Pesquisa da USP cria pele humana própria para testes da indústria cosmética

Produzido em laboratório, tecido de origem natural atende à legislação e substitui o uso de animais em experimentação antes do lançamento de novos produtos

Em 2019 terminará o prazo de cinco anos dado pela Resolução Normativa 17/2014 do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), para a proibição no País de testes com animais antes do lançamento de novos cosméticos. Para cumprir a legislação federal, diminuir o sofrimento do animal e atender à indústria, um método científico alternativo é a pele humana reconstruída em laboratório.

Iniciado em 2003, e tendo recebido apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), esse projeto da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) atende, atualmente, às empresas interessadas em capacitar seus profissionais na tecnologia para a produção dos tecidos de pele humana reconstruída, de acordo com suas necessidades específicas.

Produção

Proveniente de células humanas, a pele reconstruída requer entre 10 e 30 dias para ser produzida e depois de pronta, dura até 10 dias. A tecnologia foi desenvolvida no Laboratório de Biologia da Pele da USP, grupo acadêmico coordenado pela bióloga Silvya Stuchi Maria-Engler, livre-docente em Citopatologia Clínica do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da FCF, em colaboração com a professora titular Silvia Berlanga de Moraes Barros. Além delas, a equipe tem mais uma técnica de nível médio, três alunos de graduação, quatro de mestrado, três de doutorado e quatro de pós-doutoramento.

À frente do projeto desde o seu início, a professora Silvya conta ter dedicado sua formação ao estudo de uma das estruturas das camadas da pele, a derme. Segundo ela, a partir de 2003, o Brasil, quarto maior mercado consumidor de cosméticos do mundo, seguiu tendência iniciada na Europa de abandonar a prática de testar em animais as formulações antes de lançar novos produtos – e substituir assim, a partir de marcos legais, essa experimentação por kits com tecido de células da pele humana. Com a criação do Concea, em 2008, surgiu a oportunidade para o desenvolvimento de um kit nacional do gênero, com vistas a atender às demandas da academia e da indústria de cosméticos.

Importação

O mercado internacional de kits de pele humana é liderado pelas fabricantes de cosméticos L’Oréal (francesa) e MatTek (norte-americana). A pele humana reconstruída em laboratório integra os chamados métodos alternativos previstos pela legislação e substitui, por exemplo, dois dos testes realizados pela indústria: o de Draize, de corrosão e avaliação cutânea, no qual são espalhadas substâncias no dorso raspado de coelhos albinos; e o de irritação, realizado diretamente nos olhos do roedor.

Segundo Silvya, o modelo desenvolvido pela USP, embora comparável aos comerciais, ainda carece de validação, no qual no mínimo dois laboratórios desenvolvem os testes com material de referência, usando o mesmo protocolo científico e substâncias utilizados no procedimento inicial. “Por esse motivo, as empresas e a academia também precisam importar o kit estrangeiro”, explica.

Base nacional

“Nem sempre o processo de importação é satisfatório, por se tratar de um material vivo, perecível e sujeito a problemas com prazos de liberação na alfândega”, explica Silvya. “Inclusive, para ganhar tempo, muitas vezes o fabricante nacional de cosméticos acaba testando seus princípios ativos em outros países. Essa decisão, somada a questões aduaneiras, acaba prejudicando a formação de uma cadeia econômica de produção de cosméticos no Brasil”, observa a professora.

De acordo com Silvya, não existe patente para a produção da pele humana reconstruída, “entretanto, é necessário ter uma capacidade científica e de desenvolvimento padronizada, delicada e específica”. Nesse sentido, destaca o fato de o insumo aprimorado na universidade pública estadual paulista atender a dois dos 24 métodos alternativos definidos pela Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama), também órgão ligado ao MCTIC.

Esses métodos alternativos seguem o princípio internacional dos 3Rs: Reduction, Refinement and Replacement. Nessa sigla em inglês, o primeiro R propõe reduzir o uso de animais nos procedimentos; o segundo, diminuir a dor e o estresse do animal decorrentes da experimentação; e o último, dispensar o uso de vertebrados vivos. Essa tríade, proposta pelos pesquisadores William Russell e Rex Burch na década de 1950, é considerada um marco para o uso de animais em experimentação e no desenvolvimento de métodos alternativos ao uso deles pela ciência.

Serviço

FCF-USP
Telefone (11) 3091-3631
E-mail: silvya@usp.br
Concea
Lei federal nº 11.794/2008 – Regras para o uso científico de animais
Renama

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 12/01/2018. (PDF)