Empresa incubada na USP aposta na luz para vencer a dor

Sem contraindicações e efeitos colaterais, curativo a laser criado por pesquisador do Instituto de Física deve chegar ao mercado em 2017; dispositivo ‘vestível’ acelera a reabilitação de pacientes

Aproveitar as possibilidades terapêuticas do raio laser para criar um produto pioneiro no Brasil na área de reabilitação médica. Essa é a proposta do pesquisador Marcelo Sousa, doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e fundador da empresa de tecnologia Bright Photomedicine.

Batizado de Light-aid, o curativo à base de luz tem baixo custo e não apresenta contraindicações ou efeitos colaterais. O protótipo está em desenvolvimento, com lançamento previsto para o ano que vem. A princípio, o público-alvo são hospitais e clínicas de ortopedia e fisioterapia e será necessária capacitação de oito horas para o profissional da área da saúde aprender a usar o aparelho.

Financiada pelo Pipe-Fapesp, a empresa ficará incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) até o final de 2017. Associação civil sem fins lucrativos de direito privado instalada na Cidade Universitária, Butantã, capital, a incubadora é uma parceria da USP com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Menos dor

Testado com sucesso em camundongos e patenteado, o curativo está sendo avaliado em humanos. O equipamento une hardware e software em um dispositivo ‘vestível’ (tecnologia capaz de medir funções corporais, por exemplo), usado diretamente sobre a pele. O aparelho de fotoneuromodulação emite ondas de comprimento adequado ao corpo humano e estimula a analgesia de modo natural, ao atuar em neurotransmissores ligados à condução do sinal doloroso.

Com exceção dos olhos, o novo recurso terapêutico pode ter contato com diversas áreas do corpo, acelerando a recuperação de pacientes de idades e perfis variados. São recomendadas até duas aplicações diárias de dez minutos, aliviando dores inflamatórias, como, por exemplo, aquelas associadas ao reumatismo e outras de viés crônico, neuropático, pós-cirúrgico ou decorrentes de traumas.

“A luz artificial estimula diretamente os neurônios, diminuindo a dor e permitindo reduzir dosagens de analgésicos e outros medicamentos”, acrescenta o pesquisador. Ele explica que o passo seguinte será colocar no mercado uma versão doméstica do dispositivo, que será alimentado por bateria e controlado de modo autônomo e sob medida em um aplicativo instalado no celular do paciente.

Parceiros

O pesquisador conta que a possibilidade de empreender surgiu do fato de ter dedicado sua pós-graduação integralmente às áreas de física médica e fotomedicina, tendo sido orientado pela professora Elisabeth Yoshimura, do Instituto de Física da USP.

Em 2013, na Harvard Medical School, em Boston (Estados Unidos), o físico conheceu a experiência de um colega e se inspirou nela. O também empreendedor brasileiro havia criado um dispositivo que, acoplado a um celular, permite fazer exames de vista com a câmera do smartphone. “Em vez de repassar a tecnologia, segui o mesmo caminho e montei o meu negócio”, revela o cientista, de 29 anos de idade.

A disposição de empreender o aproximou de outros universitários. Da USP, a empresa tem em seus quadros Naira Bonifácio, sócia e CEO da empresa (formada em marketing), Nathali Cordeiro, especialista clínica (fisioterapeuta), e os graduandos João Santos (de Física) e Gabriel Capella (de Ciência da Computação). O cientista da computação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e responsável pela modelagem de dados, Flávio Sousa, completa a equipe.


Pipe-Fapesp: um programa de sucesso

O pesquisador Marcelo Sousa classifica o programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), como um dos melhores do mundo no apoio à criação de negócios de base tecnológica.

Desde 1997, o Pipe apoiou mais de 1,6 mil projetos privados com até 250 empregados no Estado. Cada um pode ser desenvolvido por pesquisadores com vínculo empregatício com a empresa ou a elas associados para sua realização.

“Se recusado, um projeto pode ser reinscrito na chamada seguinte do programa, três meses depois”, comenta Sousa. “Basta o interessado cumprir as recomendações de aperfeiçoamento indicadas pela Fapesp, que podem ser de caráter científico, estrutural ou mercadológico, entre outras possibilidades”, explica.

Fases

Em julho de 2014, o pesquisador submeteu ao Pipe o projeto de criação de sua empresa. Pediu R$ 200 mil, o limite máximo da chamada Fase 1, na qual deve ocorrer, em até nove meses, a demonstração da viabilidade tecnológica do produto ou do processo.

Em outubro teve aprovado o repasse de R$ 170 mil para instalar a empresa. Em maio de 2015, os recursos foram liberados. Pretende solicitar agora financiamento de um milhão de reais (teto da Fase 2). Nessa etapa, o objetivo é desenvolver o produto ou processo, em até no máximo dois anos.

Na Fase 3, a última, a empresa deve ter concluído o desenvolvimento comercial e industrial do produto ou do processo e deverá obter os recursos financeiros no mercado ou em agências de financiamento. Eventualmente, a Fapesp lança editais – com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e outros órgãos – para o financiamento específico nesta etapa.

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 30/01/2016. (PDF)

Tecnologia reproduz movimentos humanos

Aluno da USP de São Carlos cria braço mecânico com tecnologia que capta e imita ações a distância e em tempo real; pesquisa conquistou prêmio internacional

Vinícius Fernandes, aluno do curso de Engenharia Mecatrônica, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), desenvolveu protótipo inédito de sensoriamento de movimentos. Laureada com prêmio internacional, a tecnologia é capaz de identificar com precisão movimentos humanos realizados em qualquer direção e intensidade – e reproduzi-los, de modo imediato e natural, em um braço robótico equipado com uma garra mecânica na ponta.

Batizada de Wearable Interface for Teleoperation of Robot Arms (WITRA), a ferramenta tem, a princípio, aplicações nas indústrias aeronáutica, automotiva e em linhas de montagem de diversos tipos de equipamentos. A garra pode ser manejada a distância, permitindo ao operador, por exemplo, levantar e transportar peças ou componentes para locais predeterminados. Ela também consegue memorizar e reproduzir sequências de movimentos.

Produzida em dez meses, a invenção foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Vinícius, de 22 anos, que está se formando. A pesquisa aborda diversos conceitos da Mecatrônica, ao mesclar técnicas das engenharias de computação, elétrica e mecânica. Ela foi desenvolvida com orientação do docente do Departamento de Engenharia Mecânica da EESC-USP, Glauco Caurin.

Simplificação

O trabalho rendeu a Vinícius o segundo lugar e um prêmio no valor de US$ 10 mil na Toradex Design Challenge, concurso mundial de desenvolvimento de componentes mistos de informática e robótica – promovido por um fabricante suíço de computadores. O estudante recebeu o cheque simbólico em solenidade realizada no mês passado, na sede da Agência USP de Inovação, na capital.

Com sensores fixados no braço, antebraço e mão do operador, o WITRA é um scanner de corpo com interface intuitiva, concebido para usuários destros ou canhotos. O dispositivo ‘vestível’ captura movimentos do ombro, cotovelo e punho e os retransmite, sem fio e em tempo real, para o braço mecânico. “A meta foi simplificar ao máximo a operação, ‘escondendo’ do usuário a programação e oferecendo-lhe total liberdade de movimentos”, explica o universitário.

Eficácia

O dispositivo possibilita a criação de padrões recomendados para a execução de uma tarefa específica. Como exemplos, Vinícius cita a inclinação e a pressão ideal para a aplicação de um ponto de solda em uma chapa ou, ainda, o encaixe da fuselagem de um avião em seu corpo e mais a quantidade ideal de voltas a serem dadas na fixação de um parafuso por uma chave de fenda robótica.

“Outro conceito incorporado é o de aproveitar o talento e a perfeição humana para realizar uma tarefa com o máximo de eficácia e assim definir um padrão de execução para o procedimento – e depois usar a inteligência artificial embarcada para repeti-lo infinitamente nas linhas de montagem”, observa.

Ex-intercambista da Universidade de Nova York, o estudante Vinícius pretende patentear seu dispositivo vestível e avançar no projeto de montar uma start-up, tendo a mecatrônica como área tecnológica básica de sua empresa. Ele informa que a descrição técnica e a operação do WITRA podem ser conferidas em vídeos (em inglês) que ele mesmo apresenta no YouTube e também no site da competição (ver links em serviço).

Ilimitado

Coordenador do Laboratório de Manipulação Robótica da EESC-USP, o professor Caurin apresentou a Vinícius diversos cenários possíveis para o desenvolvimento do dispositivo vestível. Ele credita ao universitário o mérito pelo trabalho, “por sua capacidade de compreender rapidamente questões complexas e por sua habilidade para achar e propor soluções possíveis”, destacou.

Na sua avaliação, o estudo integra a nova tendência da robótica mundial cuja proposta é aumentar a segurança e produtividade dos projetos e, ao mesmo tempo, diminuir riscos para operadores, máquinas e instalações. “A maioria dos robôs funciona hoje cercada por grades, pelo fato de ‘desconhecerem’ o que há a sua volta. Assim, ao oferecer controle total ao operador, a pesquisa avança mais um passo”, esclarece.

Reabilitação

Caurin aponta mais usos para o dispositivo vestível, como a recuperação de pacientes com perdas da capacidade de movimento. O conceito da ‘fisioterapia do futuro’ é o mesmo de um jogo de videogame. Os exercícios iniciais de reabilitação com o equipamento, assim como as primeiras fases do game, são simples e a máquina auxilia a execução.

“Gradativamente, com a recuperação da capacidade muscular, os desafios para o paciente vão ficando mais complexos – a máquina deixa então de ajudar e passa a atrapalhar, como quando se deixa de usar uma tipoia ou muleta”, explica.

O professor cita mais possibilidades, como, por exemplo, aproveitar a tecnologia em robôs antibombas, neutralizar artefatos suspeitos a distância. Ou, ainda, utilizá-la em outras situações de risco – fazer reparos em altos-fornos (em siderúrgicas) ou em estruturas submarinas, como plataformas de extração de petróleo e de pré-sal, localizadas em profundidade superior a 200 metros, local impossível de ser atingido com segurança por um mergulhador.

Serviço

Wearable Interface for Teleoperation of Robot Arms (WITRA)
Toradex Design Challenge

Rogério Mascia Silveira
Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

Reportagem publicada originalmente na página III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 01/07/2015. (PDF)