Caverna Digital da USP comanda estudo da realidade virtual no País

Aplicações incluem telemedicina, prospecção de petróleo em águas profundas e construção de um planetário interativo em 2005

A Caverna Digital da USP é o principal centro de pesquisa e desenvolvimento em realidade virtual (RV) da América Latina. É uma iniciativa do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP, iniciada em março de 2001 que investe na criação de sistemas interativos e de imersão. Um dos objetivos é transferir o conhecimento adquirido para governos e empresas. As atividades são centralizadas na Cidade Universitária, na capital.

A RV é um conceito vasto e compreende três áreas principais – visualização, computação de alto desempenho e transmissão de dados em alta velocidade. Hoje, ela tem aplicações em telemedicina, TV digital e também em áreas como engenharia (naval, oceânica, mecânica, civil, automobilística e eletrônica), medicina (simulações cirúrgicas, estudos em anatomia), ciências básicas (astronomia, astrofísica, biologia e química), pedagogia (jogos interativos educativos), arquitetura (maquetes virtuais), entretenimento, (roteiros imersivos e interativos e estudos em imagens de alta resolução).

Diferentes segmentos empresariais brasileiros já utilizam e fazem economia com o uso da RV. Indústrias como a aeronáutica, montadoras e de óleo e gás reduzem custos com a produção digital de maquetes virtuais, cujo preço é muito inferior à construção de protótipos reais. Outra vantagem é poder modificar o projeto em qualquer fase de desenvolvimento sem precisar reiniciar todo o processo.

Na área médica, treinamentos cirúrgicos já são realizados com a ajuda de uma interface que simula um bisturi. Além disso, os serviços prestados pela Caverna Digital incluem o auxílio na prospecção e exploração de petróleo em águas profundas pela Petrobras. O centro investe também em educação e, em 2005, colocará em funcionamento um planetário interativo para crianças, que será construído ao lado do Zoológico, na zona sul da capital. A previsão é receber 150 mil visitantes por ano.

Equipe multidisciplinar

O engenheiro eletrônico Marcelo Knörich Zuffo é o cientista responsável pela criação e comando da equipe multidisciplinar de 30 profissionais (pós-graduandos, professores e estagiários) da Caverna Digital. Ele conta que seu gosto pelo estudo de imagens começou no natal de 1982, quando ganhou uma calculadora científica que imprimia gráficos coloridos.

Desde então, Marcelo se especializou no tema e explica que a Caverna Digital teve grande impulso com o desenvolvimento interno de clusters – agrupamentos de computadores de baixo custo e alta capacidade computacional. No arranjo, cada máquina é responsável por projetar simultaneamente as imagens em cada uma das cinco paredes da Caverna Digital. E assim, criar, de modo artificial a sensação de tridimensionalidade. No Brasil, a Caverna Digital é pioneira no desenvolvimento desses sistemas e dispõe de três conjuntos.

O cluster é composto por algumas unidades de computadores, que podem chegar a algumas dezenas. As máquinas funcionam sincronizadas e as projeções simultâneas, associadas aos efeitos sonoros, tornam mais atraentes e interativas as aplicações em RV. Marcelo informa que daqui a dez anos, a meta será disponibilizar um computador para cada pixel, a menor unidade de imagem projetadas na telas do computador.

“Com milhares de máquinas trabalhando juntas, as experiências, serão ainda mais realísticas. Um dos desafios em RV é estimular a interoperabilidade e o uso comum entre os diferentes sistemas de computadores. E também criar filmes que dispensem um sistema operacional para ser executados”, explica.

Transmissor estereoscópico

Marcio Cabral é formado em ciências da computação e gerente de projetos da Caverna Digital. Atualmente está envolvido na construção de um transmissor de vídeo estereoscópico sem fio.

Trata-se de um equipamento que contém um capacete com duas câmeras acopladas – de visão frontal e traseira e mais uma mochila com um computador portátil (laptop) no seu interior. Ao se deslocar, o usuário transmite as imagens capturadas para um outro computador ou ambiente.

“As possibilidades de uso do transmissor são ilimitadas. Abrangem treinamento para portadores de deficiências, conserto à distância de motores e máquinas, uso militar e exploração de áreas perigosas, como campo minados”, conta.

O engenheiro de computação Luciano Pereira Soares é um dos pioneiros da equipe da Caverna Digital. “Trabalhei na Silicon Graphics, empresa multinacional de computação gráfica e vim fazer mestrado na Caverna Digital. Utilizei aqui meus conhecimentos prévios e colaborei na concepção das paredes, salas de máquinas e clusters. Aproveitei ainda as soluções encontradas pela Escola Politécnica da USP para clusters numéricos e adaptei-as para a área de computação gráfica”, conta.

Luciano explica que desenvolver ferramentas educacionais é uma das principais propostas do centro. “O ensino tradicional, restrito à lousa e giz, não tem o mesmo apelo do passado. Para estudar a estrutura do átomo, é mais fácil e instigante assistir a um filme com uma aplicação em RV mostrando para o aluno o seu funcionamento, com cores, animações e interatividade”, comenta.

Um dos desafios para a expansão da RV é desenvolver ferramentas para construir aplicações. “Comprar software é caro e nem sempre o programa corresponde totalmente às expectativas”, explica. O custo dos computadores, baseado em dólar, é outro fator de limitação. “E finalmente, é preciso criar conteúdo brasileiro para os filmes”, salienta.

A mestranda Júlia Benini é estagiária da Caverna Digital e formada em Propaganda pela USP. Trocou empregos anteriores em produtoras de sites, pela possibilidade de se aprofundar na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias. “Aqui encontro respostas para as pesquisas de viabilidade prática que faço com bolsistas de iniciação cientifica e graduandos. É diferente de locais que colocam o estagiário para somente tirar xerox“, conta.

Rede Kyatera

A Rede Kyatera é um projeto da Fapesp que vai interligar a Caverna Digital com sistemas similares no Brasil e no mundo. Permite a realização de exercícios de imersão e teleimersão à distância – ou seja, gerar e transferir as imagens e sons digitais por meio da internet de alta velocidade e, no outro ponto da rede, repassar a sensação de ilusão para usuários distantes, até mesmo em outros continentes.

O estudo da telepresença é apoiado pela Rede Nacional de Pesquisas (RNP) e é diferente do teletransporte de matéria, brincadeira recorrente no antigo desenho animado dos Jetsons. Marcelo Zuffo conta que esta aplicação já é uma realidade, sendo utilizada por médicos para ensinar outros colegas a realizar procedimentos cirúrgicos delicados.

Vôos panorâmicos

Na Caverna Digital, o visitante pode fazer um vôo panorâmico, como se estivesse em uma asa-delta sobrevoando o Corcovado na cidade do Rio de Janeiro. Se quiser, pode também conhecer todo o campus da USP na capital e, para aprender astronomia, “viajar” pelo Sistema Solar e estudar as estrelas da Via Láctea na Caverna Digital. A experiência é controlada por um joystick, dispositivo de controle igual ao utilizado nos jogos eletrônicos. O computador cria artificialmente as sensações de profundidade, movimento e de imersão”, explica Marcelo.

Para participar da experiência, o visitante coloca óculos especiais e, de meia ou de chinelo, anda e interage com o ambiente, que é revestido por telas especiais que recebem as projeções – são brancas com três metros de altura e três de largura. A luminosidade do local também é calculada e o projeto das salas foi acompanhado por professores de arquitetura da USP. O objetivo é oferecer conforto máximo para os usuários na sala, que tem isolamento acústico também especial.

Fotomontagens

O engenheiro Osvaldo Ramos é especialista em processamento de imagens e conta que o filme tridimensional exibido na Caverna Digital é o resultado de um minucioso trabalho de fotomontagem. As imagens que compõem as cenas são produzidas com uma câmera especial, que fica sob um tripé. Ela captura imagens simultaneamente em 360 graus com doze lentes que, dispostas em círculo, filmam todas as direções e permitem produzir imagens panorâmicas de toda uma área. O passo seguinte é fazer a junção de toda as fotos e transformá-las em um filme único, em um programa de computador que foi desenvolvido pelos cientistas da Caverna Digital.

Osvaldo conta que esta iniciativa teve grande importância para a Petrobras. “Esta aplicação é muito útil na exploração de águas profundas. Permite a um robô afundar e mapear, de modo panorâmico, toda a paisagem submarina. Estas informações são fundamentais para a construção de oleodutos, marinas e plataformas de exploração de petróleo”, explica.

Aplicações infinitas

A RV tem aplicações na construção de robôs e dispositivos capazes de desarmar bombas, evacuar prédios e prestar socorro em situações de emergência. “Uma novidade, é o uso da RV no tratamento de fobias, já realizado em países europeus, como Portugal e França. Um paciente que tenha medo de altura pode ser submetido a um tratamento que utilize a RV no auxílio na superação de seus medos”, conta Marcelo.

Marcelo informa que o esforço dos cientistas em pesquisar a RV colabora com projetos em bens de consumo ergonômicos – eletrodomésticos e dispositivos capazes de se integrar melhor aos movimentos e formas do corpo humano. Um dos maiores desafios é conseguir sincronizar o funcionamento de todos as máquinas envolvidas para criar a sensação de profundidade, que se completa com a projeção simultânea dos computadores nas paredes e com o uso dos óculos especiais.

Parcerias

A lista de parceiros da Caverna Digital inclui empresas como a Itautec, Intel e o Finep, programa de financiamento de estudos e projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Informações

Caverna Digital da USP

Rogério Mascia Silveira
Da Agência Imprensa Oficial

Reportagem publicada originalmente nas páginas II e III do Poder Executivo I e II do Diário Oficial do Estado de SP do dia 20/11/2004. (PDF)