Grupo de cientistas da FAU-USP cria banheiro emergencial móvel

Projetada para atender desabrigados, instalação em contêiner reciclado capta, filtra e aquece a água para 3 chuveiros, 3 vasos sanitários e 5 lavatórios; capacidade é de 432 banhos diários

Um grupo multidisciplinar de cientistas coordenado pela professora Lara Leite Barbosa de Senne, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo, desenvolveu uma solução inédita para atenuar o sofrimento de desabrigados por enchentes. Batizada de Projeto Apis, a iniciativa reaproveita um contêiner, caixa originalmente utilizada no comércio internacional para transportar mercadorias, para oferecer, com conforto e privacidade, banho quente, vestiários, sanitários e lavabos para desabrigados, inclusive com recursos de acessibilidade para pessoa com deficiência.

O projeto, conta Lara, teve início em 2009, em um levantamento preliminar realizado na região do Vale do Ribeira, local carente e com poucos recursos para atendimento de emergências. Na oportunidade, os pesquisadores se reuniram com munícipes de pequenas cidades afetadas por alagamentos, como Eldorado e Itaoca, representantes de prefeituras, integrantes da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil e de Organizações Não Governamentais (ONGs) nacionais e internacionais.

Diálogo

“Considerando o fato de as inundações se repetirem com certa frequência, a ideia inicial era criar uma cozinha a ser colocada nos abrigos, ou mesmo escolas ou igrejas, o que permitiria às pessoas ter acesso à alimentação”, lembra Lara, docente do Departamento de Projetos da FAU e também integrante do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres de São Paulo (Ceped) da USP.

Segundo ela, nos encontros os moradores revelaram a necessidade de terem um local para tomar banho, pelo fato de, muitas vezes, os abrigos não disporem de água, energia e chuveiros, em volume suficiente para atender à demanda, em face dos desdobramentos causados pelo próprio desastre natural.

“Além do asseio corporal, o banho quente também proporciona acolhimento e relaxamento para quem já está exposto a um quadro estressante”, comenta Lara, destacando como o conceito evoluiu para um banheiro emergencial com separação entre os sexos, uma solução adotada para prevenir abusos entre as vítimas, ocorrência comum em sanitários compartilhados em tragédias ambientais.

Registrado

De acordo com o major Marco Antonio Basso, da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, um dos fatores primordiais no atendimento a desabrigados é buscar manter a dignidade deles, preservando, na medida do possível, aspectos como a possibilidade de fazerem sua higiene íntima e necessidades fisiológicas, questões muitas vezes afetadas nestas situações.

Nesse sentido, comenta o major Basso, “ao fornecer instalações sanitárias privativas e funcionais”, o serviço ganha em qualidade e representa um dos reflexos do estreitamento de laços entre a Defesa Civil e as universidades públicas paulistas. “Essa aproximação com os centros de pesquisa é fundamental, por aprimorar soluções capazes de nos ajudar de fato no trabalho cotidiano e minimizar os danos causados pelos desastres”, pontua.

Com pedido de patente de produto e processo já encaminhado pela Agência USP de Inovação, o protótipo desenvolvido foi projetado para transporte em carreta e tem capacidade para atender 432 pessoas em ciclos semanais, considerando banhos diários de dez minutos. O antigo contêiner, revitalizado pela empresa Contain[it], reserva espaços exclusivos para homens, mulheres e pessoas com mobilidade reduzida. Possui três cabines com chuveiros, outras três com vasos sanitários e cinco lavatórios, para atender aos três grupos de desabrigados.

Com origem proveniente do latim, o nome Apis significa abelha, e essa escolha surgiu do fato de o projeto ter recebido diversos apoios e parcerias ao longo de seu desenvolvimento – do mesmo modo como as abelhas constroem e mantêm uma colmeia.

A lista de voluntários inclui o grupo do Ceped-USP, 35 alunos de graduação da FAU e a consultoria de diversos pesquisadores, como José Carlos Mierzwa, da Escola Politécnica (Poli-USP), idealizador do método de tratamento da água com membranas filtrantes – a água usada é captada nas proximidades por um sistema de bombas e o filtro do protótipo foi doado pela multinacional Dow.

Também participaram, com consultas técnicas, Gilberto Janólio, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e Arlei Macedo, do Instituto de Geociências (IGC-USP) e representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Ribeira de Iguape e Litoral Sul, entre outros cientistas.

Apoiadores

Orientadora de pesquisas na área de Design para Situações Emergenciais, Lara destaca o avanço na construção do protótipo a partir de 2013, quando o Projeto Apis venceu um edital internacional na área promovido pela Alcoa Foundation, no valor de US$ 123 mil. Atualmente, a instalação está em exposição na Agência USP de Inovação, na capital, porém, o término de sua construção depende da compra e instalação de alguns equipamentos, informa a docente.

Um desses equipamentos é o painel de automação hidráulico para controlar a alimentação das bombas de captação de água; outro, um sistema elevatório para atender pessoas com mobilidade reduzida. “A meta é encontrar empresas ou voluntários interessados em participar, para podermos iniciar os testes futuros do protótipo em regiões comprometidas por inundações”, informa Lara. Segundo ela, um dos destaques do Projeto Apis é sua modularidade, isto é, a possibilidade da instalação desenvolvida ser adaptada para outros usos e ambientes.

Serviço

Agência USP de Inovação
Tel. (11) 3091-4495
E-mail auspin@usp.br

Departamento de Projetos da FAU-USP
Tel. (11) 3091-4535
E-mail barbosall@usp.br

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 16/05/2018. (PDF)

Cietec apresenta nova alternativa contra o mosquito da dengue

Bioinseticida produzido por empresa incubada no Cietec elimina as larvas do Aedes aegypti sem criar variedades mais resistentes da praga

Entre 2008 e 2017, de acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil somou 12 milhões de casos, 6 mil óbitos e despesas de R$ 3 bilhões anuais com a dengue. Causada por quatro tipos de vírus, a doença ainda não tem nenhum medicamento antiviral específico para ser tratada. Quando um diagnóstico é confirmado, o paciente recebe hidratação e orientação médica apenas para aliviar os sintomas. Embora a cura propriamente dita ainda não tenha sido encontrada, estão surgindo outros caminhos no enfrentamento do Aedes aegypti.

Com o propósito de desenvolver uma solução simples, eficaz, sustentável e barata para auxiliar na erradicação do mosquito, a BR3, empresa residente do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), da Universidade de São Paulo e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), recorreu em 2017 ao programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), Fase 3, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) para lançar um bioinseticida, batizado de DengueTech.

De acordo com Rodrigo Perez, ex-aluno da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e diretor da BR3, a inovação surgiu na Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). “Em 2011, em chamada pública realizada pelo centro científico federal, adquirimos o direito de explorar a tecnologia e iniciar sua fabricação”, explica Perez, e, assim, “somar forças às demais medidas adotadas pelo poder público e pela população de combate à dengue”, completa.

Controle biológico

Apresentado sob a forma de minitablete, o DengueTech age na água parada, na proporção de uma unidade do produto a cada 50 litros. Sua ação tem origem em esporos da bactéria Bacillus thuringiensis israelensis, conhecida pela sigla Bti, agente biológico natural de uso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Durante 60 dias, prazo de atividade do produto, os esporos permanecem matando as larvas do Aedes aegypti, também transmissor da febre amarela urbana, Zika e Chikungunya.

Inócuo para humanos e animais domésticos, o bioinseticida não tem cheiro nem deixa resíduos no meio ambiente. Sua ação primordial é sobre as larvas do Aedes aegypti. “Uma das inovações incorporadas foi evitar a geração de variedades mais resistentes do mosquito, problema comum em muitos inseticidas após alguns anos”, informa Perez.

O trunfo para as bactérias eliminarem as larvas está neste fato: quando entram em contato com o trato digestivo da larva, elas produzem no mínimo quatro compostos letais para as crias de Aedes aegypti. Desse modo, para o mosquito poder criar resistência ao DengueTech, ao longo das gerações futuras, precisaria apresentar, simultaneamente, mutações genéticas em quatro receptores diferentes, algo impossível até mesmo para o inseto, dotado de grande variabilidade genética.

Venda autorizada

Com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o produto está à venda no mercado. “No ano passado, entre outros clientes, a lista incluiu a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e o Ministério da Saúde do Uruguai”, conta Perez. Cada embalagem com três minitabletes custa R$ 16,50; o pacote com dez unidades sai por R$ 50.

Segundo Perez, o uso do bioinseticida em uma casa pode diminuir em até 90% o número de ovos do mosquito. A orientação à população é não acumular água em recipientes, além de usar o produto nos pontos da casa com maior potencial de criadouros do Aedes: locais fixos (ralo, sifão, calha, privada), móveis (geladeira frost free, com evaporador de água do degelo) e naturais, como os pratos dos vasos de plantas e as bandejas de ar-condicionado.

Evolução

Empresa da área química e biotecnologia, a BR3 foi fundada em 1994 e lançou, em 2001, seu primeiro produto, um fungicida destinado à agricultura. Em 2006, iniciou projeto para construir sua unidade piloto de produção no Cietec, incubadora de base tecnológica sediada na Cidade Universitária, zona oeste da capital. Em 2010, passou a investir em bioprodutos para, em 2016, iniciar a produção e, no ano passado, com os recursos do Pipe Fapesp e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), passou a acelerar o processo de aumento de escala da produção e comercialização do DengueTech.

Com 12 profissionais de perfil multidisciplinar, a empresa mantém, segundo Perez, intercâmbio permanente com cientistas da Fiocruz. Outra conexão fundamental é com pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Esse apoio inclui a cessão de larvas do mosquito, armadilhas e testes com o bioinseticida para aumentar sua eficácia.

“Além do interesse acadêmico, de empregar controle biológico contra o Aedes, esse tipo de inovação tem apelo social, uma vez que integra o chamado controle integrado do mosquito, pacote de medidas fundamentais relativas a ações de saneamento básico, esgoto, coleta de lixo, etc.”, diz Margareth Capurro, pesquisadora do ICB-USP.

Incubação

Vinculado ao Governo estadual, o Cietec foi criado em 1998. É uma associação civil sem fins lucrativos de direito privado, cujo conselho de direção estratégica reúne representantes da USP, Ipen, Federação das Indústrias do Estado (Fiesp) e Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).

Por suas instalações passaram mais de 582 micro e pequenos negócios; desses, 300 foram apoiados pelo Pipe Fapesp. O Cietec contabiliza 37 patentes registradas, 850 postos de trabalho registrados e 180 pedidos de marca protocolados. Atualmente, tem 152 empresas vinculadas nas modalidades pré-incubação, incubação e pós-incubação.

Serviço

DengueTech
Facebook
Telefone (11) 3254-6444
E-mail falecom@br3.ind.br

Cietec
Pipe Fapesp
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP)

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 08/03/2018. (PDF)

Unicamp inova na produção de alimentos com probióticos

Tecnologia desenvolvida abre novas possibilidades para a indústria alimentícia; quando consumidos regularmente, micro-organismos trazem benefícios à saúde

Com pedido de patente já encaminhado, uma pesquisa com probióticos do Laboratório de Microbiologia Quantitativa de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) abriu novas perspectivas para a sua utilização na indústria alimentícia. De acordo com o professor Anderson de Souza Sant’Ana, responsável pelo projeto acadêmico, esses micro-organismos já são incluídos vivos na composição de alimentos como iogurtes, leites fermentados, queijos e produtos lácteos, entre outros, e quando consumidos regularmente, trazem benefícios à saúde.

Atualmente, explica Sant’Ana, docente do Departamento de Ciência de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA-Unicamp), um dos principais desafios do grupo de cientistas é encontrar meios para aumentar a sobrevivência dos probióticos em algumas etapas do processamento industrial dos alimentos. Isto é, como fazê-los resistir as altas temperaturas empregadas, ou, ainda, como resistir a uma mistura ácida comum, como, por exemplo, o suco de laranja.

Macarrão e almôndega

No Laboratório de Microbiologia Quantitativa de Alimentos, Anderson coordena equipe formada por quatro pós-doutorandos e 20 alunos de iniciação científica (graduação), mestrado e doutorado. Em 2017, o grupo apresentou três teses de doutorado. A primeira delas, de autoria da pesquisadora Mariana Batista Soares, teve bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) e consistiu em adicionar probióticos esporulados ao requeijão, ou seja, adotou como estratégia a incorporação deles ao alimento em uma fase de desenvolvimento anterior à adulta.

As outras duas tecnologias são de autoria das gêmeas Caroline e Carine Nunes de Almada. Com bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as irmãs produziram trabalhos acadêmicos com resultados promissores para a indústria alimentícia. “Tão logo foi identificado o potencial delas para a indústria, buscamos apoio e orientação da Agência de Inovação Inova Unicamp para proteger a descoberta com pedidos de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi)”, informa Sant’Ana.

De acordo com a literatura científica, quanto mais íntegro for o probiótico na sua ingestão, maiores serão os benefícios à saúde. Entretanto, destaca o professor Anderson, mesmo estando mortos, esses micro-organismos mantêm efeitos benéficos à saúde. Tomando por base esse princípio, Caroline desenvolveu uma versão inativa das bactérias probióticas para ser agregada ao macarrão. Chamada de paraprobiótica, pode ser adicionada a alimentos submetidos a alta temperatura em seu processo de produção.

Carine, avaliou o uso de oito tipos de probióticos esporulados com diversos alimentos, como leite, suco de laranja, almôndega, pão, pimenta em pó e iogurte – todos capazes de suportar processos como pasteurização, cozimento, forneamento e irradiação, comuns na indústria. Entre as variedade testadas, a de resultados mais satisfatórios foi averiguada com pão, suco de laranja e iogurte em simulações com roedores e em laboratório. O objetivo era estudar os efeitos benéficos à saúde quando as bactérias esporuladas eram veiculadas por diferentes alimentos.

“Os animais que consumiram o iogurte tiveram redução de glicose de 10% e de 34% de triglicerídeos, e também mostraram indicativos de efeitos benéficos sobre a microbiota intestinal”, relata o professor Sant’Ana. Assim, há agora novas possibilidades para a indústria, “pelo fato de os probióticos tradicionais não suportarem muitos dos processos testados agora com sucesso na Unicamp”, comenta. “Os próximos passos são aprimorar ainda mais a pesquisa e aguardar o contato de empresas interessadas nas inovações do Laboratório”, finaliza.

Serviço

Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA-Unicamp)
Tel. (19) 3521-2155

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página II do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 01/03/2018. (PDF)