso técnico de Curtimento disponível no Estado de São Paulo, ela conta que a ideia surgiu depois que um policial, pai de uma amiga, teve um pé de coturno incinerado por uma brasa em uma situação de combate ao fogo. A docente, então, apresentou a ideia para Natyeli, que, em um ano, conseguiu produzir alguns pares ao custo de R$ 60, cada um.
De acordo com a estudante e sua orientadora, as propriedades do couro ignificado (anti-inflamável) e hidrofugado (impermeabilidade) foram comprovadas em estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Natyeli é filha de uma coladeira e de um pespontador, ambos operários do polo calçadista de Franca. Ela se dedicou ao trabalho com mais um desafio incluído no projeto: retirar do processo de fabricação do couro dois elementos poluentes, o isopor e as aparas do tipo wet-blue. “O próximo passo será desenvolver, até o final do curso, uma roupa antichama”, disse a estudante, orgulhosa.
Tijolo ecológico
Em Ribeirão Pires, a dupla Fabrício Luciano e Willians Zaguini, do curso técnico em Química, dedicou dois semestres no desenvolvimento do seu projeto na Etec local. Objetivo: criar uma mistura para produzir tijolos à base de materiais baratos, recicláveis e comumente descartados. O estudo foi orientado pelo professor Carlos Barreiro e a dupla desenvolveu, de modo artesanal, um protótipo utilizando jornal e gesso, com preço de custo unitário de R$ 0,06, valor bem inferior aos R$ 0,25 cobrados por um similar convencional.
Fabrício submeteu o produto a testes físicos de resistência, rigidez e de compactação. Ele conta que seu “tijolo ecológico” está em conformidade com as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – NBR). Segundo ele, já é possível usá-lo com cimento em construções internas. O próximo passo é fazer novas avaliações com exposição do material a fenômenos naturais (sol, chuva, umidade, etc.). Depois, o produto será encaminhado para testes no IPT e, finalmente, patenteado.
Cartografia descomplicada
Na Etec Monte Mor, o professor Roney Caum propôs um desafio à sua classe do ensino médio: identificar os nomes dos 26 Estados brasileiros e do Distrito Federal em um mapa do Brasil sem os nomes das unidades territoriais. Ninguém conseguiu acertar 100%. Um tempo depois, o docente repetiu a experiência, acrescentando dicas curtas sobre cada uma das unidades da Federação – e o total de respostas correta aumentou.
Desafiados pela proposta do educador, os estudantes Éverton dos Anjos e Letícia Montezel se dispuseram a produzir uma ferramenta pedagógica para ajudar a combater essa defasagem no ensino de Geografia. A proposta incluía auxiliar, de modo lúdico, o aluno a identificar os Estados brasileiros e a localizar, a partir de coordenadas cartográficas, onde se encontram atualmente no mapa do País.
Batizada de Geografia Divertida, a iniciativa exigiu um ano e meio de trabalho – e incluiu a criação de 27 fichas com 12 dicas, a partir da coleta de dados de fontes confiáveis na internet sobre os 26 Estados e o Distrito Federal. O passo seguinte foi elaborar questionários e um jogo, com tabuleiro inspirado no tradicional War, para executar o projeto. A experiência foi, então, feita com 240 alunos do ensino fundamental II da cidade com resultados satisfatórios – e, novamente, na segunda etapa, os acertos também foram maiores.
Para Éverton e Letícia, a experiência comprovou a necessidade de serem repensados os modelos pedagógicos tradicionais – e adaptá-los para a geração atual de estudantes, que recebem grande volume de informações, de diferentes fontes e em menor tempo, sem conseguir reter muitos conteúdos.
A propriedade intelectual da ferramenta desenvolvida foi cedida à Etec. Os estudantes esperam que colegas de turmas seguintes aprimorem ainda mais a ferramenta. “O segredo é induzir cada participante a aprender mais para vencer as partidas”, observam.
Sabor prolongado
Encontrar uma opção saudável de lanche rápido para substituir refeições calóricas e pobres em nutrientes adotadas por grande parte da população. Com essa proposta em mente, as estudantes de Química Mariana Barnett e Larissa Careca, da Etec Getúlio Vargas, da capital, desenvolveram uma emulsão comestível (biofilme) capaz de retardar a oxidação e a degradação natural de pedaços de banana e de maçã.
O trabalho com o produto orgânico foi orientado pelo professor Fernando dos Santos e testado com sucesso em familiares das garotas. “Ninguém passou mal depois que comeu”, disseram, brincando. Produzido com fécula de mandioca e cera de abelha, o biofilme não altera o aspecto e o paladar das frutas, fontes naturais de minerais e vitaminas.
A ideia é permitir, por exemplo, que um estudante ou uma criança leve na mochila ou lancheira as frutas embaladas pelo biofilme em um pote plástico para comer na hora do intervalo escolar. Assim, deixariam de comprar um salgado, hambúrguer ou pão de queijo na cantina escolar.
De acordo com as adolescentes, um pedaço de fruta revestido pelo filme e armazenado em um pote na geladeira tem suas características nutricionais inalteradas por sete dias. Fora do refrigerador, dura até quatro dias. “Pesquisamos a fundo os ingredientes possíveis para produzir a emulsão e descobrimos que não existe no mercado nenhum produto com as características do nosso protótipo”, revelam confiantes.
Peça pelo número
Permitir a um idoso, criança ou pessoa com deficiência comandar por voz, com segurança e sem contato físico, um elevador. Essa foi a missão proposta e executada pelo trio de estudantes Carlos Teixeira, Matheus Schimidt e Mark Schall, do curso de Eletroeletrônica da Etec Professora Doutora Quiomi Kanashiro Toyohara, de Pirituba, zona oeste da capital.
Com a supervisão dos professores Iverson Machado e Saulo Yokoo, o grupo criou um protótipo de elevador completo. O equipamento possui sistema de computação embarcado e autônomo, contendo hardware (chips, placas, microcontroladores e circuitos) e software (programas de computação para controlar o dispositivo) exclusivos e desenvolvidos sob medida.
O protótipo do elevador tem recursos de captura e de processamento da voz do usuário – depois do comando dado no microfone, o som é convertido instantaneamente em sinais digitais e dá instruções para subir ou descer. Se preferir, o usuário pode acionar os comandos por botões no painel, que possui também um sensor para detectar a presença de pessoas ou objetos e tem suas operações sinalizadas por lâmpadas de LED piscantes.
Testado com sucesso, seus criadores pretendem patentear a invenção. Eles explicam que o conceito do sistema pode ser reaproveitado em outras aplicações em uma casa totalmente inteligente e automatizada. Com algumas alterações, permitiria, por exemplo, substituir interruptores de luz, chuveiros, portões e eletrodomésticos.
Serviço
A Febrace está montada em uma tenda no estacionamento da Escola Politécnica da USP – Av. Prof. Luciano Gualberto, travessa 3, nº 380 – Butantã. A entrada é franca.
Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial
Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 20/03/2014. (PDF)