Produção interna de combustível nuclear atende ao principal reator atômico brasileiro para pesquisas e fabricação de radioisótopos
Setembro de 2012 foi um mês histórico para o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Na semana passada, a autarquia paulista associada à Universidade de São Paulo (USP) e gerenciada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) comemorou 55 anos de criação. E celebrou também a entrega do centésimo elemento combustível fabricado internamente para o reator atômico IEA-R1m.
Projetado e construído pela empresa norte-americana Babcock & Wilcox, o reator opera de modo controlado a fissão (“quebra”) em cadeia dos núcleos dos átomos de urânio. Seu projeto integrou o programa Átomos Pela Paz, iniciativa dos Estados Unidos do período pós-Segunda Guerra Mundial, que incentivava outros países a aderir à tecnologia atômica com fins pacíficos. Por fim, foi incorporado ao Tratado Mundial de Não Proliferação de Armas Nucleares, em vigor desde 1970, e tem adesão atual de 189 países.
Aplicações médicas
Desde sua inauguração, o IEA-R1m é usado em duas missões básicas: a primeira é permitir pesquisas científicas na área nuclear. E a segunda é a produção de radioisótopos, a principal matéria-prima para a fabricação de radiofármacos. Estas substâncias são empregadas no diagnóstico e tratamento de doenças como o câncer e em outras áreas médicas como cardiologia e neurologia. E têm também aplicações em setores como agricultura e indústria.
Em suas quatro primeiras décadas de operação, o IEA-R1m trabalhou com potência máxima de 2 megawatt (MW). Entretanto, com o aumento da demanda por radiosótopos, em 1997 o reator nuclear teve sua potência máxima alterada para 5 MW. E desde então a rotina de utilização do equipamento foi ampliada para 120 horas semanais.
Salto tecnológico
Para Elita Carvalho, gerente do Centro do Combustível Nuclear (CCN) do Ipen, a produção do centésimo elemento representa a consolidação de trabalho iniciado em 1988 pelos 36 profissionais do instituto. Química de formação, a pesquisadora destaca o viés estratégico da decisão de enriquecer no Brasil o urânio, elemento base do combustível atômico. E mais o desenvolvimento de muitas linhas de pesquisa científica em assuntos afins.
O salto tecnológico do Ipen envolveu a formação de pessoal especializado e o domínio de diversas tecnologias químicas, metalúrgicas e cerâmicas. E mais a constituição de uma cadeia nacional de produção nuclear, inclusive com o tratamento de efluentes. Ao longo da evolução, Elita destacou o rigoroso controle de segurança em todos os processos envolvidos, de acordo com padrões internacionais de segurança.
Autossuficiência
Os elementos combustíveis utilizados pelo reator IEA-R1m são do tipo Materials Testing Reactor (MTR), formados pela montagem de um conjunto de placas combustíveis paralelas entre si, que permitem a passagem de um fluxo de água que serve como refrigerante e moderador.
Atualmente, o CCN produz, por ano, dez elementos combustível para o IEAR1m. Em média, cada um demora um mês para ser fabricado e sua vida útil, no reator, depende do número de horas em operação no sistema nuclear. Depois do uso, o material é estocado dentro da própria piscina do reator, em compartimento próprio.
Com a evolução dos serviços prestados, a expectativa do Ipen nos próximos anos é deixar de importar, do Canadá e da Argentina, matérias-primas como o tecnécio, usado para produzir radioisótopos. Na visão da pesquisadora Elita, os principais desafios atuais do Ipen são a gestão de pessoal e o aporte de recursos financeiros.
A meta futura é ampliar a produção e desenvolver combustíveis com maior densidade de urânio, para atender, por exemplo, o futuro Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). O projeto conjunto com a Marinha também tem viés científico e segue em construção no Centro Experimental de Aramar, em Iperó, município próximo de Sorocaba.
A expectativa é passar a produzir 25 elementos combustível para o RMB, cujas operações estão previstas para ter início em 2018. A partir daí, explica Elita, será possível aumentar a capacidade e até dobrá-la. Quando essa meta for atingida, o Brasil será 100% autossuficiente na fabricação dos radioisótopos. E terá toda a cadeia produtiva nacionalizada, pois os minérios envolvidos na produção do combustível são extraídos de jazidas localizadas na Bahia e no Ceará.
Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 30/10/2012. (PDF)