O carro que dispensa motorista

Projeto desenvolvido por pesquisadores da USP São Carlos cria veículo para ser conduzido de modo autônomo, com o uso de computadores

Imagine a cena: um carro de passeio comum, com passageiros, segue rota predefinida por ruas e rodovias e trafega em velocidade segura, sem sobressaltos. Detalhe: sem motorista no volante. Se algum pedestre ou animal se aproximar, o veículo reduz a velocidade de modo suave até parar totalmente e aguardar a passagem. Se a via estiver interrompida por um obstáculo, como uma árvore caída, a rota será recalculada e retomada por caminho alternativo.

Não é ficção. Estas são algumas das características presentes no Carina II, sigla que identifica o Carro Robótico Inteligente para Navegação Autônoma. Iniciado em 2009, o projeto é do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC).

Um dos objetivos do trabalho desenvolvido no Laboratório de Robótica Móvel (LRM) é prevenir acidentes e aumentar a eficiência do trânsito em geral. Assim, são realizadas simulações e provas de campo com veículos e computadores capazes de analisar todo o ambiente ao redor do veículo e também acelerar, diminuir a marcha, frear e esterçar as rodas, entre outras atividades.

O primeiro projeto dos cientistas de São Carlos foi o Carina I, carrinho elétrico para campo de golfe com controle 100% autônomo, considerado o mais avançado criado no Brasil. Funciona com a indicação de pontos de GPS (satélite). A partir deles, o computador mapeia o terreno e identifica ruas, guias e calçadas para executar a rota. Por ser menor e ter mecânica mais simples que o Carina II, ainda é utilizado em muitas pesquisas e situações.

Repasse de tecnologia

A pesquisa com sistemas embarcados críticos em veículos autônomos envolve dezenas de professores e alunos de graduação e pós. Os custos são financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A empresa Jacto, de máquinas agrícolas, também apoia o projeto. E já usa em seus produtos algumas das tecnologias desenvolvidas em São Carlos, em tarefas como pulverização e limpeza de terrenos.

De acordo com os professores Fernando Osório, Denis Wolf e Valdir Grassi Júnior, docentes do ICMC-USP e responsáveis pelo projeto, a ideia é beneficiar a inovação tecnológica no Brasil. A meta é favorecer a segurança dos veículos atuais, a partir dos muitos dispositivos que estão sendo testados. Com esse tipo de veículo será possível facilitar a vida de motoristas idosos e pessoas com deficiência.

Para os professores, outra ideia é estimular as montadoras de automóveis instaladas no País a terem centros nacionais de pesquisa e desenvolvimento.

Criatividade e dedicação

As atividades com o Carina II começaram no final de 2011, com a compra de um Palio Adventure. A escolha do modelo considerou algumas características essenciais para a pesquisa, como direção hidráulica, aceleração eletrônica, câmbio automático e suporte superior para instalação de sensores. Também era imprescindível haver espaço suficiente para abrigar diversos equipamentos envolvidos com o controle autônomo.

O passo seguinte foi encontrar um profissional capaz de preparar o veículo para o trabalho acadêmico, sem descaracterizá-lo como carro de passeio convencional. Ou seja, permitir dois modos distintos de controle: o tradicional, com motorista; e o autônomo, guiado pelos computadores.

Segundo os pesquisadores, estas adaptações vão além da formação acadêmica deles, por serem em sua maioria cientistas de computação. Quem vem conseguindo tal ‘proeza’ é o mecânico Carlos Alberto Griffo, funcionário da Fiat e dono de oficina em São Carlos. E a cada novo tipo de teste a ser feito, novas adequações são necessárias, pelo fato de o trabalho ser artesanal e exigir muita criatividade.

Os próximos passos com o Carina II são desenvolver um sistema de auxílio ao motorista, para atuar como copiloto, e identificar e notificar situações de risco iminentes. O conjunto todo, incluindo o veículo e equipamentos, custou R$ 180 mil. E muitas das experiências feitas com os dois veículos podem ser conferidas em vídeos publicados no site do projeto.

Na chuva e no escuro

Os dois principais equipamentos acoplados no Palio Adventure são um motor elétrico suíço que vira o volante nas manobras e um conjunto de câmeras e sensores de movimentos importado dos Estados Unidos e instalado no teto. A aceleração e frenagem são eletrônicas, controladas por computador, e dispensam equipamentos para pressionar os pedais.

Com 100 metros de alcance e contemplando todas as direções, a câmera principal dá dez giros por segundo por meio de 32 feixes de lasers infravermelhos e identifica em tempo real 700 mil pontos no ambiente com precisão de centímetros. Superior à visão humana, o sistema reconhece tudo que estiver ao redor do veículo.

Funciona de dia ou de noite do mesmo modo, independentemente das condições climáticas. Assim, em fração de segundo consegue distinguir moto, árvore, caminhão, pedestre, carro, animal, caçamba, etc. E a partir daí tomar decisões, de acordo com as informações armazenadas na memória do sistema, sobre qualquer tipo de obstáculo fixo ou móvel.

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente na página I do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 23/05/2012. (PDF)

Brasil ganha rede nacional de institutos de ciência e tecnologia de ponta

A nova rede vai reunir as universidades estaduais paulistas, centros de pesquisa, instituições nacionais e internacionais, em busca de conhecimento e aprimoramento tecnológico

Com o objetivo de produzir conhecimento e inovação em áreas estratégicas, o Brasil dá os primeiros passos na formação de institutos nacionais de ciência e tecnologia. A nova rede congrega as universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e de outros Estados, instituições federais, agências de fomento e centros de pesquisa de todo o Brasil.

Essas redes vão contribuir para a formação de profissionais qualificados para atuar no meio acadêmico e no mercado. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), está investindo R$ 600 milhões no projeto.

A iniciativa substitui os antigos institutos do milênio e até agora foram criadas 112 novas unidades no País: 37 no Estado de São Paulo. Áreas estratégicas para o território nacional, como informática, comunicação, saúde, biotecnologia, meteorologia, nanotecnologia, petróleo, gás, biocombustível, espacial, nuclear, biodiversidade, recursos naturais e desenvolvimento social e agropecuário são o foco imediato da iniciativa.

Nos institutos paulistas, a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) financiou metade do investimento e é parceira do CNPq na rede nacional, que reúne docentes da USP, Unesp e Unicamp. A USP foi o centro acadêmico que mais recebeu institutos até agora. No total são 17, quatro deles instalados no campus de São Carlos.

Grupos internacionais

Um dos destaques é o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia na área de Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC). Sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos, o grupo de pesquisa foi idealizado em novembro de 2008 e reúne desde sua fundação, no mês de março, cem cientistas de universidades estaduais como USP, Unesp, PUC-RS e Maringá- PR e federais (do Amazonas, de Goiás e de São Carlos).

A coordenação dos trabalhos do INCT-SEC é do professor José Carlos Maldonado, vice-diretor do ICMC. Recém-criado, já tem parcerias firmadas com a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e acordos de cooperação científica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Até 2011, o instituto receberá R$ 4,5 milhões. Os primeiros resultados do trabalho do INCT-SEC estão previstos para o final de 2010. A proposta principal é aprofundar estudos nos chamados sistemas embarcados críticos no Brasil, firmar parcerias com grupos internacionais e dar continuidade a pesquisas em andamento no ICMC, como as experiências com veículos autônomos (aéreos e terrestres).

A primeira atividade do INCT-SEC foi um workshop realizado em abril, em São Carlos. O grupo de pesquisa está instalado nas dependências do ICMC, mas em 2012 mudará para a sede definitiva, a ser construída no Parque Ecotecnológico de São Carlos.

Cooperação alemã

O professor Dieter Rombach, diretor da área de tecnologia da informação do Instituto Fraunhofer (Alemanha), visitou São Carlos na primeira quinzena de março. Na oportunidade, conheceu as pesquisas do ICMC com sistemas embarcados críticos em veículos autônomos e anunciou, para breve, parceria com o INCT-SEC.

“Em Salvador (BA), o governo estadual aportou recursos para criar um Centro Fraunhofer na Universidade Federal da Bahia (UFBA)”, informa o professor José Carlos Maldonado. “E há forte possibilidade de se instalar uma unidade também em São Carlos”, completou o docente do ICMC, que é também presidente da Sociedade Brasileira de Computação.

O Instituto Fraunhofer foi criado em 1949. Voltado à inovação, aproxima a universidade da indústria e procura transformar o conhecimento produzido no meio acadêmico em novos serviços e produtos. A meta é conferir impacto social ao investimento feito em ciência e gerar renda e empregos para a sociedade.

No modelo de parceria proposto, o grupo europeu aporta o mesmo valor que o governo e as empresas locais nos projetos de pesquisa. Cada posto montado fora da matriz alemã tem prazo de três anos para atingir as metas. Após esse período, se a iniciativa for bem-sucedida será finalmente constituída a filial do Fraunhofer e termina o aporte estrangeiro de dinheiro na unidade, que passa a operar com recursos próprios.

No momento, o INCT-SEC procura parceiros para financiar o escritório do Fraunhofer em São Carlos. A verba a ser investida poderá vir de agências de fomento, empresas e governos municipal, estadual ou federal. “A expectativa é repetir no Brasil a experiência norte-americana: uma rede de Centros Fraunhofer bem-sucedida”, destaca o professor.

Inteligência artificial

A proposta principal dos sistemas críticos embarcados é comandar veículos (avião, carro, submarino, satélite e balão) e dispositivos eletroeletrônicos embarcados, como telefone celular, videogame, equipamentos médicos e de monitoramento remoto. Podem inclusive integrar eletrodomésticos e componentes de alta tecnologia.

Os sistemas críticos embarcados são soluções completas de informática. Incluem o projeto e o design dos componentes de hardware (placas, circuitos, dispositivos autônomos) e o desenvolvimento dos softwares (programas de computador) próprios. São capazes de tomar decisões e executar tarefas a partir de conceitos de inteligência artificial.

Os testes com os sistemas são feitos com protótipos (modelo construído em escala menor para reduzir custos e riscos). Os dois mais avançados do INCT-SEC surgiram de pesquisas do ICMC: um veículo aéreo não tripulado (Vant), projeto cuja tecnologia foi repassada à indústria e transformado em aplicação comercial e um veículo terrestre autônomo, ainda em fase de desenvolvimento.

O estudo com o Vant começou em 1999, por iniciativa do professor Onofre Trindade Junior. O avião integrou o antigo Projeto Arara (Aeronaves de Reconhecimento Assistidas por Rádio e Autônomas), parceria da USP com a Embrapa finalizada em 2005.

Ajuda do céu

Hoje, o avião tem patentes depositadas e é comercializado. Funciona sem piloto e tripulação e se orienta por satélite (GPS). Tem custo de R$ 90 mil, fotografa e filma áreas rurais em tempo real e oferece imagens em alta resolução. Voa de modo autônomo a partir de rotas predefinidas e também pode ser controlado como aeromodelo (via rádio).

O Vant é movido a gasolina de aviação convencional e pode voar até duas horas sem reabastecer. No modo autônomo é possível programar altitude, percurso e área a ser sobrevoada e fotografada.

Caso o avião atravesse uma zona de turbulência e se desvie da rota original prevista, o sistema embarcado que comanda a aeronave se orienta pelo GPS e corrige automaticamente a trajetória. É o mesmo princípio usado por mísseis teleguiados para atingir alvos intercontinentais. No voo com rota programada, o avião é calibrado para desempenhar tarefas específicas, como, por exemplo, sobrevoar e mapear plantações.

Suas imagens possibilitam ao produtor identificar quaisquer objetos entre a aeronave e o solo. E, ainda, verificar a presença de pragas, espécies invasoras, e se alguma planta cresce abaixo do padrão esperado.

A informação vinda dos céus auxilia o produtor a traçar diagnóstico preciso de seus campos e permite economizar recursos com fertilizantes e defensivos. O avião já foi usado com sucesso em lavouras de milho e soja e pode ser adaptado para atuar com outras culturas e diferentes missões.

Preservação ambiental

A decolagem do Vant é feita a partir de um carro em movimento. A aeronave fica posicionada numa base afixada na capota e, quando o veículo terrestre atinge a velocidade de 60 quilômetros por hora, um sensor especial no nariz do avião inicia a decolagem.

A autonomia de voo é de até três horas. Se for necessário o avião pode carregar até 12 quilos de peso e aterrissar com paraquedas no meio da plantação. Seu sistema de navegação inclui base que acompanha o voo e recebe em tempo real as imagens e demais dados transmitidos.

A tecnologia dos sistemas embarcados críticos do Vant foi patenteada e repassada para a AGX Tecnologia, empresa parceira sediada em São Carlos. De acordo com Luciano Néris, ex-estudante do ICMC e gerente de projetos da AGX, a aeronave recebeu o nome comercial de AGplane e está disponível para venda ou aluguel (interessados devem acessar o site da empresa – ver serviço).

“As possibilidades de monitoramento aéreo rural e urbano são muitas. A Marinha brasileira já o utiliza em exercícios de treinamento de tiro, mas é possível também fiscalizar e vigiar áreas de preservação ambiental, fronteiras e mapear recursos hídricos, geológicos e ecológicos”, informa Néris.

O Vant desenvolvido na USP tem custo de fabricação menor que os aviões convencionais que geram imagens aéreas. Outras vantagens: voar em baixas altitudes e em espaços reduzidos; e dispensar pista especial para pousar e decolar – o procedimento pode ser feito em qualquer estrada de terra. “E por não ser tripulado tem potencial de poupar a vida de pilotos em regiões de selva fechada e sujeitas à artilharia”, destaca.


Carro autônomo tem várias aplicações

Os professores Denis Wolf, Eduardo Simões e Fernando Osório são os responsáveis pelo protótipo dos veículos terrestres autônomos em desenvolvimento no ICMC. Elétrico e equipado com sensores capazes de identificar obstáculos e mapear todo o terreno ao redor com imagens tridimensionais, o veículo se desloca por todas as direções sem choques ou capotamentos.

A pesquisa foi iniciada no começo de 2009 e tem parceria de professores de Mecatrônica da Escola de Engenharia (EESC) da USP São Carlos e da Politécnica. O protótipo custou R$ 40 mil e os resultados obtidos ainda são preliminares, porém suficientes para atrair o interesse de uma montadora de carros instalada no Brasil.

A multinacional está firmando parceria com a USP de São Carlos, por meio da EESC, e doou um carro top de linha. O veículo será usado nas pesquisas desenvolvidas em parceria com os professores da EESC, do ICMC e demais pesquisadores do INCT-SEC.

Outras perspectivas de uso são adaptar os sistemas de controle inteligentes dos veículos terrestres para desenvolver uma cadeira de rodas inteligente à prova de quedas e de colisões e capaz de receber comandos de voz. Também se cogita utilizar essa tecnologia como robô, para orientar o trânsito de pedestres e carros em cruzamentos de ruas e avenidas.

Por fim, há a possibilidade de uso militar. A ideia é reaproveitar o sistema embarcado usado no carro para equipar um robô antiminas, capaz de transitar em campos com explosivos, detectar e desarmar armamentos. O objetivo é usá-lo em países assolados por conflitos. Em Angola, por exemplo, mesmo com a guerra civil terminada, a população ainda é ameaçada pelas minas enterradas na época da guerra.

Serviço

ICMC-USP
AGX Tecnologia

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 20/05/2009. (PDF)