Cietec apresenta nova alternativa contra o mosquito da dengue

Bioinseticida produzido por empresa incubada no Cietec elimina as larvas do Aedes aegypti sem criar variedades mais resistentes da praga

Entre 2008 e 2017, de acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil somou 12 milhões de casos, 6 mil óbitos e despesas de R$ 3 bilhões anuais com a dengue. Causada por quatro tipos de vírus, a doença ainda não tem nenhum medicamento antiviral específico para ser tratada. Quando um diagnóstico é confirmado, o paciente recebe hidratação e orientação médica apenas para aliviar os sintomas. Embora a cura propriamente dita ainda não tenha sido encontrada, estão surgindo outros caminhos no enfrentamento do Aedes aegypti.

Com o propósito de desenvolver uma solução simples, eficaz, sustentável e barata para auxiliar na erradicação do mosquito, a BR3, empresa residente do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), da Universidade de São Paulo e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), recorreu em 2017 ao programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), Fase 3, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) para lançar um bioinseticida, batizado de DengueTech.

De acordo com Rodrigo Perez, ex-aluno da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e diretor da BR3, a inovação surgiu na Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). “Em 2011, em chamada pública realizada pelo centro científico federal, adquirimos o direito de explorar a tecnologia e iniciar sua fabricação”, explica Perez, e, assim, “somar forças às demais medidas adotadas pelo poder público e pela população de combate à dengue”, completa.

Controle biológico

Apresentado sob a forma de minitablete, o DengueTech age na água parada, na proporção de uma unidade do produto a cada 50 litros. Sua ação tem origem em esporos da bactéria Bacillus thuringiensis israelensis, conhecida pela sigla Bti, agente biológico natural de uso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Durante 60 dias, prazo de atividade do produto, os esporos permanecem matando as larvas do Aedes aegypti, também transmissor da febre amarela urbana, Zika e Chikungunya.

Inócuo para humanos e animais domésticos, o bioinseticida não tem cheiro nem deixa resíduos no meio ambiente. Sua ação primordial é sobre as larvas do Aedes aegypti. “Uma das inovações incorporadas foi evitar a geração de variedades mais resistentes do mosquito, problema comum em muitos inseticidas após alguns anos”, informa Perez.

O trunfo para as bactérias eliminarem as larvas está neste fato: quando entram em contato com o trato digestivo da larva, elas produzem no mínimo quatro compostos letais para as crias de Aedes aegypti. Desse modo, para o mosquito poder criar resistência ao DengueTech, ao longo das gerações futuras, precisaria apresentar, simultaneamente, mutações genéticas em quatro receptores diferentes, algo impossível até mesmo para o inseto, dotado de grande variabilidade genética.

Venda autorizada

Com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o produto está à venda no mercado. “No ano passado, entre outros clientes, a lista incluiu a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e o Ministério da Saúde do Uruguai”, conta Perez. Cada embalagem com três minitabletes custa R$ 16,50; o pacote com dez unidades sai por R$ 50.

Segundo Perez, o uso do bioinseticida em uma casa pode diminuir em até 90% o número de ovos do mosquito. A orientação à população é não acumular água em recipientes, além de usar o produto nos pontos da casa com maior potencial de criadouros do Aedes: locais fixos (ralo, sifão, calha, privada), móveis (geladeira frost free, com evaporador de água do degelo) e naturais, como os pratos dos vasos de plantas e as bandejas de ar-condicionado.

Evolução

Empresa da área química e biotecnologia, a BR3 foi fundada em 1994 e lançou, em 2001, seu primeiro produto, um fungicida destinado à agricultura. Em 2006, iniciou projeto para construir sua unidade piloto de produção no Cietec, incubadora de base tecnológica sediada na Cidade Universitária, zona oeste da capital. Em 2010, passou a investir em bioprodutos para, em 2016, iniciar a produção e, no ano passado, com os recursos do Pipe Fapesp e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), passou a acelerar o processo de aumento de escala da produção e comercialização do DengueTech.

Com 12 profissionais de perfil multidisciplinar, a empresa mantém, segundo Perez, intercâmbio permanente com cientistas da Fiocruz. Outra conexão fundamental é com pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Esse apoio inclui a cessão de larvas do mosquito, armadilhas e testes com o bioinseticida para aumentar sua eficácia.

“Além do interesse acadêmico, de empregar controle biológico contra o Aedes, esse tipo de inovação tem apelo social, uma vez que integra o chamado controle integrado do mosquito, pacote de medidas fundamentais relativas a ações de saneamento básico, esgoto, coleta de lixo, etc.”, diz Margareth Capurro, pesquisadora do ICB-USP.

Incubação

Vinculado ao Governo estadual, o Cietec foi criado em 1998. É uma associação civil sem fins lucrativos de direito privado, cujo conselho de direção estratégica reúne representantes da USP, Ipen, Federação das Indústrias do Estado (Fiesp) e Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).

Por suas instalações passaram mais de 582 micro e pequenos negócios; desses, 300 foram apoiados pelo Pipe Fapesp. O Cietec contabiliza 37 patentes registradas, 850 postos de trabalho registrados e 180 pedidos de marca protocolados. Atualmente, tem 152 empresas vinculadas nas modalidades pré-incubação, incubação e pós-incubação.

Serviço

DengueTech
Facebook
Telefone (11) 3254-6444
E-mail falecom@br3.ind.br

Cietec
Pipe Fapesp
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 08/03/2018. (PDF)

USP Ribeirão Preto terá primeiro centro de estudos de canabidiol

Vinculada à Faculdade de Medicina, a unidade fará pesquisas pré-clínicas e clínicas com pacientes, além de desenvolver princípios ativos e medicamentos a partir da substância; inauguração está prevista para o fim do ano

Até o fim deste ano, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) abrigará em seu câmpus o primeiro Centro de Pesquisas em Canabinoides do País. A criação da unidade é resultado de convênio firmado em janeiro do ano passado com a indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi para desenvolver princípios ativos e medicamentos a partir do canabidiol (CBD) e de outras substâncias derivadas da maconha, nome popular da planta Cannabis sativa.

Coordenador do projeto, o professor Antonio Waldo Zuardi, do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP-USP, prevê inaugurar o centro, uma ampliação do prédio da Saúde Mental, até o fim do ano. Segundo ele, o investimento inicial para a construção do prédio será de R$ 3 milhões e a licitação da obra já foi aprovada.

Há 40 anos, Zuardi e a equipe de Ribeirão Preto lideram o volume brasileiro de publicações científicas sobre o canabidiol. Atualmente, mais oito instituições e 18 subcentros nacionais e estrangeiros dedicam-se a esse tipo de pesquisa.

Alternativa

As operações na unidade serão divididas em duas alas, as quais serão dedicadas a estudos pré-clínicos e clínicos. A primeira delas estará centrada na pesquisa básica laboratorial; e a segunda terá como núcleo atividades com pacientes e voluntários saudáveis.

O grupo de pesquisas com canabinoides da FMRP-USP recebeu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o estudo clínico com o CBD e fará testes em mais de 120 crianças e adolescentes com epilepsia refratária, pacientes cujo quadro não melhorou após o uso da medicação convencional.

“A meta primordial é criar produtos farmacêuticos, que consigam obter seu registro como medicamentos produzidos à base de canabidiol, inclusive custeando os ensaios clínicos necessários”, explica o coordenador. Na etapa seguinte, observa o professor, o objetivo é avançar em estudos com alguns dos cerca de 400 canabinoides presentes na maconha, além de testar o potencial do próprio canabidiol nas doenças que exigem tratamentos efetivos, como doença de Parkinson, esquizofrenia e câncer.

Terapêutico

O grupo de estudos sobre canabinoides da FMRP-USP integra o Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-TM) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Essa iniciativa é coordenada pelos professores Jaime Hallak, também da USP Ribeirão Preto, e Flavio Kapzinski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O time nacional de pesquisadores aposta no canabidiol por ser uma droga com múltiplas ações no sistema nervoso central. A substância interfere não apenas no sistema endocanabinoide, mas em outros afins, como o serotonérgico e o vaniloide. Entretanto, ainda é desconhecida a forma como ocorre sua ação antiepilética. Com a ampliação dos estudos, há a expectativa de melhora da qualidade de vida de pacientes e seus familiares.

“Aguardamos autorização da Anvisa para realizar ensaio clínico com as crianças portadoras de epilepsia refratária. Elas serão recrutadas nos ambulatórios do Hospital das Clínicas da FMRP-USP”, informa Zuardi. Segundo ele, o canabidiol pode abrir novas frentes no tratamento da doença, tendo em vista o fato de 30% dos pacientes não reagirem à medicação convencional disponível.

“Para avançar, essas pesquisas dependem do registro do CBD como medicamento pelas agências reguladoras. A expectativa é obtê-lo a partir dos resultados conseguidos nas experiências entre os pacientes do centro de pesquisa”, informa.

Descoberta

O efeito antiepilético do CBD foi descoberto por um grupo de pesquisadores brasileiros liderado pelo professor Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na década de 1970. Esse fato científico foi ignorado por mais de 30 anos e recuperado no fim de 2013, por pais de filhos com epilepsia refratária. No ano passado, foi publicado o primeiro estudo acadêmico do tipo duplo-cego com um número elevado de crianças e ficaram comprovados, na prática, os efeitos benéficos do canabidiol em pacientes infantis.

Serviço

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 16/03/2017. (PDF)

Molécula pode ser usada na luta contra o câncer

Pesquisa do Instituto Butantan obtém proteína capaz de eliminar células de tumores sem atacar tecidos sadios; trabalho gerou parceria com Fapesp, IPT, BNDES e União Química

Ao estudar moléculas anticoagulantes existentes no DNA de animais hematófagos (que se alimentam de sangue), o grupo multidisciplinar de 20 cientistas, coordenado pela farmacêutica-bioquímica Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, do Instituto Butantan, identificou uma que se revelou promissora para o desenvolvimento de drogas anticâncer.

Testada com sucesso em roedores e não roedores, a proteína obtida a partir da molécula consegue eliminar células de tumores de modo eficaz e com ação localizada, sem atacar tecidos sadios.

Iniciado em 2005, o trabalho, pioneiro no País, teve apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação de São Paulo.

Com término previsto para o fim de 2017, o estudo tem custo total estimado de R$ 20 milhões e já apresenta como resultados uma patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) e a montagem de uma plataforma (laboratório) de pesquisa no Butantan para purificação de moléculas.

Parceiros

Apostando na viabilidade da molécula, três novas instituições foram incorporadas ao trabalho e passaram a atuar ativamente no projeto. A primeira da lista é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ligado ao governo federal, cujo repasse de verbas foi feito por meio do financiamento de Fundo Tecnológico (Funtec).

O segundo parceiro é o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que estuda a estruturação da produção da molécula em escala industrial. O último é a União Química, empresa farmacêutica que adquiriu o direito de reaproveitar a tecnologia desenvolvida para fabricar medicamentos com base na descoberta do Butantan, instituto vinculado à Secretaria de Estado da Saúde.

A empresa aguarda autorização e orientações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar testes com seres humanos. A expectativa é que essa definição ocorra em breve e a avaliação com voluntários tenha início no segundo semestre.

Inspiração

A glândula salivar do carrapato-estrela, transmissor da febre maculosa, foi o ponto de partida do trabalho. A cientista Ana Marisa, diretora do Laboratório de Bioquímica e Biofísica do Butantan, explica que a proposta era descobrir quais moléculas estavam presentes no impedimento da coagulação do sangue do animal picado (hospedeiro), ou seja, no momento em que o aracnídeo se alimenta.

O passo seguinte foi identificar qual dessas moléculas teria maior potencial para originar anticoagulantes (capazes de impedir tromboses) e anti-hemostáticos (para prevenir hemorragias). “Muitos pesquisadores buscam novos agentes biológicos com essas características, pelo fato de terem diversas aplicações nas áreas médica, farmacêutica e veterinária”, explica Ana Marisa.

Identificado o gene, os pesquisadores do instituto obtiveram, em laboratório, uma proteína recombinante com as características da molécula. A técnica usa micro-organismos (bactérias) na produção do material, que também é purificado (esterilizado) e submetido a análises para comprovar sua ação anticoagulante e anti-hemostática.

Novos rumos

Ana Marisa explica que vários tipos de tumores têm atividade pró-coagulante. Nos testes de eficácia, a molécula se mostrou também capaz de identificar e eliminar células de câncer de pele, de pâncreas e de rim. “A descoberta deu novo direcionamento à pesquisa. O desafio foi, então, descobrir como funcionam exatamente esses mecanismos e definir meios para repetir em escala industrial a produção da molécula obtida em laboratório”, ressalta.

Em 2011, o Butantan firmou convênio com o IPT, órgão também vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, para orientar o método de escalonamento da produção e repassá-lo à União Química. No instituto vizinho do Butantan, e também sediado na Cidade Universitária, na capital, o trabalho é coordenado pela pesquisadora Maria Filomena Rodrigues, do Laboratório de Biotecnologia Industrial.

Farmacêutica-bioquímica, Maria Filomena comanda no IPT equipe multidisciplinar de 20 pesquisadores dedicados à preparação da molécula para sua produção em biorreatores (fermentadores). Um dos desafios do grupo foi encontrar o meio ideal para o crescimento da bactéria que produz a proteína recombinante derivada da molécula, além de buscar opções para reduzir custos e aumentar a produtividade.

“Em 2006, troquei impressões com a Ana Marisa sobre o estudo dela, que ainda estava na fase de extração da saliva do carrapato. Hoje, com o trabalho encaminhado, ele é visto como resultado do empenho coletivo (Butantan, IPT, BNDES, Fapesp e União Química) em definir um modelo interessante de financiamento de pesquisa e, ao mesmo tempo, de prestação de serviços à sociedade”, revela, orgulhosa.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 24/06/2015. (PDF)