Parceria entre Estado e município permitiu aos ateliês locais contratarem estudo técnico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas para identificar matérias-primas e definir processos
Aproveitar o ferramental do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para subsidiar com laudos técnicos o desenvolvimento da cerâmica artística de Cunha, cidade paulista do Vale do Paraíba considerada o maior polo produtor da América Latina de utensílios domésticos e esculturas utilizando a técnica do forno a lenha japonês Noborigama. Nesse modo de produção, um conjunto de câmaras interligadas e dispostas em degraus ascendentes queima as peças na temperatura média de 1.350°C e imprime em cada uma delas beleza e singularidade ímpares.
Responsável pela capacitação, o geólogo Marsis Cabral Junior, da Seção de Recursos Minerais e Tecnologia Cerâmica, destaca o pioneirismo do projeto iniciado em julho e concluído em dezembro do ano passado.
Desde a década de 1980, o IPT auxilia processos industriais de olarias e cerâmicas de todos os portes do Estado, setor econômico cuja matéria-prima principal é a argila utilizada na fabricação de telhas e tijolos. “Dessa vez, inovamos. Orientamos oleiros que trabalham com a extração das matérias-primas nas margens dos rios e analisamos os processos de fabricação das peças de ateliês e de artistas ligados ao Instituto Cultural da Cerâmica de Cunha (ICCC)”, comenta o geólogo.
Inovar
A equipe destacada para atuar no Arranjo Produtivo Local (APL) de Cunha teve a participação de cinco pesquisadores e dois técnicos do IPT. Uma das figuras-chave do grupo foi a artista plástica Amanda Magrini. Segundo ela, o projeto permitiu aprimorar a qualidade das matérias-primas e tornar mais eficientes as etapas de produção. “A tecnologia repassada também ampliou as possibilidades criativas dos ceramistas, como meios para criarem novas cores e esmaltes”, revela.
O ponto de partida da equipe foi coletar amostras de argila, caulim e feldspato, as principais matérias-primas da cerâmica artística, além de darem a indicação de fontes delas para os extratores. As etapas seguintes foram as caracterizações laboratoriais (químicas, mineralógicas e cerâmicas) dos materiais e a análise, nos ateliês, dos processos nos fornos. O trabalho foi finalizado com a realização de duas oficinas de apresentação do laudo final e do mostruário com as matérias-primas coletadas e as massas desenvolvidas. Esses encontros foram coordenados pela equipe do IPT para os artistas e munícipes.
Evoluir
Radicado no Brasil, o português Alberto Cidraes, de 72 anos, foi para o Japão em 1970 para conhecer e estudar a técnica Noborigama. Cinco anos depois, trouxe para Cunha a tecnologia de montagem dos fornos e, com seis ceramistas, iniciou a produção local. Gradativamente, essa atividade ganhou repercussão e atraiu o interesse de outros profissionais, que se mudaram para Cunha para se aprimorar na técnica asiática.
“Somente uso nas minhas criações argilas e matérias-primas extraídas na cidade. Boa parte do conhecimento adquirido sobre o forno Noborigama foi obtida empiricamente, veio da observação e da repetição dos processos ao longo dos anos”, revela Cidraes. Segundo ele, o IPT indicou aos ceramistas testes simples e rápidos de técnicas de campo e laboratoriais capazes de conferir aos artistas mais controle sobre suas criações.
“Cada peça produzida é única e exclusiva”, explica. “A coloração da cerâmica Noborigama é uma qualidade muito apreciada e reconhecida pelos compradores”, diz. E complementa: “A caracterização do contexto geológico e das composições químicas e mineralógicas realizada pelo IPT foi importante, pelo fato de a mistura de matérias-primas permitir variedades infinitas de massas e esmaltes”.
Também merece destaque, de acordo com o ceramista, a identificação de componentes incapazes de suportar altas temperaturas. “Aprender a controlar a entrada de oxigênio nos fornos foi outra dica fundamental. Esse gás aumenta as cinzas das lenhas nas câmaras e provoca mudanças nos tons das peças”, observou.
Cursos
Em 2009, Cidraes e os ceramistas da cidade fundaram o Instituto Cultural da Cerâmica de Cunha (ICCC), e ele foi o primeiro presidente da entidade. O grupo congrega os ateliês locais e oferece cursos de cerâmica para os jovens da região, com o objetivo de incentivar a população a aprender as técnicas da cerâmica artística, além de estabelecer parceria com escolas, artistas e prefeitura.
No ano passado, a entidade solicitou à prefeitura que contratasse o IPT para a caracterização da cerâmica de Cunha. Orçado em R$ 224 mil, o projeto foi realizado no âmbito do Programa de Apoio Tecnológico aos Municípios (Patem) da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SDECTI).
O Patem atende cidades de pequeno e médio portes em questões relacionadas ao uso do solo, recursos minerais, água subterrânea, infraestrutura pública, distritos industriais, serviços e dinâmica socioeconômica regional. Em alguns projetos, o Governo paulista pode financiar até 100% dos custos. Em outros, a contrapartida do município é calculada considerando o Índice de Participação dos Municípios (IPM), definido pela Secretaria Estadual da Fazenda.
Turismo, presente!
Distante 225 quilômetros da capital, a estância climática de Cunha tem área de 1,4 mil quilômetros quadrados e abriga 22 mil habitantes. A maioria reside na zona rural, em sítios localizados na divisa dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Além do Arranjo Produtivo Local (APL) da cerâmica artística, a cidade turística com clima de montanha é a primeira em produção de pinhão no Estado e concentra a maior frota de fuscas do Brasil.
O território de Cunha abriga partes dos núcleos Cunha-Indaiá e Santa Virgínia, do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), ambos de mata atlântica nativa. Ele é cortado pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina e pela Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio Paraíba do Sul.
Serviço
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)
Programa de Apoio Tecnológico aos Municípios (Patem) do IPT
Telefone (11) 3767-4640
E-mail – marsis@ipt.br
Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial
Reportagem publicada originalmente na página IV do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 04/03/2017. (PDF)