Convênio da SAP com a Dersa utiliza mão de obra de egressos

Projeto iniciado em 2012 permite que eles exerçam funções como sinalizadores, pedreiros, serventes, armadores, almoxarifes

Prorrogado na última semana de janeiro, convênio da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP) com a Desenvolvimento Rodoviário S. A. (Dersa) possibilitará à empresa seguir contratando, por mais um ano, pré-egressos e egressos do sistema prisional paulista para trabalhar nas obras do trecho Norte do Rodoanel Mario Covas. Estão na mesma situação condenados que cumprem penas e medidas alternativas.

Segundo Luciano Dias, gerente da Divisão de Desapropriação e Programas Sociais da Dersa, a renovação do convênio mantém a parceria iniciada em dezembro de 2012 entre os órgãos públicos e se estenderá até fevereiro de 2018. Um mês depois, em março, se encerrará o prazo previsto para entrega do Rodoanel Norte, interligação viária da Rodovia dos Bandeirantes (SP-348), no trecho da Serra da Cantareira, na capital, com as rodovias Dutra (SP-60) e Ayrton Senna (SP-70).

Na prática

“Desde 2013, a Dersa recebeu 662 pessoas encaminhadas pela SAP – todas provenientes da região ou de locais vizinhos dos canteiros de obras. Fomos uma das primeiras empresas a recrutar egressos e lideramos, no Estado, a contratação desse pessoal. Atualmente, temos 88 deles atuando no Rodoanel Norte como sinalizadores, pedreiros, serventes, armadores, almoxarifes, entre outras funções”, conta o gerente.

Os egressos são contratados com carteira assinada e têm direito aos benefícios assegurados pela legislação. E os pré-egressos, em cumprimento de execução penal, como, por exemplo, os do regime semiaberto, não têm vínculo formal, porém, recebem salário mínimo, auxílio-transporte, alimentação e conseguem remição de pena: para três dias trabalhados, é descontado um dia da sentença.

Amparo legal

A proposta do trabalho, explica Dias, é prestar um serviço social relevante e qualificar esses cidadãos para o mercado profissional, de acordo com as determinações do Decreto estadual nº 755.126/2009 (ver serviço). Essa legislação instituiu no Estado o Programa de Inserção de Egressos do Sistema Penitenciário (Pró-Egresso) e obriga toda empresa vencedora de licitação pública a reservar, durante o período de vigência do contrato de prestação de obras e serviços ao Governo paulista, 5% das suas vagas para egressos.

“Quem chega sem qualificação, porém disposto a trabalhar, começa na sinalização de tráfego. Depois, se quiser, pode fazer curso interno, no próprio canteiro de obras, e pleitear vaga como ajudante de pedreiro, pedreiro, auxiliar de ferragem, de carpintaria ou estoquista, entre outras oportunidades”, explica Luciano.

De mãos dadas

Evaldo Barreto, diretor do Grupo de Capacitação, Aperfeiçoamento e Empregabilidade (GCAE) da SAP, aponta no Pró-Egresso a soma de diversos esforços do Estado para resgatar a dignidade e a cidadania dessas pessoas, de modo a fortalecer a reintegração delas na sociedade e evitar a reincidência criminal.

Segundo ele, a missão é identificar o perfil profissional de cada egresso, prepará-lo para o mercado de trabalho e acompanhar seu processo de ressocialização. “O programa é executado em conjunto com a Secretaria Estadual do Emprego e Relações de Trabalho (Sert), responsável pela chamada intermediação de mão de obra, isto é, fazer a ‘ponte’ com as empresas contratantes”, esclarece.

Outro viés do trabalho, informa Barreto, é apostar na qualificação profissional. Segundo ele, somente em 2016 o Pró-Egresso capacitou 10.617 egressos (82% homens e 18% mulheres). “Na verdade, essa mão de obra está disponível para qualquer empresa, vencedora ou não de licitações públicas. Basta vencer a barreira do preconceito e investir no futuro desses cidadãos e de toda a sociedade”, observa.

Parcerias

Pedagogo especialista em Educação, Barreto destaca outros parceiros na execução do Pró-Egresso, como a Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), o Sistema S (Senai, Sesc, Sesi, etc.) e o Governo federal, com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Aponta, entretanto, como um dos elos fundamentais do Pró-Egresso, a Secretaria Estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio de seu programa Via Rápida Emprego (ver serviço). Essa iniciativa promove centenas de diferentes cursos de qualificação profissional, com cargas horárias que variam de 100 a 360 horas de duração.

No Via Rápida, o conceito é formar pessoal para atender, no menor tempo possível, as buscas das empresas por profissionais. As aulas são ministradas por professores das Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) e Faculdades de Tecnologia Estaduais (Fatecs) do Centro Paula Souza, entidade também vinculada à pasta do Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Ana Camila Cáceres, coordenadora do Pró-Egresso na Sert, comenta ter hoje cadastrados 32.145 egressos no Portal Emprega São Paulo, site que traz a relação de todos egressos cadastrados à espera de uma oportunidade (ver serviço).

“Depois do contato da empresa vencedora de licitação, informo em 24 horas quantos deles têm perfil compatível com as vagas disponíveis”, aponta. “A meta é sempre encaminhar pelo menos três nomes para cada uma delas, de modo a permitir à contratante selecionar o candidato com perfil mais adequado”, explica.

Integrado

Morador do bairro do Jaraguá, zona norte da capital, José Manuel (*), de 34 anos, presta serviços desde junho de 2014 nas obras do Rodoanel. Depois de cumprir metade de sua sentença, procurou uma das assistentes sociais do Pró-Egresso para obter remição de pena e liberdade condicional.

Funcionário de uma empreiteira terceirizada pela Dersa, ele ingressou na construtora como servente, depois foi para a área de serviços gerais e, agora, é auxiliar de qualidade, atuando com os chamados frentistas e encarregados, profissionais comprometidos com a construção de túneis.

“Nunca sofri discriminação, tenho mais de 50 colegas na mesma situação que eu. Em novembro, minha pena termina, no entanto, gostaria de continuar empregado e ser promovido a inspetor de qualidade para ganhar mais. Sonho concluir o curso de Direito e advogar nos próximos anos – já estou no terceiro ano”, revelou.

(*) nome fictício

Serviço

Programa Pró-Egresso
Decreto Estadual nº 55.126/2009
Via Rápida Emprego

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 15/02/2017. (PDF)

Penas alternativas são opção de ressocialização em São Paulo

Instituída há 20 anos, a punição com viés educativo e sem encarceramento auxilia na reinserção social

Neste ano, em setembro, o Estado de São Paulo completará 20 anos da adoção de penas e medidas alternativas em seu território. Neste período, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP) encaminhou 150 mil infratores para cumprirem esse tipo de sentença.

Conhecidas pelo nome técnico de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), as penas alternativas são opção recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao encarceramento. Elas podem ser prescritas nas Varas de Execução Penal para delitos de menor gravidade, sem violência e dolo. Instituídas pela Lei federal nº 7.209/1984 (ver serviço) fortalecem, entre outras questões, a ressocialização dos condenados e a preservação de seus vínculos familiares.

Segundo Márcia Antonietto, da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da SAP, aproximadamente 137,5 mil apenados já cumpriram suas sentenças. Hoje, 12,5 mil trabalham em hospitais, escolas, asilos, hemocentros, repartições públicas, igrejas, organizações não governamentais (ONGs), etc. “Deixando o preconceito de lado, cerca de 4,9 mil instituições cadastradas na SAP os colocam para atuar com o seu pessoal e se beneficiam do empenho deles”, analisa.

Pioneirismo

O juiz Paulo Sorci é um dos pioneiros na adoção de penas de PSC no Estado. Em 2002, ele e o desembargador Miguel Marques e Silva criaram a primeira Central de Penas e Medidas Alternativas (CPMA) da capital, sediada no Fórum da Barra Funda, zona oeste. Na avaliação do magistrado, embora sejam educativas e úteis à sociedade, as penas de PSC servem apenas para delitos de baixo potencial ofensivo, como falsificações, furtos, pichações, entre outros ilícitos.

Sorci sublinha o fato de não existirem no Brasil estudos consolidados sobre a reincidência de quem cumpre pena de PSC, porém constata ser “muito baixa a tendência de eles virem a cometer delitos novamente”, observa. Uma das explicações, segundo o magistrado, é o fato de a SAP possibilitar à Justiça acompanhar e fiscalizar o cumprimento da pena semanalmente. “A união de todos os elos do Estado com os da sociedade é fundamental e decisiva para o sucesso das penas de PSC”, avalia.

Integração

Diretora do Departamento de Penas e Medidas Alternativas da SAP, Márcia coordena o trabalho das 67 CPMAs do Estado, cuja distribuição geográfica atende a todas as regiões paulistas. As centrais são integradas por equipes com assistentes sociais e psicólogos e, além de identificar habilidades, procuram indicar ao apenado uma instituição próxima de sua residência. Depois de encaminhado, cada apenado se apresenta na entidade e não precisa informar a ninguém qual delito cometeu.

“Cerca de 82% deles são homens e a maioria não tem curso superior. Assim, acabam sendo direcionados para serviços gerais, como de limpeza, pintura, cozinha, escritório, atendimento, manutenção hidráulica, predial, etc.”, observa Márcia. Se faltar ao compromisso da PSC, o apenado deve apresentar justificativa prévia e não pode fazer isso mais do que duas vezes. Em ambas, a falta deve ser reposta.

Segundo ela, o site da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania traz contatos (telefone, e-mail, endereço) de todas as CPMAs. Juiz interessado em pedir a instalação de uma central em sua comarca pode solicitar à SAP estudo técnico de viabilidade.

Os representantes legais de ONGs ou de instituições dispostas a receber condenados para trabalhar em suas atividades devem comparecer à CPMA mais próxima de seu endereço para se informar a respeito. O cadastramento pode ser concluído em menos de uma semana (ver serviço).

Surpresa

Desde janeiro de 2015, o ex-motoboy Carlos Nunes (*), de 46 anos, morador do Campo Belo, zona sul da capital, cumpre pena de 1,1 mil horas (3,5 anos) de PSC em um hospital público municipal do bairro vizinho, Jabaquara. Punido por adulterar a placa de sua moto, ele foi detido em flagrante em 2002. Foi julgado e condenado em 2014. Por ser réu primário, pôde cumprir PSC em vez de ser preso.

Toda terça-feira, das 9 às 16 horas, Nunes auxilia na triagem e recepção de pacientes do centro de saúde. “A vizinhança é muito carente, muitas famílias têm nesse hospital a única opção de atendimento”, diz. Hoje, habituado à atividade, conta ter tido apoio e compreensão do antigo patrão no cumprimento da decisão judicial. “Ele foi solidário, até me confidenciou ter familiares que também haviam cumprido PSC.”

Voluntário

Em dois anos, Nunes fez diversas amizades no hospital, com ortopedistas, enfermeiros e outros apenados como ele, como um dono de padaria (condenado por causa de peças de mortadela apreendidas pela Vigilância Sanitária) e um pastor evangélico (envolvido em uma briga de trânsito). Nesse período, também mudou de profissão e trabalha, agora, como auxiliar veterinário, ajudando a castrar cães, gatos, coelhos e pequenos animais domésticos.

Na unidade de saúde, J.H.K. nunca escondeu o motivo pelo qual estava lá. Ele cumpriu mais de um terço da pena e já pode solicitar indulto, isto é, a suspensão da PSC. Mas nem pensa em fazer isso. “Por estar cumprindo a penalidade, não consegui o cadastro na prefeitura para trabalhar como taxista. Gosto muito do trabalho, aprendi demais no centro de saúde. Quando acabar o período legal, quero continuar atuando como voluntário”, observou.

(*) Nome fictício

Serviço

Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP)
Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da SAP
Telefone (11) 3107-1113

Lei federal nº 7.209/1984

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 31/01/2017. (PDF)